Maputo, 25 abr (Lusa) - Em cem dias na presidência moçambicana, que hoje se assinalam, Filipe Nyusi assumiu uma postura reformista e de diálogo, clarificou o poder no seu partido, mas não conseguiu resultados na crise política com a Renamo.

A subida de Nyusi à liderança da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), dois meses depois da sua posse como Presidente da República, foi lida como o verdadeiro momento em que o novo estadista encontrou espaço para realizar o seu projeto, afastando-se de Armando Guebuza, seu antecessor e mentor político, e que simboliza o desgaste que o partido dominante em Moçambique conheceu nos últimos resultados eleitorais.

Se o fim de Guebuza traduziu um novo começo para Nyusi, a crise com a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) persiste e sem sinais de resolução, seis meses após as eleições gerais que o principal partido de oposição não reconhece, alegando fraude.

Como forma de ultrapassar a crise, a Renamo propõe-se governar onde reivindica a vitória eleitoral, num modelo de províncias autónomas que a maioria parlamentar da Frelimo não tenciona aprovar, mesmo sob a ameaça de o líder do partido de oposição, Afonso Dhlakama, tomar o poder pela força.

"Não quero que o meu irmão caia", afirmou Dhlakama na presença de Nyusi, no segundo encontro entre ambos num hotel da capital, no qual o Presidente moçambicano conseguiu que a Renamo levantasse um boicote parlamentar mas sem resultados na resolução do problema a longo-prazo.

Ao fim de mais de cem rondas de diálogo com o Governo, a Renamo continua armada e a missão de observação militar para acompanhar a integração dos homens da oposição nas forças de defesa e segurança foi apenas uma perda de tempo e de dinheiro para todos.

Além da chamada "paz armada", a economia moçambicana enfrenta incertezas relacionadas com a descida dos preços das matérias-primas, aumento da cotação do dólar e ainda atrasos nas decisões de investimento dos megaprojetos de gás natural no norte do país.

Nyusi herdou um país com mais de metade da população abaixo da linha da pobreza e ainda dependente do exterior do financiamento do seu orçamento e que, em 2015, será agravado pela calamidade das piores cheias dos últimos anos no centro e norte do país, vitimando mais de 150 pessoas e destruindo infraestruturas vitais, a que se associou um surto de cólera.

Os primeiros cem dias de Nyusi têm aliás a marca da tragédia. A sua posse foi ensombrada pela morte de 75 pessoas, poucos dias antes em Chitima, província de Tete, intoxicadas por uma bebida tradicional e mais recentemente pela crise de violência xenófoba na África do Sul, que levou ao regresso de mais de dois mil moçambicanos.

No início de março, o constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac foi assassinado a tiro no centro de Maputo, após ter defendido a constitucionalidade do projeto de províncias autónomas da Renamo, num crime que analistas e órgãos de comunicação social atribuíram a radicais da Frelimo.

Apesar de ter produzido mudanças em cargos de chefia na polícia, o homicídio de Cistac continua por esclarecer, bem como os raptos à luz do dia na capital, um dos quais embaraçando o Presidente, que na mesma manhã prometia o combate à corrupção e criminalidade organizada.

Nyusi avistou-se com toda a oposição, líderes religiosos, sociedade civil, corpo diplomático, artistas e imprensa, vincando uma postura de abertura alternativa ao seu antecessor e, com o seu persistente discurso de paz e tolerância, tornou-se também popular nestes setores.

Apesar de uma nova linha de marca, o Governo de Nyusi conserva numerosos elementos da administração anterior, bem como na composição de governadores provinciais, e, no último mês, retomou uma controversa prática de Guebuza ao realizar duas presidências abertas no sul do país e que são frequentemente consideradas como mera propaganda e despesa desnecessária do Estado.

Mas o principal obstáculo à governação, que marcou cem dias de Nyusi na presidência, ameaça prosseguir nos próximos e o primeiro teste à estabilidade chega ainda este mês com a discussão do projeto da Renamo no parlamento.

HB // PJA

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