Uma guerra noutro hemisfério, a uns 8.000 quilómetros, na Ucrânia, leva-o por um caminho diferente do que percorria antes, até uma padaria num subúrbio de Chimoio, capital da província de Manica, porque a inflação obrigou-o a trocar o pão por batata-doce e não só.

Os hábitos alimentares da numerosa família - quatro esposas, 14 filhos e três netas - mudaram desde que o peço do pão subiu de oito para 10 meticais (15 cêntimos de euro) há quase um mês, passando a servir-se de mandioca, inhame e batata-doce, tubérculos abundantes na região nesta época.

"Com esse preço do pão, já não seria capaz de dar uma refeição à minha família. Mas comprando mandioca ou batata-doce de 50 ou 70 meticais consigo", sem ninguém ficar de fora, diz Pedro Farnela à Lusa, rindo-se da reviravolta irónica.

"Geralmente comprávamos pão para acompanhar a moda", porque "a batata-doce sempre esteve mais acessível", explica o sapateiro.

"Mas agora o preço do pão ficou insustentável para a minha família" e já ninguém vai de modas, porque ao fim do dia, as contas é que mandam, ainda para mais num dos países mais pobres do mundo e onde metade dos 30 milhões de habitantes tem dificuldade em ter comida suficiente.

Só com o pão, Pedro Farnela precisava despender diariamente 210 meticais (três euros), quase o triplo do que gasta na compra de tubérculos.

O remanescente é redistribuído para a aquisição de outros produtos alimentares básicos, cujos preços também dispararem nas últimas semanas.

Milhares de famílias em Chimoio, a capital de Manica, trocaram o pão por mandioca, batata-doce ou inhame para contornar a alta de preços do trigo importado.

"O preço do pão já era insuportável", diz à Lusa Marcelino Daude, vendedor ambulante.

"Se tivesse de continuar a comprar, tinha de repartir um pão por duas pessoas e com o peso adulterado, não seria uma refeição", refere, numa alusão à diminuição do tamanho do pão, forma encontrada pelos produtores para acomodarem a subida das matérias-primas sem maiores aumentos no preço de venda ao público.

Marcelino Daude ganha em média 130 meticais (dois euros) por dia, vendendo roupa usada pelas ruas de Chimoio e o valor diário deve ser repartido por três refeições para uma família de cinco membros, incluindo os três filhos menores.

Logo pela manhã, o mercado 38 Milímetros - nome herdado da arma antiaérea de um quartel vizinho -, o principal mercado informal de Chimoio, regista um grande movimento de pessoas, muitas inclinadas para escolher e comprar molhos de batata-doce ou mandioca, arrumados em sacos de ráfia.

O cenário contrasta com as padarias que antes tinham filas e agora estão quase vazias.

"Agora as pessoas preferem comprar batata-doce em vez de pão. Com o aumento, muitos já não podem comprar a mesma quantidade", diz à Lusa Juvêncio Almeida, revendedor de pão no mercado, que perde clientes para os tubérculos.

João Marcelino, outro revendedor de pão, cuja banca faz limite com uma vendedora de tubérculos, explica que "a batata-doce de 10 meticais serve como refeição para uma família de cinco membros".

"Já o pão, só pode ser consumido por uma pessoa ou duas, no máximo", acrescenta, reconhecendo que "a venda do pão está a tornar-se lenta e difícil".

O negócio dos tubérculos está a atrair vendedores de outras províncias do país, que querem comprar o produto para ser revendido nas províncias do sul do país, sobretudo Maputo, e também no norte, como Nampula e Cabo Delgado.

Em abril, a inflação em Moçambique acelerou para 7,9%, o valor mais alto dos últimos quatro anos e meio.

O recorde foi atingido depois de uma subida face a 6,7% em março, "a refletir o aumento dos preços dos combustíveis e dos bens alimentares", referiu o Banco de Moçambique.

Apesar do aumento de preços, o banco central prevê a manutenção da inflação em um dígito [abaixo de 10%] no médio prazo, "não obstante os elevados riscos e incertezas associados a estas projeções", nomeadamente com a guerra na Ucrânia, justificou.

AYAC // VM

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