Cristina Garcia, da Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg), falou com a agência Lusa da campanha de escavação concluída esta semana para explicar que os trabalhos deram continuidade às escavações de 1998 e 2001, nas quais foram detetados vestígios do que se pensava ser a ermida, mas os resultados foram diferentes e os muros existentes eram afinal parte do bairro islâmico abandonado pelos árabes antes da conquista cristã e que foi depois sobreposto pela necrópole cristã medieval.

Como esses muros estavam num extrato aparentemente superior ao da necrópole cristã, os investigadores pensaram que pertenceriam à ermida, mas encontraram mais corpos do "cemitério medieval cristão, que teve uma utilização até ao século XV ou XVI" e agora precisam de "perceber exatamente quais são as áreas, por épocas, de distribuição deste cemitério", justificou Cristina Garcia.

"Estávamos também à procura da ermida de Nossa Senhora dos Mártires, a ermida primitiva, a primeira instalada no território depois da conquista cristã, mas não a encontrámos, continua sendo o bairro islâmico, abandonado, que está debaixo deste cemitério, o que foi para nós curioso, porque não esperávamos", reconheceu.

Estes dados permitiram perceber que houve "um planeamento na construção deste bairro", porque "há uma construção em socalco" e até "mesmo uma escavação na rocha e uma preparação deste terreno para implantar" as edificações, sublinhou a investigadora, destacando o achado inesperado de um gato enterrado na necrópole cristã, porque nestes locais não "há registos bibliográficos" de enterramentos de animais domésticos, observou.

"Já temos projetos para continuar, porque de facto a necrópole continua com muita intensidade, com muitos enterramentos, o bairro islâmico estende-se e prolonga-se por todo este terreno, e temos que perceber quais são os limites do bairro, que área ocupa, para saber um pouco mais sobre o modo de vida desta comunidade que aqui habitava, a relação com o mar, com a terra, o que faziam. Portanto, já temos projetos para o futuro e muitas questões para colocar", garantiu Cristina Garcia.

A investigadora advertiu, no entanto, que é necessário "financiamento e apoio" para pôr de pé "um projeto de investigação e musealização" que permita "contar a mostrar a história de Cacela aos visitantes" e que está orçamentado, estimou, em cerca de 150 mil euros.

"Temos projetos, sabemos quanto custa, mas tem que se entre todos, não pode ser só o poder local", considerou, qualificando o apoio dado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António como "preponderante na logística toda" para uma escavação que contou também com o apoio da DRCAlg e da Universidade do Algarve.

A formação foi também uma das componentes desta campanha arqueológica em Cacela Velha, proporcionando trabalho de campo a alunos, como nos casos de Miriam Soares e Francisco Cardoso, das universidades do Algarve e do Porto, respetivamente.

"É interessante, nós aprendemos nas aulas, mas depois, quando chegamos ao campo, é completamente diferente e somos confrontados com a realidade, ainda por cima esta situação, que não é tão usual, é uma experiência, é interessante", afirmou Miriam Soares.

Francisco Cardoso também reconheceu que a escavação permitiu ter uma "boa experiência" e "sair do que é a teoria" aprendida nas aulas: "Por isso, vir para uma escavação fazer voluntariado é muito importante, porque só a teoria acaba por não chegar para um arqueólogo".

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