O código “único, inclusivo, universal e transversal” ColorADD traduz-se na associação das cores primárias (azul, amarelo e magenta) a formas geométricas (triângulos e diagonais).

“Sempre achei que o design é muito mais do que criar objetos bonitos. O design tem a capacidade de, ao criar, fazer a vida melhor para alguém”, afirma Miguel Neiva, o designer português que criou um sistema de identificação de cores com o objetivo de incluir quem tem dificuldades em as interpretar.

A primeira marca que o implementou foi a CIN, nas suas tintas. Seguiu-se a Viarco, dos lápis de cor. Hoje, o código está associado a cerca de 300 empresas e entidades, públicas e privadas, bem como a produtos de vários setores ou a 500 quilómetros de costa balnear, graças à introdução dos símbolos nas bandeiras, entre outros.

O São João, no Porto, foi o primeiro hospital a usar o código na identificação dos seus circuitos. Nos transportes, há linhas de metro no Porto e de autocarros em Lisboa com o sistema que inclui quem não distingue cores. O Metro de Madrid usa a ColorADD no seu programa de acessibilidades.

“Em 2014 contactei a Mattel [referência internacional no mercado de jogos didáticos] Portugal, mas o projeto não foi levado à casa mãe. Era inovador, era como levar ‘sushi’ a casa dos avós (…). Em 2017 foi a Mattel ‘mãe’ dos Estados Unidos que nos contactou porque queria criar um UNO, o mais famoso jogo de cartas do mundo, inclusivo. Só no mercado americano, no primeiro ano, a Mattel aumentou as vendas em 66%. Mais de 70 canais de televisão noticiaram um produto que gerou um milhão de mensagens nas redes sociais”, descreve o designer, à agência Lusa.

Miguel Neiva conta o exemplo do UNO inclusivo, um jogo da década de 70 que em 2018 fez parte de uma exposição do Smithsonian Design Museum de Nova Iorque sobre objetos que foram reinventados para chegar a mais pessoas, para explicar a convicção que o acompanha ao longo da implementação do projeto ColorADD: “Uma boa ideia não tem de ser grátis só porque é inclusiva”.

É desta convicção que nasce um modelo de negócio baseado no conceito de empreendedorismo social.

A empresa ColorADD, que existe porque “a sociedade se esqueceu dos daltónicos” até que um dia um designer português resolveu criar um código motivado pela “paranoia de poder chegar a uma gráfica e aprovar uma imagem errada por não distinguir bem as cores”, está espalhado pelo mundo em cerca de cinco milhões de lápis de cor e mais de 100 milhões de etiquetas de roupa.

“Mas não de forma intrusiva, caso contrário correr-se-ia o risco de criar confusão e contribuir para o estigma associado aos daltónicos”, diz Miguel Neiva.

O daltonismo é uma limitação não visível, incurável, transmitida hereditariamente e que afeta cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo, maioritariamente homens.

“Há diversas maneiras de perceber a cor. Não há dois daltónicos iguais. Há quem confunda verdes, vermelhos e laranjas e quem confunda azuis e verdes, ou malta que nasce a ver a preto e branco (…). O objetivo é introduzir qualidade de vida”, acrescenta.

Para desenvolver a tese, que apresentou exatamente há 12 anos, a 16 de outubro de 2008, na Universidade do Minho, Miguel Neiva que não é daltónico e antes de fazer o código conhecia dois entre os seus contactos pessoais, trabalhou durante oito anos com 146 daltónicos “de todo o mundo para despistar a questão cultural”, bem como com especialistas, cirurgiões oculares, oftalmologistas e professores universitários.

“Um padre disse-me que deixou de ter problemas no dia em que se ordenou porque passou a vestir preto e branco, mas que não tinha dúvidas de já ter feito o funeral de alguém com um paramento de cor errada. Uma senhora – há uma percentagem reduzida de daltonismo no feminino, mas quando há, é potenciado – todos os dias sentia o posto de trabalho em perigo porque o patrão enviava ficheiros e a verde seguia o que era para pôr e a vermelho o que era para tirar”, relata o designer.

Paralelamente à implementação em produtos, o projeto desdobrou-se na ColorADD Social, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo levar o código às escolas.

“Foram as minhas filhas que me ensinaram a fazer reciclagem. Também são as crianças de hoje que vão ensinar os pais que é possível ser inclusivo (…). Não havendo cura o estigma começa em idade escolar no ‘bullying’ exercido pelo professor que se zanga com o aluno que não soube pintar a árvore de verde ou não interpretou um gráfico num teste de geografia”, defende Miguel Neiva.

Criada em 2014, a ColorADD Social organizou 260 bibliotecas municipais e escolares, fez cerca de 32.500 rastreios de daltonismo no 1.º Ciclo e promoveu 3.000 ações de sensibilização e capacitação.

“Já há manuais escolares que ensinam o código em Portugal, Espanha e no Brasil. E em 2014, a pedido do Ministério [da Educação] os exames nacionais introduziram o código (…). O daltonismo era um não assunto e agora é valorizado. Em 2011, a 15 dias do início do campeonato, a Liga [de Clubes] reconsiderou a cor da bola e nunca se fez um jogo com a que estava prevista. O risco era confundir a bola [laranja] com a relva [verde]”, descreve Miguel Neiva.

Na calha, entre projetos com um clube de futebol, com uma farmacêutica ou com um dos maiores hospitais brasileiros, destaca-se uma parceria com a Embaixada de Portugal no Senegal que “vai servir de teste-piloto para que o código venha a ser introduzido na identificação de circuitos, documentos e eventos de outras embaixadas” ou a participação na Expo Dubai adiada para 2021 devido à pandemia da covid-19.

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