Cody Keenan é o principal responsável pelos discursos de Obama. "Sentamo-nos na Sala Oval, ele fala, transcrevemos e isso dá-me material para trabalhar”, confidenciou à AFP. “Ao fim de alguns dias entrego-lhe um rascunho. Se ele não gosta, pega numa folha de papel e começa a escrever as suas próprias ideias. Se ele gosta, começamos a definir o texto. Normalmente são necessários três ou quatro rascunhos para se chegar ao produto final, que ainda poderá sofrer alterações de última hora”, conta.

Na hora da despedida, Obama decidiu lembrar a 20 mil pessoas em Chicago, ontem à noite, que "a democracia requer um sentimento básico de solidariedade, a ideia de que para lá das nossas divergências estamos nisto juntos. Crescemos ou caímos juntos".

Aqui ficam os sete momentos (ou as palavras) que ficarão inscritos na História daquela que será, inevitavelmente, a América de Obama.

Estados UNIDOS da América. Boston, 27 de julho de 2004

“Esta noite não há uma América liberal e uma América conservadora, há os Estados Unidos da América. Não há uma América negra, e uma América branca, e Latina e asiática, mas os Estados Unidos da América”, disse Obama na Convenção Democrata de 2004.

Nessa ocasião, o jovem senador de Illinois, Barack Hussein Obama - filho de um queniano e uma norte-americana - era praticamente desconhecido, mas impressionou os americanos (e o mundo) com um discurso na Convenção Democrata que nomeou John Kerry candidato do partido às presidenciais norte-americanas, com John Edwards como candidato à vice-presidência.

“Estou aqui hoje grato pela diversidade da minha herança, consciente de que os sonhos dos meus pais continuam vivos nas minhas duas queridas filhas. Estou aqui consciente que a minha história é parte da história da América. 

Para Keenan este foi, “provavelmente, o discurso mais bem sucedido [de Obama]. “Tudo que fez foi contar a história do país, contar a sua própria história e unir as duas coisas".

Falar de mulheres, de terrorismo e de religião no Cairo, 4 de junho de 2009

Num discurso para os mais de 1,5 mil milhões de muçulmanos no mundo, Obama tomou a palavra na Universidade do Cairo, em 2009, com a tradicional saudação "Salam alaikum”.

“Encontramo-nos num tempo de grande tensão”, assumiu Obama. “Vim ao Cairo em busca de um novo começo entre os Estados Unidos e os muçulmanos em todo o mundo, baseado nos interesses e no respeito mútuo”, disse o presidente dos EUA.

“Reconheço que a mudança não pode acontecer do dia para a noite (…) não posso responder nesta tarde a todas as questões complexas que nos trouxeram a este ponto. Mas acredito que para avançar temos de dizer abertamente uns aos outros o que guardamos nos nossos corações e que muitas vezes é apenas dito na intimidade. Tem de existir um esforço para nos ouvirmos uns aos outros, para aprendermos uns com os outros, para nos respeitarmos e procurarmos terreno comum”.

Obama citou o Corão e comprometeu-se a “falar verdade”. Neste discurso, salientou os valores comuns de cristãos e muçulmanos, falou do seu passado, de História, de emigração, de armas nucleares e sobre terrorismo. “A América não está e nunca estará em guerra com o Islão, mas lutaremos incansavelmente contra a violência extremista, que é uma grande ameaça à nossa segurança”.

Obama referiu ainda o papel das mulheres na sociedade. “Acredito que as nossas filhas podem contribuir tanto como os nossos filhos”, disse.

“As pessoas do mundo podem viver juntas em paz, sabemos que essa é a visão de Deus, agora esse deve ser o nosso trabalho aqui na terra. Obrigado, e que a paz de Deus esteja convosco”, concluiu, debaixo de uma enorme salva de palmas.

Falar de guerra ao receber o Nobel da Paz. Oslo, 10 de dezembro de 2009

Obama estava há menos de um ano na Casa Branca quando foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz, decisão polémica do Comité Nobel e que o então novo presidente dos EUA assumiu assim que tomou a palavra em Oslo. Depois, escolheu falar de guerra na cerimónia onde de celebra a paz.

“Estamos em guerra e eu sou responsável por enviar milhares de jovens americanos para lutar numa terra estrangeira (…) aqui estou consciente dos custos da guerra (…)”, disse Obama, defendendo que o conceito de “guerra justa” tem de ser repensado.

O presidente dos EUA aproveitou a ocasião para falar de terrorismo, sobre a proliferação das armas nucleares e de como a guerra entre nações foi sendo substituída pelos conflitos internos e, consequentemente, estados falhados. Em suma, Obama falou de guerra com um meio para conquistar a paz, ainda que a nossa obrigação, enquanto humanidade, seja promover a paz.

“Temos de começar por reconhecer uma dura verdade: não vamos erradicar o conflito violento no nosso tempo de vida, existirão tempos em que as nações, agindo individualmente ou de forma concertada, consideram o uso da força não apenas necessário mas justificável”. “A guerra em si mesma nunca é gloriosa”, salientou. No entanto, “sim, os instrumentos de guerra têm um papel na preservação da paz”. A audiência manteve-se em silêncio.

“A noção que a paz é desejável raramente é suficiente para garanti-la”, salientou, deixando um recado: “A América sozinha não consegue assegurar a paz”.

Falar sobre racismo em Selma, 7 de março de 2015

A 7 de março de 2015, 50 anos depois da primeira marcha sobre a ponte Edmund Pettus, em Selma, Alabama, Obama prestou homenagem aos ativistas dos direitos civis que fizeram um protesto pacífico pelo direito ao voto e que foi violentamente reprimido pelas autoridades.

“Há lugares e momentos decisivos para o futuro da América. Muitos são locais de guerra (…) outros são locais que simbolizam o desafiar do caráter da América (…), Selma é um desses sítios”.

Selma não foi palco de “de um confronto de exércitos, mas de vontades”, continuou Obama, elogiando a “enorme fé” dos que marcharam. “Fé em Deus e na América”. Marcharam exigindo “apenas tratamento igual, algo que lhes foi prometido quase um século antes”.

“Se Selma nos ensinou algo é que o nosso trabalho nunca está terminado”, continuou Obama, aproveitando a ocasião para falar da tensão social nos EUA, que escalou na sequência da morte do jovem negro Michael Brown, alvejado pelo polícia Darren Wilson, em Fergusson, menos de um ano antes deste discurso.

“Que forma maior de patriotismo existe do que acreditar que a América ainda não está finalizada, que somos fortes o suficiente para sermos autocríticos, que cada geração pode olhar para as suas imperfeições e acreditar que estamos à altura de refazer esta nação para que se aproxime mais dos nossos ideais”, questionou. "Só precisamos abrir os nossos olhos, ouvidos e corações para perceber que a história racial da nossa nação ainda lança a sua longa sombra sobre nós", assumiu.

“Eles amavam tanto este país que arriscaram tudo para que se cumprisse a sua promessa. É isto que significa amar e a acreditar na América. (…) Vocês são a América”, disse ainda o presidente que, acompanhado da sua esposa, Michelle, e das duas filhas, Malia e Sasha, cruzou a pé a ponte sobre o rio Alabama.

O elogio fúnebre que acabou com Obama a cantar Amazing Grace. Charleston, 26 de junho de 2015

Obama foi a Charleston, na Carolina do Sul, fazer um elogio fúnebre emocionado ao reverendo Clementa Pinckney e a oito outras pessoas, assassinados na semana anterior num ataque racista numa igreja, durante um estudo bíblico. Aqui, Obama quis falar não apenas sobre racismo, mas sobre a violência com armas de fogo, que custa dezenas de vidas, todos os dias, nos EUA.

Restringir o uso e porte de arma - constitucionalmente garantido - foi uma longa luta de Obama durante estes oito anos.

Em Charleston, Obama falou de fé, de graça, de guerra civil e de direitos humanos.

“Fomos cegos durante muito tempo sobre a forma como injustiças do passado continuam a moldar o presente. Talvez vejamos isto agora, talvez esta tragédia nos obrigue a fazer perguntas difíceis: como permitimos que muitas das nossas crianças definhem na pobreza (…) ou cresçam sem perspetivas de trabalho ou carreira, talvez essa seja a causa porque tantas das nossas crianças carregam ódio em si”, disse Obama. 

“Talvez vejamos como o racismo nos pode afetar, mesmo quando não o reconhecemos”, disse, acrescentando que esta tragédia pode travar o impulso de “chamar o Johnny para uma entrevista de emprego e não o Jamal”. 

“Fomos cegos por muito tempo no que toca à violência que as armas infligem neste país”, disse, recordando que todos os dias 30 pessoas perdem a vida nos EUA devido à violência com armas de fogo.

“Mesmo respeitando as regras e tradições deste amado país, ao fazer a escolha moral de mudar nós exprimimos a graça de Deus”, disse. Depois, uma longa pausa.

“Amazing Grace… how sweet the sound…”, cantou Obama.

De acordo com Keenan, o discurso que foi preparado tinha a letra da canção. "Naquela manhã, estávamos já no helicóptero quando ele me disse: sabe de uma coisa? É possível que eu cante uma parte". Eu olhei pela janela e pensei: "Claro que vai cantar”, confidenciou.

Falar de liberdade, do poder popular e de democracia em Cuba. Havana, 22 de março de 2016

No dia 20 de março de 2016, após mais de 80 anos de antagonismo, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente norte-americano em exercício a pisar o solo cubano após a revolução de Castro.

Num discurso em Havana, com Raúl Castro sentado na plateia, Obama defendeu a democracia e disse ao povo cubano que o futuro do país está nas suas mãos. A Castro disse que se não teme a presença do presidente dos EUA, também não teme certamente a voz do povo cubano.

“Cultivo uma rosa branca”. Foi assim que Obama iniciou o discurso, em espanhol, recordando uma frase de José Martí, herói nacional cubano, e referindo-se a um símbolo de paz. “Hoje como presidente dos EUA ofereço ao povo cubano uma saudação de paz”, acrescentou.

“Vim aqui enterrar a última reminiscência da Guerra Fria. (…) porquê agora? Porque aquilo que os EUA estavam a fazer não resultava (…) porque o embargo estava somente a magoar o povo cubano”, assumiu, e justificou a mudança de estratégia com a sua crença nesse mesmo povo.

“Posso dizer-vos como amigo que a prosperidade sustentável no século XXI depende da educação, saúde e da defesa do ambiente, mas também da troca livre e aberta de ideias”, disse Obama, que falou contra as detenções arbitrárias, sobre a defesa dos direitos humanos e fez um elogio à democracia.

“As pessoas organizaram-se, protestaram, e desafiaram as autoridades governamentais [referindo-se à luta pelos direitos civis nos EUA]. E por causa da mobilização popular eu posso estar aqui agora como um afro-americano e como presidente dos EUA”.

“A democracia foi a forma como resolvemos os problemas na nossa sociedade”, acrescentou. “Os ideais de uma revolução expressam-se melhor numa democracia”, disse, defendendo que “o futuro de cuba tem de estar nas mãos do povo cubano”.

“Podemos fazer esta viagem como amigos, como vizinhos”, concluiu Obama.

Dizer adeus no ponto de partida. Chicago, 10 de janeiro de 2016

Ontem, Obama, como manda a tradição, fez o discurso de despedida da Casa Branca. Falou de legado, deu uma lição de democracia e lembrou aos americanos que o trabalho não acabou, ainda há muito para fazer.

“A mudança só acontece quando as pessoas se envolvem e se sentem parte [de algo] e, em conjunto, exigem que aconteça [a mudança]. (…) Ao fim de oito anos como vosso presidente, ainda acredito nisto”, disse Obama.

 Primeiro o legado: “Se eu vos dissesse há oito anos que a América iria dar a volta a uma grande recessão, reconstruir a sua indústria automóvel e iniciar a maior criação de empregos da nossa história … Se vos tivesse dito isto, diriam que estávamos a colocar a fasquia muito alta. Mas foi o que fizemos. Foi o que vocês fizeram. Vocês foram a mudança”.

E depois, a lição: “Temos de entender que a democracia não pressupõe uniformidade (...) Mas os nossos fundadores sabiam que [a democracia] requer um sentido fundamental de solidariedade. A ideia de que, apesar das nossas diferenças, estamos juntos nisto. Vencemos ou falhamos juntos”.

No que à política diz respeito, Obama fez questão de lembrar que “servir” nunca é para proveito próprio, “mas para tornar melhor a vida das pessoas”.

Olhando para o futuro, Obama sabe que sai deixando capítulos em aberto. O Acordo de Paris, para travar o aquecimento global, ainda é só um compromisso. “Negar simplesmente que o problema existe não só trai as gerações futuras como trai o espírito essencial do nosso país - o espírito essencial de inovação e de resolução de problemas que guiou os nossos pais fundadores”, lembrou.

Por fim, a responsabilização do povo, aquele que tem a palavra final sobre o futuro da América, como lembrou em Selma e em Cuba. “Quem está cansado de discutir com estranhos na internet, experimente falar com um deles olhos nos olhos. Se alguma coisa tem de ser corrigida, metam mãos à obra e tratem disso. Se estão desapontados com os políticos que elegeram, juntem assinaturas e concorram vocês mesmos. (…) Vocês mudaram o mundo. Vocês. E é por isso que saio deste palco hoje ainda mais otimista com o nosso país do que quando começámos”.

Depois de fazer um tributo à sua família e a Joe Biden, Obama garantiu que ele mesmo, enquanto cidadão, não baixará os braços. “Foi a maior honra servir-vos. Não irei, na realidade, deixar de o fazer. Estarei sempre ao vosso lado, como cidadão, para o resto dos meus dias”.

E agora? Trump assume a presidência dos EUA no dia 20 de janeiro. Qual será a América de Trump? O tempo dirá.