Ao início da madrugada de hoje, o comandante dos Bombeiros de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, já conseguia respirar - que "o tempo amainou" - e preparava-se para dormir, ainda que com a imagem de um concelho "lindíssimo", verde, transformado agora em negrura.

"Não deu hipótese. Queríamos entrar nas aldeias e não conseguimos, porque o incêndio andou sempre à nossa frente", disse à agência Lusa o comandante, sublinhando, por duas vezes, que "o incêndio andava mais que os carros".

Augusto Arnaut contou que desde o início que o incêndio "demonstrou o seu potencial", e até foram postos no terreno mais meios do que o previsto.

Apesar das falhas do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal), que confirma, o comandante crê que não foi esse o problema na estrada nacional 236-1, que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera.

"Foi um incêndio muito rápido, que apanhou as pessoas desprevenidas" e, até, as próprias autoridades, realçou.

"Nem que fosse com todos os meios que havia no país, os bombeiros não fazem uma barreira, não é? Não fazem uma barreira de 30 metros de altura", salientou o comandante de Figueiró dos Vinhos, Paulo Renato, 48 anos (26 como bombeiro), que acredita que foram "coisas da Natureza" que estiveram na causa do incêndio.

Paulo Renato esteve 36 horas sem dormir no combate inicial às chamas, numa catadupa de ocorrências que espoletavam à medida que batia o terreno.

Inicialmente, foram chamados para a localidade de Escalos Fundeiros, em Pedrógão Grande, onde o incêndio começou pelas 13:43 de sábado, mas cerca de meia hora depois, já tinha também de acionar meios para Moninhos Cimeiros, no concelho de Figueiró dos Vinhos.

Às 17:00, recebia o pedido para a zona da Graça, ainda tentou ir até Vila Facaia, mas não conseguiu. "Já lá estava o incêndio".

Segue-se um pedido de ajuda para receber meios aéreos, forma uma brigada com três veículos para ajudar Castanheira de Pera, na zona que faz fronteira com Pedrógão Grande. Quando estava no local, olha para a serra e vê "tudo muito negro, uma coisa violenta, um vento louco".

Entretanto, Castanheira de Pera avisa que "está a ficar grave" no limite dos dois concelhos e pede-lhe o carro de combate da corporação (onde seguia Gonçalo Conceição, bombeiro que acabaria por falecer), que estava numa brigada com mais dois veículos de Figueiró dos Vinhos.

Quando sai de Moninhos, o comandante Paulo Renato volta a Figueiró dos Vinhos, pelas 19:00, e, assim que chega ao parque industrial, já era "fogo por todo o lado".

Pede ao pessoal para se manter por lá - há um depósito de gás, oficina de pneus, uma fábrica que trabalha com madeiras, outra de tintas e outra de alumínios.

O comandante dos bombeiros de Figueiró dos Vinhos segue no seu carro de comando para tentar entrar no IC8, mas não consegue. Atravessa serras, ouve gente a gritar numa povoação e, sem meios de combate, apenas pode dar "dicas sobre o que fazer".

"Felizmente, salvaram-se", sublinhou Paulo Renato, que a cada ponto que tentava chegar era surpreendido com o avanço das chamas.

Ao início, "íamos todos para Pedrógão, mas acabámos por ficar em Figueiró, outros em Alvaiázere, outros ficaram na Castanheira. Castanheira não conseguiu vir para baixo, que estavam entalados [os bombeiros]", resumiu.

Não deu para pensar na floresta, apenas na proteção de bens e de pessoas.

Houve "carros isolados" no combate, a ajudar cada um uma povoação. Não chegou para todos e houve lugares em que "nem bombeiros lá foram".

"Não era fácil", afirmou.

"É inglório. Estou a fazer um combate, a tentar defender uma certa área em que quero que ele [o incêndio] não passe. O meu objetivo é que não passe aquela estrada ou aquela população e, quando olho para trás, já passou e não tenho mão", explicou.

"Isto vai ficar para a História. É uma calamidade", sublinhou o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, uma corporação que já teve em tempos 120 bombeiros e que hoje só conta 75.

É mais um de muitos sinais de um interior empobrecido e sem pessoas - também presente nos terrenos abandonados -, num concelho em que "sai tudo para fora para estudar ou para trabalhar".

"Qualquer dia, são os velhos que têm de socorrer aos velhos", desabafou Augusto Arnaut.

Autor: João Gaspar/Lusa

Fotografia: Paulo Rascão/MadreMedia

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