A proposta referente aos novos estatutos das ordens profissionais, que ontem foi enviada pelo Governo para a Assembleia da República, onde será apreciada na Comissão Parlamentar do Trabalho, prevê alterações de competências, nomeadamente no que respeita ao exercício da advocacia.

A principal mudança diz respeito à possibilidade, consagrada na nova proposta, de profissionais não inscritos na ordem dos Advogados poderem vir a praticar actos como a elaboração de contratos, cobrança de dívidas e consulta jurídica.

“Qual é que é a atividade fundamental de um advogado e de uma Ordem dos Advogados? O mandato forense, patrocínio judiciário do cidadão nos tribunais. Para lá dessa atividade principal, que é a essência da advocacia, temos depois a consulta jurídica, temos a elaboração de contratos, temos eventualmente a cobrança de créditos. Não há em lado nenhum da proposta de lei algo que diga: o advogado agora vai deixar de poder praticar o mandato forense, fazer consulta jurídica, elaborar contratos ou fazer cobrança de créditos”, afirmou o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves da Costa, na conferência de imprensa ontem realizada.

O que é verdade. A contestação  da Ordem dos Advogados advém é da possibilidade de licenciados em Direito – mas não inscritos na Ordem – poderem realizar um conjunto de atos jurídicos, como é o caso da elaboração de contratos, cobrança de dívidas e consulta jurídica.

“Uma coisa é ser licenciado em Direito, outra é ser advogado inscrito na ordem. A diferença é fundamentalmente a inscrição na ordem. O que se pretende é alargar a um universo de pessoas que até agora não podiam fazer consulta jurídica e que possam passar a fazer essa consulta jurídica”, afirmou o secretário de Estado. “Naturalmente, o profissional, que é um licenciado, desde logo esteve na academia como um advogado”.

Mas, no caso da cobrança de créditos, o acesso é alargado a profissionais que não têm de ser licenciados em Direito, sublinhando o governante que se “criou um mecanismo de supervisão em que tem de estar acompanhado por um advogado ou por um solicitador”

Cidadãos "completamente desprotegidos e à mercê de táticas mercantilistas"

"Permitir que a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação de créditos possam ser livremente praticadas por pessoas singulares ou coletivas sem a competência técnica para o efeito, nem sujeitas a regras éticas e deontológicas perfeitamente definidas, é permitir que os direitos dos cidadãos fiquem completamente desprotegidos e à mercê de táticas mercantilistas, que visam não a defesa dos interesses do cidadão, mas sim o próprio lucro de quem presta os serviços”, defende a Ordem dos Advogados numa carta aberta dirigida ao Presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia em que apontam um “retrocesso civilizacional” no acesso ao direito.

Ontem, pouco antes da conferência de imprensa realizada pelo Governo sobre os estatutos das ordens profissionais, cerca de uma centena de advogados concentrou-se no Campus de Justiça, Lisboa, para protestar contra a revisão do estatuto da sua ordem profissional, numa manifestação que contou com a presença da bastonária, Fernanda de Almeida Pinheiro.

Para Fernanda de Almeida Pinheiro a profissão de advogado “não pode ser exercida por quem não tem a competência técnica adequada para o fazer, nem o conhecimento deontológico para a exercer”. A revisão do estatuto da OA é classificada pela bastonária como “tentativa absolutamente ignóbil do Governo e do Ministério da Justiça de permitir que tal afronta aos direitos dos cidadãos ocorra, comprometendo inclusivamente o acesso igual de todas as pessoas à justiça".

Estágios passam a ter remuneração mínima de 950 euros

O exercício da advocacia em Portugal exige a licenciatura em Direito e a inscrição na Ordem dos Advogados na qualidade de advogado estagiário, após a conclusão do curso. Segue-se a realização de um estágio de 18 meses e a frequência de formação técnica ministrada pela Ordem durante seis meses.

A inscrição implica o pagamento de 1500 euros, divididos em três tranches. O estágio até aqui não era obrigatoriamente remunerado - apesar de ser prática em muitas das sociedades atribuirem remuneração, sendo que com os novos estatutos, os estágios passam a ser obrigatoriamente remunerados - para todas as ordens profissionais - não podendo o valor ser abaixo dos 950 euros. O tempo de estágio também passa a ser no máximo de 12 meses, na "esmagadora maioria" dos casos.

No final  do estágio, os advogados estagiários obtém um relatório por parte do patrono e submetem-se a um exame final perante um júri que dita a admissão à Ordem. Tendo aprovação nesse exame, é necessária uma nova inscrição como advogado que tem um custo de 300 euros.

Ontem na conferência de imprensa organizada pelo Governo, a ministra adjunta, Ana Catarina Mendes sublinhou também as mudanças no que respeita ao pagamento das inscrições nas ordens profissionais. “Ninguém, pela sua condição socioeconómica, pode ficar arredado da inscrição. A alteração prevê que quem não tem condições fique isento de taxas ou tenha taxas reduzidas. Devem ser removidas barreiras que têm que ver com a dupla certificação das qualificações adquiridas e, por isso, elimina-se ou restringem-se as provas de acesso à profissão”, afirmou,

No passado dia 25 de maio, o Conselho de Ministros aprovou os novos estatutos de oito ordens profissionais – Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Fisioterapeutas, Nutricionistas, Psicólogos, Médicos Veterinários e Assistentes Sociais.

Na altura, o executivo remeteu para “as próximas semanas” a aprovação dos novos estatutos das restantes ordens, incluindo dos advogados, médicos e enfermeiros, apontando aproximações às reivindicações das associações profissionais, nomeadamente no que diz respeito aos atos próprios.