Ainda as audições estão no início, com apenas quatro volvidas das cerca de 60 aprovadas, e as revelações feitas pelo inspetor-geral de Finanças, António Ferreira dos Santos, pelo administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, pela presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, e pela ex-administradora Alexandra Reis já criaram pressão no Governo de maioria absoluta socialista.

Na mira estão os ministros das Finanças, Fernando Medina, dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, e das Infraestruturas, João Galamba, depois da presidente executiva da TAP ter confirmado uma denúncia da Iniciativa Liberal sobre uma reunião com o grupo parlamentar do PS, na véspera da audição parlamentar, em janeiro.

Segundo o Expresso, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, está preocupado com as revelações sobre a TAP e vai chamar os partidos a Belém.

O que disse a Inspeção-Geral de Finanças?

Em 29 de março, data do arranque das audições da comissão parlamentar de inquérito, o inspetor-geral de Finanças disse que a auditoria feita pela entidade concluiu que o administrador financeiro da TAP não teve conhecimento do acordo de saída de Alexandra Reis, e que, além do ex-ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, e o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, mais nenhum membro do Governo esteve envolvido.

António Ferreira dos Santos disse também que Christine Ourmières-Widener tentou inicialmente retirar competências à ex-administradora Alexandra Reis, tendo posteriormente considerado que não estavam reunidas condições para a manter na equipa, por "desajustamento de opiniões".

Para a IGF, as responsabilidades no caso da indemnização a Alexandra Reis recaem sobre o presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, e a presidente executiva, por terem assinado o único documento oficial.

Como foi a audição de Gonçalo Pires?

O administrador financeiro da TAP descartou ter conhecimento do acordo para a saída da ex-administradora Alexandra Reis da companhia aérea.

“Não tomei a decisão nem ajudei a tomá-la”, afirmou à comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP.

Gonçalo Pires explicou que teve conhecimento da saída, mas só “informalmente”, através de uma comunicação da presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, numa mensagem de Whatsapp poucos dias antes da confirmação oficial.

No entanto, segundo avançou a TVI/CNN, a versão do administrador financeiro contrasta com a de Christine Ourmières-Widener, segundo a qual Gonçalo Pires foi informado desde o início do processo da saída de Alexandra Reis.

Revelações de Christine Oumières-Widener aquecem a discussão

A presidente executiva da TAP disse ser “um mero bode expiatório” no caso da indemnização a Alexandra Reis e acusou o Governo de fazer um despedimento “ilegal e pela televisão”, sem respeito por uma executiva sénior.

Disse ainda que recebeu uma mensagem do ex-secretário de Estado Hugo Mendes, em 02 de fevereiro de 2022, a informar que Pedro Nuno Santos autorizava a indemnização a Alexandra Reis e a pedir que fechasse o acordo.

A gestora disse não poder confirmar se o administrador financeiro tinha conhecimento do valor da indemnização, adiantando apenas que teve mais do que uma conversa sobre a saída de Alexandra Reis com aquele responsável.

A revelação que mais tinta tem feito correr foi trazida a público pela Iniciativa Liberal (IL), quando questionou a presidente executiva sobre uma reunião com o grupo parlamentar do PS, na véspera da audição parlamentar de janeiro, que a gestora confirmou.

Segundo Ourmières-Widener, a iniciativa partiu do Ministério das Infraestruturas, liderado por João Galamba, e contou com a presença de membros de gabinetes do Governo, tendo ainda identificado o deputado e coordenador do PS na comissão de inquérito Carlos Pereira como um dos presentes na reunião.

A presidente executiva disse também que não esperava uma pressão política tão elevada quando assumiu o comando da companhia aérea.

Quanto ao ministro das Finanças, Ourmières-Widener revelou ter tido uma curta reunião com Fernando Medina na véspera do anúncio público da exoneração com justa causa dos presidentes da TAP.

Naquela reunião, de acordo com a gestora, Fernando Medina sugeriu que se demitisse e não lhe disse que ia ser exonerada por justa causa.

Christine Ourmières-Widener revelou ainda que lhe foi pedido que adiasse um voo da TAP, de regresso de Moçambique, por dois dias, porque dava jeito ao Presidente da República, o que não chegou a acontecer, por ter confirmado que não se tratava de um pedido proveniente da Presidência.

Alexandra Reis respondeu com as suas próprias farpas

Alexandra Reis disse que já insistiu pelo menos três vezes com a TAP para saber qual o montante líquido a devolver da indemnização de meio milhão de euros, estando ainda a aguardar informação para proceder ao reembolso.

Disse também não ter dúvidas que foi a vontade da presidente executiva da TAP que levou à sua saída, embora tenha dúvidas quanto às razões, e que o então secretário de Estado Miguel Cruz ficou “muito surpreendido”.

Alexandra Reis afirmou que não falou sobre a saída da empresa, nem sobre a indemnização de meio milhão de euros, com o ministro das Finanças, Fernando Medina, quando foi convidada para o Governo.

A ex-administradora garantiu também que teria renunciado aos cargos na TAP, sem pedir indemnização, se do Governo lhe tivessem dito que preferia que renunciasse.

Segundo a ex-secretária de Estado do Tesouro, a presidente executiva da TAP quis demitir o motorista que falou sobre o uso do carro da empresa ao serviço de Ourmières-Widener para transportar familiares seus, justificando com a falta de vacinação contra a covid-19.

Alexandra Reis afirmou que não está a ponderar pedir a readmissão na TAP, apesar de os advogados acharem que seria possível.

Pedidos de demissão e esclarecimento entre as reações políticas

O presidente da IL, Rui Rocha, pediu a demissão do ministro João Galamba e desafiou o líder parlamentar do PS e o primeiro-ministro a pronunciarem-se sobre a reunião entre deputados socialistas, assessores governamentais e a presidente executiva da TAP em janeiro.

Os liberais pediram ainda a lista de todos os deputados do PS presentes na reunião.

Já o deputado socialista Carlos Pereira considerou natural a “partilha de informação” entre deputados, Governo e entidades e acusou alguns partidos de “criar casos e casinhos”.

O presidente do Chega, André Ventura, considerou que o primeiro-ministro, António Costa, e o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, devem dar explicações sobre a reunião.

Por sua vez, o presidente do PSD exigiu ao primeiro-ministro que preste esclarecimentos urgentes sobre os desenvolvimentos na comissão de inquérito à TAP, e considerou que os ministros das Finanças, Infraestruturas e Assuntos Parlamentares estão "moribundos e diminuídos politicamente".

Luís Montenegro acusou ainda o Governo de deixar o Presidente da República numa situação incómoda ao envolver o seu nome nas polémicas da TAP, usando-o como “um peão ao serviço da sua agenda”.

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua defendeu que o primeiro-ministro deve assumir “as suas responsabilidades” em relação à TAP, considerando que a comissão de inquérito evidencia que o “Governo do PS não esteve à altura da gestão” da empresa.

Já o deputado comunista Bruno Dias exigiu o fim da promiscuidade, da ausência de transparência e secretismo na gestão da TAP, responsabilizou os governos do PS e PSD e pediu uma saudação aos trabalhadores face às “tropelias” feitas na empresa.

O PSD pediu parecer à comissão de transparência sobre a presença de Carlos Pereira na referida reunião com Christine Ourmières-Widener e o Chega também pediu um parecer à mesma entidade, sobre a permanência do deputado socialista na comissão parlamentar de inquérito à TAP, alegando eventual conflito de interesses.

O Ministério das Infraestruturas disse que foi informado, em 16 de janeiro, que a TAP tinha interesse em participar na reunião do dia seguinte com o grupo parlamentar do PS e que João Galamba “não se opôs”, por ser prática comum para partilha de informação, sublinhando que o ministro não participou na reunião.