De acordo com a regulamentação estabelecida na portaria publicada no final de março, a distribuição eletrónica passa a exigir a presença diária de diversos agentes da justiça para assistir à sua realização, como o presidente do tribunal, que designa “um juiz para presidir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido”, um magistrado do MP, um oficial de justiça (e um substituto, designados pelo administrador judiciário ou secretário do tribunal) e um advogado.

Além desta circunstância, têm de ser elaboradas atas às quais são anexados os resultados da distribuição, bem como a obrigatoriedade de divulgar as decisões, deliberações, provimentos e orientações que, “nos termos da lei, podem condicionar as operações de distribuição, permitindo um escrutínio efetivo”. Por isso, o próprio Ministério da Justiça já veio reconhecer que as alterações podem significar uma maior carga burocrática sobre o sistema.

“Antecipamos que, pela burocracia que passa ali a estar subjacente – embora tenhamos o objetivo de digitalizar também essa parte mais burocrática -, é necessário pensar um acompanhamento para fazermos uma avaliação daquilo que está hoje previsto na lei”, explicou a ministra Catarina Sarmento e Castro, quando foi publicada a portaria em Diário da República.

O Ministério da Justiça referiu esta quarta-feira que, “sem prejuízo da entrada em vigor, e reconhecendo o impacto potencial da implementação destas leis sobre o funcionamento quotidiano dos tribunais, determinou-se que seja efetuada uma avaliação, por uma entidade independente, da aplicação prática do regime legalmente estabelecido, decorridos seis meses da sua total operacionalização, para identificar eventuais constrangimentos e oportunidades”.

Mais de um ano após a aprovação no parlamento das leis sobre esta matéria, a portaria do Governo foi recebida com duras críticas pela Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) e pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), tendo ambos apelado ao adiamento ou a suspensão da entrada em vigor das novas regras.

O organismo liderado pelo juiz Manuel Soares alertou de imediato para “novas dificuldades e fatores acrescidos de entorpecimento da tramitação processual no futuro próximo”, enquanto o procurador Adão Carvalho realçou a “enorme falta de magistrados” do MP, o que “vai obrigar muitas vezes a terem de interromper julgamentos, interrogatórios, diligências, para que possam estar presentes no ato” da distribuição.

E nem o Conselho Superior da Magistratura deixou de criticar as novas regras, sublinhando numa nota divulgada no final de março que “pugnou sempre por solução diametralmente diversa da que veio a ser adotada” pelo Governo e que “alertou o poder político para os efeitos da própria lei (…) no trabalho dos tribunais, por acarretar mais burocracia”. O órgão de gestão e disciplina dos juízes assumiu ainda o seu desconhecimento sob “a forma de construção e atualização do algoritmo de distribuição”.

Juízes apontam desperdício de trabalho e dinheiro com nova distribuição dos processos

O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) avisa que as novas regras de distribuição eletrónica dos processos nos tribunais, que entram hoje em vigor, vão traduzir-se num desperdício de trabalho e dinheiro.

“Vamos ter desperdício anual de muitas centenas de horas de trabalho e muito dinheiro gasto em deslocações, julgamentos e diligências adiados ou interrompidos, e mais pontos críticos que os advogados especializados em nulidades e incidentes vão usar para atrasar aqueles processos que todos sabemos quais são”, afirma Manuel Soares, que tinha defendido anteriormente o adiamento da entrada em vigor das novas regras.

Questionado pela Lusa sobre a portaria que altera as regras relativas à distribuição eletrónica dos processos nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais, o líder da ASJP assume não saber se os tribunais estão preparados para a mudança, uma vez que “o Ministério da Justiça não respondeu” às questões do sindicato dos juízes.

Segundo a portaria publicada em Diário da República em 27 de março, que veio regulamentar mais de um ano depois as leis do novo modelo de distribuição processual aprovadas pelo parlamento em 2021, “passa a ser necessário reunir diariamente, em todos os locais onde ocorre distribuição, um conjunto de operadores da justiça para assistir ao ato da distribuição, que até aqui dispensava, na maioria dos casos, qualquer intervenção humana, e elaborar uma ata à qual é anexado o resultado da distribuição”.

Na nova regulamentação, a distribuição tem como intervenientes o presidente do tribunal, que designa “um juiz para presidir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido”, um magistrado do Ministério Público (MP), um oficial de justiça (e um substituto, designados pelo administrador judiciário ou secretário do tribunal) e um advogado.

“Este é um daqueles casos em que uma boa ideia se pode transformar numa má ação por falta de planeamento atempado e consulta a quem está no terreno e conhece melhor os problemas”, adverte Manuel Soares, que reforça que o “modelo devia ter sido mais desburocratizado” e os efeitos devidamente acautelados antes da respetiva aplicação.

“Não tem sentido aplicá-lo nos turnos de férias judiciais, não tem sentido aplicá-lo nos tribunais onde só há um juiz, não tem sentido fazer várias distribuições por dia, não tem sentido que os juízes e procuradores tenham de gastar tempo em deslocações para atos burocráticos que podiam ser praticados por videoconferência, nem tem sentido colocar juízes a certificar a autenticidade de um ato automático feito por um computador com base num algoritmo que desconhecem”, acrescenta.

O presidente da ASJP não equaciona contestar na justiça a aplicação das novas regras, ao assinalar a vontade dos magistrados de “estar do lado da solução e não criar mais problemas”. Todavia deixa um aviso ao Ministério da Justiça: “Quando nos quiserem ouvir, estamos aqui para ajudar. Se não nos ouvem, então depois não nos venham pedir contas”.

Por sua vez, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que tinha igualmente apelado à suspensão das novas regras e à realização urgente de reuniões para corrigir uma solução legislativa considerada “absurda” - esclareceu apenas que pediu uma audiência à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e que ainda aguarda por esse encontro.