Nasceu em 1978, é do Gana, ainda que nascida em Israel, e estudou no Canadá. Hoje é “um pouco de toda a parte”, mas divide a vida profissional entre o Gana e o Canadá. Em África, a partir do seu país natal, tem um programa de televisão que é a razão pela qual se tornou empreendedora. Porque quis criar um plataforma que contasse histórias de mulheres e, quando teve a ideia, não tinha uma fila de empresas atrás de si interessadas em torná-la realidade. Foi assim que fez a sua primeira empresa, com o objetivo de produzir o seu programa de televisão e de encontrar quem fosse parceiro. Aconteceu tudo há quase 10 anos, em 2014.

Hoje Anita Erskine é CEO da Anita Erskine Media e é considerada uma das 100 CEO mais influentes de África e uma das 500 vozes mais ouvidas do continente. Como pensa usar isso no trabalho que decidiu abraçar de promoção da igualdade de género, da diversidade e da educação para crianças, nomeadamente as raparigas, é o que nos contou dois dias antes de ser oradora no Digital With Purpose que tem lugar em Lisboa.

Apesar de tudo, será esta a melhor altura na história da humanidade para ser uma mulher e para ser uma mulher de cor?. A conversa com Anita Erskine começou por aqui e a resposta foi inequívoca: sim, mas com uma condição. E a condição é “ambição”. “Dá a força, a ousadia, a clareza, o poder para ir atrás do que se quer”. Claro que esta condição tem inerente uma outra, a de onde se vem. “Porque muitas mulheres continuam a vir de comunidades marginalizadas e é por essas que quem tem ambição deve também lutar”.

Há 100 anos, as mulheres brancas lutavam pelo direito de voto, e agora o quê? Quanto tempo até que 50% da humanidade, qualquer mulher, de qualquer origem, em qualquer lugar no mundo, tenha direitos iguais aos da metade masculina?

Anita recorda é que antes da pandemia de Covid-19 o tempo corria lento. “Não estávamos a fazer grandes progressos e a Covid-19 desacelerou ainda mais. Agora, nomeadamente com o que passa com as alterações climáticas, não há melhor altura para premir o botão de fast forward. Temos de prioritizar políticas, porque as coisas estão mesmo a aquecer – e não é um trocadilho”.

Anita Erskine
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia
"Há 10 anos eu diria que vocês vivem na parte mais segura do mundo. Já não é mais assim"

Como é que uma mulher do Gana explica aos leitores portugueses, habituados a viver na parte mais segura do mundo, que esta urgência é global?

“Isso é muito interessante, porque há 10 anos eu diria que vocês vivem na parte mais segura do mundo. Já não é mais assim. É a nossa realidade de hoje e é por isso que temos de levar a conversa para um nível global. Acabaram-se as conversas em silos. Não pudemos fechar a covid num silo”.

Talvez a curiosidade deva ser outra. Como é que África está a olhar para o seu novo papel neste mundo global, num tempo em que se procura desenvencilhar de tantas amarras do passado?

"Os africanos estão a perceber que este não é o mundo para ficar de braços cruzados e esperar que venha alguém da Europa com a solução a dizer abracadabra"

“Precisamos de ter mais crianças e jovens na escola. Precisamos de digitalizar mais, precisamos de dar mais acesso à educação, precisamos de melhorar os nossos sistemas de saúde - e é uma ótima altura para o fazermos. Se olharmos para os nossos empreendedores vemos isso também. Os africanos estão a perceber que este não é o mundo para ficar de braços cruzados e esperar que venha alguém da Europa com a solução a dizer abracadabra. Os africanos têm de aprender a resolver os problemas dos africanos”.

Esta é uma das partes da equação de futuro para o continente, aquela em que olha por si. Mas, num mundo – de novo – global, todos condicionam todos. África, o mais jovem continente a emancipar-se (e o mais jovem efetivamente), está longe de ser exceção.

“A Europa está a ter conversas com África. Os Estados Unidos estão a ter conversas com África. E os africanos, sobretudo a nova geração, estão a perceber que se precisam de nós, talvez devamos olhar para o que temos e como o podemos usar para melhorar o nosso continente”.

A África que está a aprender a cuidar de si e a depender menos da Europa é também a África que depende hoje mais da China. A própria Anita Erskine é embaixadora do projeto Africa’s Business Heroes promovido pela Fundação Jack Ma.

“Isso começou há mais tempo. Temos de nos lembrar que o que quer que seja que esteja a acontecer em África não resulta de algo que começou esta manhã, mas sim há uma ou duas décadas, ou há um século. Demorou tempo a ter impacto e vai continuar a demorar tempo para mudar. No caso da Fundação Jack Ma e da Africa Business Heroes é a demonstração de como o empreendedorismo é em África uma das coisas mais importantes, cruciais. E ter paixão pelos empreendedores africanos não é a mesma coisa que a China ter paixão por África, são duas conversas separadas. Não vejo a atuação da Fundação Jack Ma ou da Africa Business Heroes como parte da relação entre a China e África, mas sim como uma iniciativa focada no desenvolvimento sustentável”.

Mulheres de cor. Anita tem na sua biografia: mulher e mulher de cor. Ainda precisamos disso?

“Sim, precisamos. Temos todas as cores. Mas precisamos porque vivemos num mundo … estou a tentar encontrar a palavra. O mundo em que vivemos continua a sonegar as minorias. Continua a nãos lhes dar as oportunidades que têm direito a ter e é importante sublinhar esse ponto”.

Vivemos no mundo em que eu, Rute, caucasiana-beje que entrevisto Anita, não me apresento ao mundo pela cor da minha pele. O mesmo mundo em que Anita, africana-castanha, acredita que precisa de o sublinhar, precisamente para virar a mesa e transformar o que muitos usaram como definição negativa em algo que expressa valor.

“Vivemos num mundo em que tu e eu entramos num determinado espaço e tu provavelmente terás oportunidades que eu não terei. Porque há racismo e muita desigualdade. Há um enviesamento na forma como nos veem, o racismo é sistemático. As pessoas não olham em primeiro lugar para mim na perspetiva do que posso fazer, a realidade que veem é que sou uma pessoa de cor. Eu e tu temos uma cor de pele diferente. Esperamos que um dia sejamos vistas de igual forma, na perspetiva do que fazemos ou podemos fazer”.

Anita Erskine
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia
“Em alguns lugares nos Estados Unidos e mesmo na Europa, as palavras que são usadas para descrever alguém como eu são impublicáveis"

Anita Erskine vai mais longe na sua experiência com as palavras e a forma como são usadas. “Em alguns lugares nos Estados Unidos, e mesmo na Europa, as palavras que são usadas para descrever alguém como eu são impublicáveis. Por isso, para retirar as palavras negativas, eu substituo-as por algo que me dá dignidade. Deixem que vos explique como se referirem a mim com dignidade porque podem estar a chamar-me de uma forma que é negativa, pelo menos na forma como a usam”.

Mulheres de cor é assim uma espécie de assinatura do racismo usada para o derrotar. “A expressão é a assinatura do valor próprio”. “Precisamos falar de pessoas que são definidas por uma certa característica que as tem estigmatizado há décadas. Temos de ensinar a aceitarmo-nos uns aos outros e a entender que temos as nossas diferenças, mas que mentalmente, emocionalmente, psicologicamente somos iguais”.

A Anita que é de “todo o lado” não se apresenta em “todo o lado” com assinatura “Woman of colour”. Não faria sentido. “Quando estou na Europa ou nos Estados Unidos, sou uma minoria. Sou uma mulher de cor. Quando estou no Gana sou uma mulher negra num local onde quase todas as pessoas são negras. E em África temos minorias, temos caucasianos que são africanos e que se identificam assim. Tenho amigos do Zimbabué que os pais são causasianos ou amigos que são a terceira geração de indianos”.

Na linha do tempo que nos habituámos a pensar como sendo de progresso, Anita diz-se esperançosa – até pelas razões egoístas que nos assistem como seres humanos. “Devíamos ter como objetivo que em 20 anos não tivéssemos que nos definir pela cor da pele. É só natural. O mesmo em relação à igualdade de género, o mesmo em relação a sermos sustentáveis porque queremos todos estar vivos. Queremos poder remover os rótulos”.

O que a faz terminar assim resposta à pergunta sobre o “rótulo” que é “mulheres de cor”. “Sim, estás certa. Não quero ter de estar sempre a dizer que sou uma mulher de cor. Por agora, é ok, mas daqui a 20 anos será fantástico dizer simplesmente que sou uma mulher”.

Chegamos agora a outra faceta da mulher que é também empreendedora além de atriz, apresentadora de talk show, locutora e ativista.

“Tornei-me uma empreeendedora por necessidade, por causa do que queria fazer. Para mim, o empreendedorismo foi uma oportunidade para criar, nos meus próprios termos, uma solução que me permitisse ajudar a resolver problemas”.

Os problemas que Anita Erskine quis e quer resolver são sobre o papel da mulher na sociedade, a igualdade e a visibilidade. Uma necessidade que percebeu quando estava grávida de oito meses do primeiro filho e foi em trabalho a uma conferência de imprensa.

“Estavam só homens atrás das câmaras e um deles disse-me ‘oh meu Deus, é o fim da tua carreira”. Não sussurrou, disse bem alto para todos ouvirem. Lembro-me de ter pensado que nunca tinha perguntado a uma mulher grávida ou a uma mãe como é que conseguiam gerir as suas vidas, equilibrar família e trabalho. Porque sempre assumi que simplesmente mantemos as coisas a funcionar”.

Alguma pesquisa depois, conta que percebeu que ”andava a viver numa bolha” e começa aí a ideia de fazer um programa de televisão que desse visibilidade às mulheres e às suas histórias. “Tornei-me empreendedora porque tive de fazer a minha empresa de produção de televisão de forma a poder fazer o meu programa. Foi mais pessoal do que comercial. Tive de pensar como é que eu crio um projeto que não vai ser vendido imediatamente”.

Mais difícil do que se iniciar como empresária foi convencer as mulheres, nomeadamente as que tinham histórias de sucesso, a partilhar as suas histórias e a falar delas próprias. “Muitas mulheres pensavam nisso como estando a colocar-se em bicos dos pés, a quererem evidenciar-se”. É o momento na entrevista que ia bem uma banda sonora bem pop ocidental com o refrão de Taylor Swift “if I were the man, I'll be the man”.

Mas o programa aconteceu e está no ar há quase 10 anos – foi lançado em 2014 – e já foi visto por mais de 15 milhões de pessoas, não apenas em África, mas também nos Estados Unidos, Reino Unido e alguns outros países da Europa. Chama-se “Sheroes” e está disponível, em formato aberto, a plataforma da Anita Erskine Media.

A empreendedora e apresentadora é mãe de um rapaz e de uma rapariga. “Na minha casa, a igualdade reina. Temos turnos e todos fazem de tudo, cozinhar, limpar, arrumar”. “As mulheres não são quartos para ter bebés, não são cozinheiras, não são o tapete onde se limpa e seca os pés quando se chega a casa”.

“Quando falamos de empreendedorismo temos ideias feitas, como de quem se refere a pessoas que estão dispostas a acordar a qualquer hora, que não têm patrão e que estão aptos a fazer o que querem"

Educação de raparigas, igualdade de género, diversidade cultural e empreendedorismo. São os quatro pilares daquilo que faz. Como é que o empreendedorismo entra nesta equação?

“Quando falamos de empreendedorismo temos ideias feitas, como de quem se refere a pessoas que estão dispostas a acordar a qualquer hora, que não têm patrão e que estão aptos a fazer o que querem porque não têm um horário das 9 às 5. Mas não é isso. Para mim, pessoalmente, é a base da mudança, é como temos o poder de fazer a mudança”.

No seu caso, fazer a mudança significa ser ouvida. “Olho para mim como uma pessoa numa jornada global, porque acredito que me foi dado algo que é a capacidade de usar a minha voz para a mudança”. É aqui que ter o nome nas listas das pessoas mais influentes faz diferença. “Ter essas distinções significa que alguém está a prestar atenção - e quando isso acontece temos de levar o teu trabalho para outro patamar. Estão a prestar atenção porque os fazemos sentir bem, motivados e inspirados, o que me dá a oportunidade de dizer: porque não se juntam e vemos o que podemos fazer juntos?”.

Uma espécie de Oprah? [num mundo que fosse menos enviesado, uma espécie de qualquer Oprah]. Anita não demora na resposta: “A Oprah devia sentir-se um pouco como se fosse eu” [risos].

“Desde muito nova que fui ensinada a fazer as coisas sozinha, por mim própria, sem ter medo de ser menos popular ou de mostrar que tenho o poder de fazer coisas extraordinárias. Acho que algures no percurso da Oprah ela percebeu que o podia fazer e é por isso que é a Oprah”.

“Se há comparação a fazer é a mesma capacidade de conversar com quem quer que seja e ter conversas com significado e não apenas para pessoas negras, mas para todos”.

Anita Erskine
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Nesta altura da conversa, tudo o que já falámos está em cima da mesa. Porque é que Anita se apresenta como “mulher de cor”. Porque é que a cor da pele continua a ser algo que, mesmo quando é benigno, define alguém. Porque é que é uma mulher de “todo o lado” e também isso a obriga a gerir a sua individualidade de forma que é por vezes “pesada”.

De repente, temos o livro Americanah, de N’Gozie Chimammanda no meio de nós, mais a sua história de uma nigeriana que na América não é suficientemente americana e uma americana que na Nigéria é vista como menos nigeriana. “É pesado”, confirma Anita, “nesses momentos sentes-te perdida, como num transe. A sociedade decide por ti quem deves ser, em que caixa deves caber, quando só queremos ter direito à nossa individualidade”.

Anita Erskine é oradora no evento Digital with Purpose, que decorre entre 27 e 29 de setembro, em Lisboa. Vem falar sobre "Partnerships for Digital Develoipment - Leving no country behind" num evento que acontece quando a conversa global é sobre como a internet está “estragada” e precisa de ser “arranjada”. No Gana, Anita trabalha em projetos que ajudam raparigas a aprender a programar e a estar de forma segura na internet, sobretudo a aprender sem barreiras. Essas são as vantagens.

Depois há o resto.

“O lado negativo é sobretudo no que respeita às nossas crianças e ao cuidado que temos de ter na forma como as educamos para darem bom uso à Internet. Mas também em falar e agir em relação às empresas que dão acesso às plataformas online e motores de busca”.

“Usar o digital com um propósito para mim é levar informação a comunidades marginalizadas que não teriam acesso de outra forma. Usar a internet como grande equalizador que é. Nestes dois anos pós-covid fiz mais entrevistas do que antes porque não estou dependente de ter de ir geograficamente de um lugar para outro, posso fazê-lo online”.

Esta é a segunda vez de Anita Erskine em Portugal, um país que equipara na forma de receber ao seu, por ser caloroso e aberto. Como quase sempre acontece acabamos a falar do que se come, cá e lá, e da empreendedora do Gana fica a recomendação para o jollof do seu país, “o melhor” [ prato de arroz cozido em molho condimentado geralmente com tomate, pimentão, cebola e uma variedade de especiarias; pode ser preparado com carne, frango, peixe ou vegetais, e é frequentemente servido em ocasiões festivas e refeições comunitárias].

Afinal, a mesa é um ponto de encontro nas culturas de todo o mundo e “a capacidade de entendimento do outro, de porque é que as pessoas pensam como pensam”, é para Anita a sua principal herança. “Chamemos-lhe universo, Deus ou os meus pais. Tenho empatia. Paciência e capacidade para explicar porque é que devemos dar uma oportunidade a alguém que não se parece connosco”.