Partido a partido, numa palavra, quem é favorável ao financiamento público do jornalismo? Foi assim que Judith Menezes e Sousa, jornalista da TSF, arrancou o debate sobre o papel do Estado na comunicação social, numa sessão do Congresso de Jornalistas que teve lugar este fim de semana.

  • Eurico Brilhante Dias (PS): Numa palavra? Sim;
  • Joaquim Miranda Sarmento(PSD): Não exclui, mas não considera que seja a resposta para os problemas da comunicação social;
  • Rodrigo Saraiva (IL): Não. Com excepção da Lusa.
  • Paula Santos (PCP): Sim, a uma Lusa totalmente pública e maior investimento nos órgãos de comunicação social públicos. Não, ao apoio a grupos económicos privados na área da comunicação social.
  • Pedro Filipe Soares (BE): Sim.
  • Pedro Pinto (Chega) não marcou presença no congresso como inicialmente previsto.

Mas apoios diretos ou indiretos? Agir do lado da oferta (apoiando as empresas) ou do lado do consumo (subsidiando o acesso do cidadão à informação? A discussão está longe de se resumir a uma palavra e, com eleições à porta e programas eleitorais na calha, faltam propostas concretas, mas há posições e compromissos.

Esta foi, de longe, uma das questões mais debatidas ao longo do 5.º Congresso de Jornalistas, muito marcado pela situação na Global Media (trabalhadores continuam com ordenados em atraso e há ameaça de despedimento coletivo até 200 pessoas) e pelo negócio falhado da compra pelo Estado dos 45,7% da agência Lusa pertencentes à Global Media e à Páginas Civilizadas.

“Para quem acredita na democracia, a informação e a qualidade da informação é um bem fundamental. Se é um bem público, acreditamos que o Estado, no quadro das políticas públicas, deve tomar medidas que o preservem", começou por dizer Eurico Brilhante Dias (PS), justificando o resumido "sim" de arranque. Mas isso não significa avançar com apoios diretos a grupos empresariais, que "têm legitimamente as suas iniciativas editoriais", com as responsabilidades que lhe estão associadas. O que não pode subsistir, defende, é uma lógica mecenato constante que subsidia jornais que não são sustentáveis, deixando-os reféns dos interesses de quem tem os recursos financeiros para tal. No que à Lusa diz respeito, lamentou que o negócio da compra por parte do Estado dos 45,7% pertencentes à Global Media tenha caído por terra e assegura que o tema será retomado na próxima legislatura.

Afinal quem teve a ideia de comprar a participação da Global Media na Lusa (e de a chumbar)?

Com a situação na Global Media como tema latente em todo o 5º Congresso dos Jornalistas, PS e PSD protagonizaram um confronto sobre a quem coube responsabilidades no processo de decisão da compra da parte acionista do grupo na Lusa.

Joaquim Miranda Sarmento afirmou que "o Partido Socialista quis fazer a operação sem dizer que ia fazer".

"Há uma série de aspetos que têm de ser esclarecidos e trabalhados e o que aconteceu neste processo foi uma total opacidade de querer comprar à pressa uma participação sem que uma série de aspetos estivessem claros", disse o deputado do PSD, durante um debate com vários partidos.

Eurico Brilhante Dias rebateu esta afirmação, garantindo que o PSD tinha concordado com a operação e "recuou mais tarde".

Miranda Sarmento questionou, então, sobre "qual é a prova factual dessa afirmação".

O líder parlamentar socialista respondeu ainda que um vice-presidente do PSD dado como interlocutor do ministro da Cultura deu uma resposta e recuou. "Queremos retomar este tema na próxima legislatura. É pena que não tenha sido nesta".

Paula Santos, do PCP, repartiu responsabilidades entre os dois principais partidos: “se houve todas as condições para ter a lusa com controlo estatal e não aconteceu foi porque PS e PSD não tiveram essa vontade política”.

O Estado detém 50,15% da Lusa, com o grupo Global Media a ser detentor de 23,36% e a Páginas Civilizadas 22,35%. O fundo Union Capital Group (UCAP Group) controla a maioria (51%) do capital da Páginas Civilizadas, a qual detém 41,5% da Global Media.

Joaquim Miranda Sarmento (PSD) é "menos favorável" a uma intervenção direta do Estado em órgãos de comunicação social privados "que têm a responsabilidade de ser economicamente sustentáveis", mas vê na compra de assinaturas, agindo do do lado da procura, um caminho que garante a liberdade de escolha. Paralelamente, vê mérito numa discussão sobre "o que deve ser o serviço público e como o devemos financiar. Não tenho uma opinião totalmente fechada, mas é importante que Estado e contribuintes o discutam". Já a nível nacional e europeu, acrescenta, é preciso discutir como se vão tributar as grandes plataformas tecnológicas que fazem uso dos conteúdos produzidos por jornalistas sem pagarem por isso. Já sobre a Lusa, o deputado não foi claro sobre a posição do PSD, criticando todavia o PS por ter tentado "fazer a operação sem dizer que ia fazer" — o que Eurico Brilhante Dias contesta (ler caixa).

Muito alinhado com o PSD, Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal, considera que o financiamento aos órgãos de comunicação social deve ser do lado da procura e não da oferta e também vê com bons olhos uma discussão sobre "o conceito de serviço público". "Vamos continuar a defender a privatização da RTP e vamos apresentar propostas [de apoio aos media] do ponto de vista fiscal". Pelo contrário, "não nos parece que haja forma de a agência de notícias [Lusa] ser privada, tem de ser detida pelo Estado". O que não significa que esta deva passar a ser de acesso gratuito para todos os órgãos de comunicação social, o que na sua ótica "teria efeitos altamente perversos", nomeadamente no que diz respeito à manutenção de postos de trabalho nas redações. Quanto ao papel do Estado, vê-o sobretudo como uma agente de regulação — "e nestes casos recentes [Global Media] houve uma falha na regulação".  Depois, "nem tudo se resolve a nível nacional, como a questão das plataformas", assumindo o compromisso da Iniciativa Liberal de se bater por esta matéria. Garante ainda que o partido apresentará medidas na área da literacia digital.

Para Paula Santos (PCP), o Estado não deve assegurar o financiamento de grupos económicos na área da comunicação social, porque estes "não podem ser desonerados dos seus compromissos, incluindo com os trabalhadores". Para a deputada, "esta situação que se está a passar na Global Media é reflexo da excessiva concentração de propriedade nos órgãos de comunicação social". No que diz respeito ao serviço público defende "um reforço de investimento" e quanto à agência Lusa o ideal seria "o controlo pleno da agência" por parte do Estado, face ao papel estratégico que esta desempenha tanto ao nível da coesão nacional, como ao nível da ligação com os restantes países de Língua Portuguesa. E se tal não aconteceu "foi porque PS e PSD não tiveram essa vontade política".

Pedro Filipe Soares (BE) acompanha a ideia de que a agência Lusa deve ser integralmente detida pelo Estado e vê com bons olhos o acesso gratuito dos restantes órgãos de comunicação social ao que esta produzir. Não considera que a proposta possa ter como consequência uma redução de postos de trabalho nas redações, "porque a simples replicação de notícias não é o futuro da comunicação social". Ainda sobre os órgãos e comunicação social privados nota que a discussão do financiamento deve ser feita no contexto em que se reconhece a mudança estrutural das fontes de financiamento, fruto da revolução digital em curso. Aponta para o "abuso da propriedade intelectual por parte das plataformas" e defende que "o Estado deve intervir nisso". Discorda, todavia, que se tenha de esperar pela Europa para agir. "Estas empresas podem ser taxadas e Portugal individualmente pode e deve ter posição nesta matéria". Seguir-se-á uma discussão sobre os moldes de como esse valor pode ser redistribuído pelos produtores de informação — e a proposta do Bloco de Esquerda é de que se crie um fundo que use este valor para pagar subscrições anuais para jovens do ensino secundário e universitário. Vê neste apoio à comunicação social intermediado pelo leitor a mais valia de se conseguirem criar novos públicos e agir na literacia, além de salvaguardar a concorrência entre órgãos de comunicação social que teriam de ser mais exigentes para disputar este espaço.

Com eleições marcadas para 10 de março e os partidos em pré-campanha eleitoral, resta agora saber que propostas concretas irão ser revertidas nos programas eleitorais de cada um dos partidos.

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