Segundo o balanço das equipas de salvamento em águas espanholas, duas pessoas, uma delas uma criança, morreram e 24 passageiros foram resgatados com vida após o naufrágio ocorrido a cerca de 160 quilómetros da costa da ilha Gran Canária, no oceano Atlântico.

Mas, de acordo com a organização não-governamental (ONG) espanhola Caminando Fronteras — que migrantes ou as respetivas famílias contactam para relatar casos de barcos em perigo -, havia 37 pessoas a bordo da embarcação que estão desaparecidas.

Nem as equipas de socorro de Espanha, nem as de Marrocos — que tomaram a seu cargo, segundo as autoridades espanholas, os 24 migrantes sobreviventes — confirmaram a presença desses outros passageiros.

Tal não impediu que as críticas se multiplicassem hoje, com organizações a denunciar falhas e falta de urgência das autoridades dos dois países para ir socorrer os migrantes.

De acordo com Helena Maleno, da Caminando Fronteras, passaram 17 horas entre o momento em que a embarcação em dificuldades foi avistada por um avião de salvamento espanhol e a chegada ao local da Marinha marroquina.

O avião espanhol localizou o barco, um simples bote insuflável, “pelas 20:00” de terça-feira, mas “decidiu que cabia a Marrocos” intervir, declarou Maleno à rádio espanhola Canal Sur.

Todavia, as equipas de busca e salvamento espanholas demoraram “horas para contactar Marrocos” que, por sua vez, levou horas a intervir, apesar da presença de “pessoas em pânico, num barco pneumático, sem comida, esgotadas”, afirmou.

Segundo a estação de rádio Cadena Ser — que divulgou um registo áudio do piloto que avistou a embarcação, a comunicar que havia “cerca de 50 pessoas a bordo” -, um navio dos serviços de socorro espanhóis encontrava-se naquela altura a uma hora de distância do bote.

Num comunicado, os serviços de busca e salvamento no mar espanhóis afastaram, no entanto, qualquer responsabilidade, assegurando que o barco deveria regressar ao porto, porque acabara de “resgatar 63 pessoas” de outra embarcação, algumas das quais necessitavam “de tratamento”.

“Agimos em conformidade com os procedimentos internacionais”, insistiram, garantindo que o bote se encontrava numa zona da responsabilidade conjunta dos dois países e que a Marinha marroquina se tinha comprometido a “assumir a coordenação” das operações de socorro, uma vez que a embarcação se encontrava mais perto da “costa africana” que das Canárias.

Diversas vezes contactadas a propósito deste caso pela agência de notícias francesa AFP, as autoridades marroquinas não emitiram até agora qualquer comentário.

Já a porta-voz do Governo espanhol, Isabel Rodriguez, indicou não ter “informações pormenorizadas” sobre esta tragédia.

O Provedor de Justiça espanhol anunciou hoje que se ocupará do caso, para esclarecer as circunstâncias da assistência à embarcação em perigo.

A partida de barcos com migrantes em direção às Canárias, muitas vezes da costa do território disputado do Saara Ocidental, maioritariamente controlado por Marrocos, intensificou-se nos últimos dias.

“Quantas crianças mais têm de morrer (…) para que a União Europeia se decida a agir?”, interrogou-se a ONG Save the Children, recordando que o naufrágio das Canárias ocorreu uma semana depois do registado ao largo da Grécia, que poderá ter feito centenas de mortos.

Desde o reforço do controlo no Mediterrâneo, a rota migratória para as ilhas Canárias tem estado particularmente movimentada e os naufrágios são ali frequentes, devido às fortes correntes e ao mau estado das embarcações.

Num relatório divulgado no final de 2022, a Caminando Fronteras indicou que mais de 11.200 migrantes morreram ou desapareceram desde 2018 a tentar alcançar Espanha, que é uma das principais portas de entrada da imigração clandestina na Europa — o que corresponde a uma média de seis migrantes por dia.