Caetano Reis e Sousa, imunólogo e líder de grupo no instituto Francis Crick, mostrou-se "horrorizado com a possibilidade de os ingleses votarem para saírem da UE", cenário, que, não tem dúvida em afirmar, "seria um desastre profundo para a ciência neste país".

O investigador lamentou que muitas das discussões durante a campanha se tenham centrado mais na elevada contribuição de dinheiro público britânico para o orçamento europeu, cerca de 18 mil milhões de libras (23 mil milhões de euros), ao qual é, contudo, subtraída cerca de metade por causa dos subsídios para agricultura e desenvolvimento regional e apoio a empresas e por causa do reembolso conquistado por Margaret Thatcher em 1984.

"Mas em ciência é exatamente o contrário, nós recebemos mais do que pagamos. Logo aí, a balança de pagamentos está a nosso favor. Eu acho que a ciência e a investigação neste país só sobrevivem à custa de uma série de financiamentos dados pela UE, sobretudo o European Research Council [Conselho Europeu de Investigação]", afirmou à agência Lusa.

O presidente do Instituto Crick e antigo presidente da Royal Society, Paul Nurse, indicou que o Reino Unido recebeu 8,8 mil milhões de euros de 2007 a 2013 e assinou uma carta com outros 12 cientistas britânicos distinguidos com prémios Nobel, incluindo Peter Higgs, alertando para o "risco" da ‘Brexit’ para a ciência no Reino Unido, juntando-se a um aviso no mesmo sentido do astrofísico Stephen Hawking.

Carlos Caldas, professor e investigador em oncologia do Instituto Cancer Research em Cambridge, também usou o termo "desastre" para descrever a potencial chamada Brexit, revelando que um corte do financiamento europeu afetará diretamente um grande pacote conquistado recentemente.

"Pessoalmente temo pelo que poderá acontecer com o meu European Research Council Advanced Grant que acabei de receber - só é ativada em outubro - e com as múltiplas bolsas Horizonte 2020 a que não poderei continuar a concorrer", disse à Lusa.

Mas a saída poderá ter outras consequências, acrescentou: "cientistas no Reino Unido não poderão pertencer a painéis de revisão de ciência na UE e a circulação de jovens cientistas será mais difícil".

Caetano Reis e Sousa lembrou que a ciência é uma atividade que não tem fronteiras.

"Os grupos que trabalham neste país são multinacionais, com pessoas vindas de todo o lado e a mobilidade dessas pessoas é um dos fatores que tem possibilitado que a ciência neste país tenha progredido", sublinhou.

Rita Louro Guerreiro, professora e investigadora de doenças neurodegenerativas na University College London, afirmou que, por enquanto, o seu trabalho atualmente não depende de financiamento europeu, mas receia um impacto a nível da burocracia e das barreiras à colaboração.

"A ciência em geral, e em particular a investigação em genética humana, é cada vez mais colaborativa. Isto não tem vindo a acontecer por acaso: é impossível chegarmos a conclusões se não tivermos um número suficiente de amostras que nos permita fazer análises consistentes e em muitas doenças a única forma de obtermos um número suficiente de amostras é através de colaborações internacionais", disse à Lusa.

A portuguesa foi galardoada no ano passado com vários prémios relacionados com a sua investigação sobre a doença de Alzheimer, nomeadamente o Prémio Europeu do Jovem Investigador, atribuído pela Associação francesa para a Investigação sobre Alzheimer, e o prémio Fondazione Gino Galletti Neuroscience Prize 2015.

"Acho que é óbvio para toda a gente que o sucesso científico nasce quando os melhores cérebros se juntam e colaboram para alcançar um mesmo objetivo. Criar barreiras a estas colaborações vai impedir e atrasar os processos colaborativos necessários à ciência dos dias de hoje", enfatizou.

Uma sondagem realizada pela revista Times Higher Education revela que quase 90% daqueles que trabalham no ensino superior disseram que vão votar a favor da permanência britânica na UE e 40% admitiram que era muito provável terem de abandonar o país por causa do impacto da ‘Brexit’ no seu trabalho.