Depois de ter criado várias discussões em França, o tema "burquíni" chega agora ao Canadá. O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, defendeu os direitos e liberdades individuais quando questionado sobre a proibição desta peça de vestuário em França.
No Canadá, políticos do Quebec pediram medidas idênticas às adotadas pelas cidades costeiras francesas, na zona conhecida como Belle Province. Trudeau defendeu que o diálogo com as diferentes partes deve manter-se, mas que o Canadá “deve agir num ambiente de tolerância”.
O primeiro-ministro, conhecido pelo seu apoio e implementação de medidas que promovem o multiculturalismo, lamentou o facto de que “tolerar alguém seja aceitar que a outra pessoa tem o direito de existir desde que não nos incomode muito”. Ao mesmo tempo, evocou valores como a aceitação, amizade e compreensão, defendendo tudo para que se trace um caminho que integre estes valores nas “nossas ricas e diversas comunidades, independentemente das nossas diferenças”.
O burquíni é defendido pela sua criadora, Aheda Zanetti, como um símbolo de integração, uma vez que permite às muçulmanas frequentar vários locais públicos sem que desrespeitem as suas crenças e tradições.
O valor social deste fato de banho não foi assim entendido em 2008, na Holanda, quando surgiu o primeiro relato acerca desta polémica. Na cidade de Zwole, na zona norte do país, uma piscina pública proibiu o uso do burquíni nos horários normais, sob o argumento de estes provocarem espanto aos restantes banhistas.
O diretor do estabelecimento responsável pela gestão da piscina, financiada por fundos municipais em 1,5 milhões de euros anuais, propôs horários especiais para as muçulmanas que desejassem utilizar essa peça de vestuário, tal como acontecia com os nudistas. A atitude foi severamente criticada, com a Câmara Municipal a ameaçar retirar o subsidio.
Passados oito anos, parece que o fato de banho criado por Zanetti ainda não é aceite de forma universal e pacífica. França é o exemplo dessa situação, onde o burquíni foi proibido, por decretos municipais, em três localidades: Cannes e Villeneuve-Loubet, na Côte d’Azur e em Sisco, na Córsega. A polémica promete não ficar por aqui. São já vários os municípios do norte de França que anunciaram o desejo de seguir medidas legislativas idênticas às das Câmaras do sul.
França, durante a presidência de Nicolas Sarkozy, já em 2011 tinha proibido o uso de véus islâmicos que cobrissem total ou parcialmente o rosto, e a burka em locais públicos. Este foi o primeiro país da União Europeia a proibir esta veste islâmica, prevendo uma multa que pode ir até 150 euros para quem violar a medida.
E da burca ao burquíni - esta peça de vestuário que cobre todo o corpo, exceto pés, cara e mãos -, a controvérsia não demorou a chegar. Especialmente numa altura em que França ainda está a sarar dos vários atentados que assolaram o país.
Mas o problema adensou-se depois dos violentos confrontos que se deram em Sisco, na ilha de Córsega. Uma rixa que envolveu famílias de origem magrebina e residentes da ilha contra o uso do burquíni, que algumas mulheres usavam nesse dia numa praia das redondezas. O conflito acabou com cinco feridos, e com três dos carros das famílias muçulmanas incendiados.
Pouco demorou até que os altos dirigentes nacionais viessem pronunciar-se sobre o assunto. Manuel Valls, primeiro-ministro francês, saiu em defesa das medidas tomadas pelos municípios, ao dizer que as praias devem ser “preservadas de reivindicações religiosas”. O responsável acrescentou que “o uso do burquíni não é compatível com os valores de França e da República”.
Por outro lado, a medida dos municípios é fortemente contestada por associações de defesa dos direitos humanos e movimentos contra a islamofobia. Jean-Pierre Chevènement, socialista francês recentemente indigitado para presidir à Fundação do Islão em França, pelo presidente François Hollande, deu voz à contestação ao afirmar que a liberdade das pessoas deve ser respeitada, acrescentando que “as pessoas são livres de tomarem banho vestidas ou não”.
Sara Silvestri, professora na Universidade da Cidade de Londres e que se especializou em religião e política, disse, em entrevista à CNN, que estas medidas são como ”munições” para dar força aos discursos de organizações como Al Qaeda ou o autoproclamado Estado Islâmico quando dizem que o Ocidente discrimina os cidadãos muçulmanos. A professora universitária diz ainda que “estas leis fazem com que os muçulmanos se sintam marginalizados e não se sintam bem-vindos a integrar a sociedade”, o que pode levar a situações de risco e de vulnerabilidade no que toca à integração em movimentos radicais e fundamentalistas, acrescenta.
Associações ligadas a movimentos femininistas, por sua vez, condenam a utilização desta peça de vestuário. Não por serem contra as liberdades individuais, mas sim porque esta “é uma versão da burka e tem a mesma lógica, porque se destina a esconder o corpo das mulheres para que possam ser controladas”, afirmou Laurence Rossignol, ministra francesa dos Direitos da Mulher.
Em Cannes já foram multadas três mulheres - em 38 euros, cada uma - por usarem o burquíni. Nesta cidade o decreto afirma que "o acesso às praias (...) está proibido (...) a qualquer pessoa que não tenha uma indumentária correta, respeitosa dos bons hábitos e da laicidade, respeitando as regras de higiene e de segurança dos banhos adaptados ao domínio público marítimo".
Comentários