O plano inicial apontava para 600 camas, mas quando no final de 2021 Carlos Moedas substituiu Fernandos Medina na Câmara Municipal de Lisboa o executivo aplicou o Regulamento Geral das Edificações Urbanas e o número de camas baixou para 425, o que veio rebentar com a operação financeira gizada pela gestora pública do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE).

"A análise da Câmara Municipal de Lisboa identificou questões relacionadas com a dimensão dos quartos, que não cumpriam os mínimos previstos nos regulamentos municipais", disse ao SAPO24 a direção de comunicação da CML.

"O projeto submetido foi analisado de acordo com as leis e regras definidas para as edificações urbanas, que se aplicam a todos os projetos, sejam eles de iniciativa pública ou privada", sublinha a câmara.

Após notificação para audiência prévia no dia 10 de março de 2023, a Câmara Municipal de Lisboa recebeu uma versão alterada do projeto no dia 9 de junho de 2023. "O projeto de arquitetura foi aprovado no dia 19 de agosto último, o prazo estritamente necessário para aferir o cumprimento das questões identificadas anteriormente pelos serviços de Urbanismo".

Agora, a câmara de Lisboa "aguarda a entrega, pela requerente, dos projetos de especialidades. Só depois de aprovados os projetos de especialidades será emitida a licença de obra", adianta a mesma fonte.

O impasse durava há quase dois anos. Tudo porque a lei obriga a Fundiestamo a cumprir determinados rácios de rentabilidade no âmbito do FNRE e dos seus subfundos, como era o caso do ImoResidências, que tem o antigo edifício do Ministério da Educação. Um "equilíbrio difícil", como explicou o presidente da gestora pública, Diogo Faria, na Assembleia da República. Primeiro porque os preços na construção civil aumentaram quase 15%, depois porque os valores a pagar pelas camas para estudantes têm descontos de 20% a 25% em relação ao mercado.

PRR: 375 milhões para 15.000 camas até 2026

Entretanto, o ImoResidências está finalmente em liquidação, dando cumprimento ao despacho emitido em fevereiro de 2022 pelo então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, que determina a passagem do imóvel da Av. 5 de Outubro para a Estamo - Participações Imobliárias, para se poder candidatar ao PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.

Segundo as regras, as instituições tiveram até 28 de fevereiro de 2022 para apresentarem as suas candidaturas. De acordo com o site, aliás, a candidatura ao financiamento do PRR foi aceite em fevereiro de 2022, o que poderá representar um imbróglio jurídico.

O Programa Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) tem dentro do PRR um pacote financeiro de 375 milhões de euros, com o objetivo de criar 15.000 camas a custo controlado até 2026.

Foram recebidas 202 manifestações de interesse e passaram à segunda fase 154 propostas, incluindo Madeira e Açores, num valor global de 476 milhões de euros (de um total disponível de 375 milhões), para 20.723 camas, 14.222 novas e 6.501 para reabilitar, segundo o Relatório Síntese Preliminar de Avaliação e Seleção de 25 de março de 2022.

Anunciado em 2016, o FNRE não disponibilizou um quarto para estudantes ou uma casa até hoje

O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado foi anunciado pelo governo com pompa e circunstância no início de abril de 2016 - um investimento de 1,4 mil milhões de euros na recuperação de 7.500 fogos, 800 mil metros quadrados de habitação e 200 mil metros quadrados de comércio e serviços tradicionais, até 2026.

O fundo foi criado com o objetivo de reabilitar imóveis públicos, do Estado central e das autarquias, para colocar no mercado com rendas acessíveis (pelo menos 60%). O restante seria para comércio, sobretudo tradicional, e “outras tipologias", mas já a valores de mercado, “para garantir a rentabilidade e muito baixo risco”.

António Costa e o ministro do Ambiente, José Matos Fernandes, desdobram-se em apresentações, mas o FNRE só viria a ser autorizado em agosto de 2018, para começar a funcionar em abril de 2019, três anos depois da apresentação. Até hoje, não foi colocada no mercado uma única habitação ou residência universitária através deste instrumento.

Apesar do relatório relativo a 2018 indicar que no final do ano havia 250 imóveis sinalizados, atualmente há apenas três edifícios, constituídos em subfundos, para reabilitação no âmbito do FNRE, para habitação a rendas acessíveis e residências para estudantes.

Os três projetos que restam dizem respeito à Rua da Madalena, em Lisboa (646 m2 avaliados em 1,8 milhões, sete pequenos T2 e um T1), um prédio em Aveiro (36 camas para estudante na Av. dos Combatentes da Grande Guerra), e o antigo quartel da GNR junto ao Hospital D. Estefânia, na Rua Jacinta Marto (mais de 22 mil metros quadrados, 215 fogos para habitação, áreas comerciais e de serviços, estacionamento, avaliado em mais de 15 milhões). Nenhum dos projetos estará concluído antes do final de 2024.