“Estamos perante uma situação em que, do nosso ponto de vista, existem condições legais para que a Câmara possa ajudar a preservar este estabelecimento comercial”, afirmou Manuel Pizarro, em declarações à Lusa, no final de uma reunião com o alfarrabista que, há cerca de um mês, recebeu uma ordem de despejo devido à venda do edifício onde está instalado.

O vereador do PS, que foi candidato à presidência da Câmara do Porto, nas últimas eleições autárquicas, disse que irá escrever “ainda hoje” ao presidente da autarquia, Rui Moreira, “perguntando-lhe sobre o exercício do Direito de Preferência na aquisição do imóvel, conforme está previsto na Lei e de forma a proteger uma das inúmeras faces do legado histórico e cultural da cidade”.

Além disso, referiu Pizarro, o PS “já disponibilizou apoio ao proprietário para que se faça um requerimento para a classificação do estabelecimento como Loja de Tradição, conferindo-lhe os direitos legais a ser protegida enquanto tal”.

“Estamos perante um espaço onde uma sociedade comercial funciona ininterruptamente desde 1930, é verdade que essa sociedade comercial não exerceu sempre a mesma atividade”, mas “a atividade comercial que exerce atualmente, a de alfarrabista – alfarrabista João Soares – é de grande importância cultural para a cidade”.

A Rua das Flores, que foi requalificada, “tem sido palco de abertura de um conjunto de novos estabelecimentos comerciais que, do nosso ponto de vista, não devem significar o encerramento de outros estabelecimentos com mais anos de existência, como é o caso deste”, salientou.

“A classificação como Loja de Tradição garantiria, por si só, a proteção deste estabelecimento, mas vamos inquirir junto da autarquia sobre se a câmara foi consultada para o eventual exercício do Direito de Preferência na alienação do imóvel onde a livraria está localizada e, no caso de isso ter acontecido, qual foi a decisão que tomou e quais foram os fundamentos dessa decisão”, frisou.

O alfarrabista João Soares foi notificado de despejo na sequência da venda do prédio onde está há 20 anos e não encontra alternativas devido a rendas “inimagináveis”, como disse, há precisamente uma semana, à Lusa.

João Soares, de 72 anos, revelou que tem procurado um novo espaço para acolher as suas “largas centenas de livros” que já colocou em saldo, tendo sido confrontado com pedidos de renda de “mil, dois mil ou cinco mil euros por espaços ridículos”.

“Isto é um deslumbramento. Uma calamidade. O Porto está a ficar descaracterizado. Parece um deserto de comes e bebes. Está a ser muito difícil encontrar outro espaço, porque os preços [das rendas] não são praticáveis”, lamentou o responsável pela loja que existe na rua das Flores, n.º 40, desde pelo menos 1930.

“O contrato de arrendamento da sociedade que comprei remonta a 1930. Este espaço foi armeiro, fabricante de munições, muitas coisas… Em 1998, instalei-me aqui com uma livraria de usados”, descreveu João Soares, indicando que no prédio de três andares residem “cerca de nove pessoas”.

O alfarrabista diz ter sido informado sobre o despejo “há 15 dias”.

“Venderam o prédio e querem que eu saia”, vincou.

Relativamente ao prazo de saída (60 dias), o alfarrabista pretende negociar um prolongamento: “Pelo menos para conseguir tirar tudo daqui. Estamos a falar de várias estruturas e largas centenas de livros, para não dizer milhares. O tempo é manifestamente pouco”.

João Soares informou ter começado com saldos de 30% nos livros, estando agora nos 50%, mas com a convicção de que “não vai resultar muito”.

“As pessoas não leem. Os turistas alegam que os livros são muito pesados e, como viajam em ‘low-cost’, não os levam. Preferem tirar fotografias”, observou, antes de concluir que “a livraria dos usados está em decadência”.

Hoje, no final do encontro com João Soares, o vereador Manuel Pizarro defendeu que “a Câmara precisa de ter uma ação mais proativa nestes casos”, considerando “surpreendente que tendo vindo esta notícia a público há uma dezena de dias, o PS tenha chegado ao alfarrabista João Soares antes da Câmara”.