Um dia, no Monte del Gozo, perto da Santiago de Compostela, Kiko Argüello, fundador do Caminho Neocatecumenal, lançou o desafio a milhares de rapazes e raparigas vindos de todo o mundo: quem quer dedicar a sua vida a Cristo? Ela levantou-se, linda, teria perto de 20 anos, e ouviu-se um coro de assobiadelas. Kiko, através do microfone, disse: "Lamento muito pelos que se apaixonaram por dela, mas ela enamorou-se primeiro de Jesus."

Foi há mais de 20 anos, em Espanha - o Monte del Gozo chama-se assim pela alegria que desperta nos peregrinos de todo o mundo que fazem os Caminhos de Santiago e que dali avistam, pela primeira vez, as torres da Catedral. Desde então muitos mais rapazes e raparigas se levantaram para seguir o chamamento de Deus. O encontro de hoje no Passeio Marítimo de Algés é para isso: descobrir vocações.

Teresa Leitão, 53 anos, também vai passar por lá. E também se levantou uma vez, em Santiago de Compostela, "mas para ser itenerante". Falámos depois e uma sessão de radioterapia, teve um cancro há dez anos e descobriu outro recentemente: "Nunca tive vocação para freira, mas se fosse essa a minha decisão, não iria para clausura", confessa.

"Admiro imenso as raparigas novas que o fazem, estão connosco duas irmãs" - é assim que se tratam os catecúmenos do Caminho - "que vieram à Jornada Mundial da Juventude e participaram nos diversos eventos, um deles a Feira da Alegria, perto dos Jerónimos, com barraquinhas para dar a conhecer a homens e mulheres as diversas congregações existentes em Portugal", conta.

Teresa levantou-se, mas não chegou a ser itenerante. "Penso que me levantei no entusiasmo do momento. Depois, fui a dois ou três encontros vocacionais e percebi que a minha história não seria por ali". Mas já saíram do Caminho Neocatecumenal 2.950 sacerdotes e há 1.900 seminaristas.

Tinha 13 anos quando entrou para a Terceira Comunidade de Caxias, na altura "por conselho das catequistas e obediência aos pais". Ainda se lembra "de uma vez que fomos a uma discoteca, uma coisa organizada por uma catequista, e cheguei a casa às cinco da manhã. Foi um escândalo", ri.

Entrar para o Caminho Neocatecumenal "estava entre o 'que remédio' e o 'tubo de escape', a fuga para estar com outros jovens da minha idade", recorda. "Os meus pais eram rígidos e quase nada me era permitido. Eu era caladinha, mas gostava de estar com os outros jovens da comunidade, que tinham mais liberdade do que eu, refugiava-me aí".

Na altura, nada lhe era completamente estranho nas comunidades - preparação de leituras, convívios, eucaristia -, porque os pais já frequentavam o Caminho. Aliás, "sempre achei as eucaristias da comunidade mais animadas dos que as missas tradicionais de domingo, que eram mais seca".

Passados 40 anos, Teresa está na Primeira Comunidade de Caxias e é catequista desde há dois ou três meses. E, mesmo que pudesse, não mudava (quase) nada neste percurso. "O Caminho Neocatecumenal também me foi ajudando a crescer", diz. "E sempre gostei muito que não fosse um grupo só para rapazes ou só para raparigas, só para jovens ou só para casais ou só para viúvos. A mistura, a heterogeneidade, é uma coisa positiva". "E a liberdade também: quem não quer ir não vai, não há cobranças".

E tantas foram as vezes que lhe apeteceu faltar, entre os encontros para celebrar a palavra às quartas-feiras, as preparações das celebrações e as eucaristias de sábado à noite. "Mas lembro-me sempre daqueles que se não tivessem as comunidades, estariam completamente isolados".

"O caminho também é bom para ouvir os outros", afirma. "A partilha de experiências e os convívios mensais são uma parte importante do Caminho". Ali, tratam-se por irmãos e a explicação é simples. "Na mesma comunidade existem pessoas muito diferentes, na cultura, na maneira de estar, nos gostos, no estrato social a que pertencem. Não são os amigos que escolhemos, são aqueles que nos calham em sorte". Como a família.

Mas "a empatia também se aprende. Tenho um carinho enorme por pessoas com quem não podia nem à lei da bala. A experiência também ajuda. À medida que vamos conhecendo melhor a história dos outros, o amor vai crescendo. Há histórias de vida que não nos passam pela cabeça. Isso ajudou-me muito. Ali podemos ser verdadeiros, não precisamos de máscara".

Teresa Leitão não tem ilusões: "Somos humanos, também há tricas. Mas há perdão". Neste aspeto, a comunidade também tem sido uma ajuda desde que descobriu o segundo cancro. "Há pessoas que dizem que te ajudam, mas é só para serem simpáticas", diz enquanto solta uma gargalhada, ela, que se "penaliza por não visitar os que estão doentes". Mas há os que ajudam mesmo, seja "a escutar o que tens a dizer", seja em "tratamentos de fisioterapia grátis enquanto não chegam os do hospital", seja "no acolhimento dos gatos", que na fase mais complicada não tinham onde ficar. "São tudo presentes de Deus".

E é mais uma vez um presente de Deus que procura agora nas palavras de Kiko, que em breve deverá falar no Passeio Marítimo de Algés. "Se chorar me curasse, eu chorava. Mas a história tem outras maneiras de se fazer".

E 'Palavra' define bem este Caminho, percorrido por etapas, que chegou a Portugal em 1968 pela mão de Kiko Argüello, que foi viver para o Bairro da Curraleira, na Penha de França, em Lisboa.

Três anos mais novo do que o Papa Francisco, Francisco José Gómez de Argüello Wirtz, Kiko, nasceu em León e estudou Belas Artes na Real Academia de San Fernando, em Madrid. Após uma profunda crise existencial, em 1964 decide ir viver entre os pobres, num casebre em Palomeras Altas, nos arredores da capital espanhola. É aí que conhece Carmen Hernández e os dois dão início à formação de uma pequena comunidade cristã, inicialmente constituída por ciganos, prostitutas e delinquentes.

Após a conversão, Kiko colocou a sua arte - pintura, música, arquitetura e escultura - ao serviço da Igreja, para promover uma "nova estética que leva os homens à fé". Como pintor realizou obras um pouco por todo o mundo, como o grande mural sobre o Juízo Final no Domus Galilaeae, em Israel, o centro no Monte das Bem-aventuranças e que, por vontade expressa de João Paulo II, serve também para construir pontes com o povo judeu.

A Igreja Católica reconhece o Caminho Neocatecumenal como "um itinerário de formação católica válido para a sociedade", nas palavras do Papa João Paulo II "uma busca pela redescoberta do batismo".

Hoje, no lugar de Carmen, que morreu em 2016, está María Ascensión Romero, itinerante durante 25 anos na Rússia, mas essa não é a maior mudança; o Caminho Neocatecumenal está em 135 países, tem 21.066 comunidades dispersas por quase 6.300 paróquias e mais de mil famílias itenerantes em missão. Teresa Leitão, da Primeira Comunidade de Caxias, no concelho de Oeiras, é apenas um grão de areia.