Já tinha sido ministro da Agricultura nos governos liderados por António Guterres, entre 1995 e 2002. Depois foi para o Parlamento Europeu, onde ocupou um papel de destaque na negociação da PAC (Política Agricola Comum) e de onde saiu quando António José Seguro lhe comunicou que o sector deixou de ser uma prioridade política. Não gostou. Luís Capoulas Santos está de volta e cabe-lhe defender o país num dos mais difíceis pacotes de ajudas comunitárias à agricultura, as que virão depois de 2020. Tem uma ideia muito clara do que quer para Portugal e para os seus cerca de 300 mil agricultores. Dos quais faz parte.
O ministro da Agricultura é alentejano, de Évora, onde tem uma pequena propriedade com seis hectares de olival tradicional. Faz azeite para consumo próprio e dos amigos e parceiros de aventura. Todos o conhecem. Quando era miúdo, ouvi-o contar um dia, juntava-se a um bando de rapazotes que vendiam triângulos de nougat embrulhados em papel celofane para ganhar uns cobres. Guloso, ele e os amigos não resistiam à iguaria e por vezes abriam o papelinho e lambiam os rebuçados, que depois eram vendidos por metade do preço. Boys will be boys. Hoje gere um orçamento de mais de 8,5 mil milhões de euros. E no seu gabinete tem uma geringonça que o primeiro-ministro António Costa ofereceu a cada ministro e que exibe num misto de orgulho e divertimento. "São todas diferentes, cada um tem a sua. E anda, quer ver?"
Senhor ministro, as vacas voam?
As vacas não voam, mas a agricultura portuguesa descolou. É um sector que cresce acima do resto da economia, as exportações também e está a fazer um trajecto de ascensão. Vendemos 62 novos produtos para 20 novos países e temos em negociação 199 produtos para 55 novos mercados. Há de facto procura de produtos portugueses.
Perdemos um eurodeputado e ganhámos um ministro. O que se passou entretanto?
Sempre que sou nomeado para funções públicas procuro fazer o melhor que sei e posso. Tenho muita pena que o anterior secretário-geral do Partido Socialista [António José Seguro] me tenha informado de que a razão por que me excluía das listas era considerar que a agricultura não era uma prioridade política. É difícil perceber.
Levou a peito?
Disse que como a agricultura não era uma prioridade a lista de deputados não precisava de integrar ninguém com experiência na área.
O que lhe respondeu?
Creio que não respondi. Limitei-me a ouvir.
No início da semana esteve em Estrasburgo para negociar a nova PAC [Política Agrícola Comum], que virá depois de 2020. O que foi defender?
Foi a primeira discussão e Portugal foi o único Estado que distribuiu um documento com visão própria. Em linhas muito gerais, defendo que é necessário garantir que o orçamento da PAC não diminui – para além do que resulta do Brexit, que é um dos maiores contribuintes líquidos. Em segundo, defendo a manutenção do equilíbrio nos seguintes pilares: a garantia dos pagamentos directos aos agricultores, os apoios ao investimento em infra-estruturas agrícolas, o apoio aos jovens e aos pequenos agricultores, porque são eles que garantem a ocupação do território e, por último, a possibilidade de criar um mecanismo de protecção contra a volatilidade dos mercados.
"O governo anterior aceitou todas as candidaturas a um mês das eleições e comprometeu o Orçamento do Estado em quase 200 milhões"
Já foi ministro antes. É mais fácil, mais útil, trabalhar do lado de cá, como ministro, ou no Parlamento Europeu, como deputado? O que prefere?
São funções de natureza completamente diferente. As funções executivas são bastante mais diversificadas. Com sabe, tive a honra e o privilégio de ter sido nomeado relator do Parlamento Europeu para as duas últimas reformas. Foi um trabalho de grande intensidade, do qual me orgulho. E penso que dei um modesto contributo para que esta PAC seja mais justa e equitativa, quer no plano europeu quer no plano nacional, ainda que longe daquilo que gostaria que fosse se tivesse o poder absoluto. Aqui a tarefa é bastante mais diversificada, da gripe aviária às derrocadas no Douro, passando pelo problema da seca e pelas crises de mercado, e pela gestão do PDR (Programa de Desenvolvimento Rural) e do ministério. Todos os dias há uma infinidade de problemas que é preciso resolver e nem sempre com os recursos que gostaríamos de ter.
Qual a medida que se orgulha mais de ter tomado nestes 15 meses como ministro da Agricultura?
Mais que uma medida, orgulho-me de ter conseguido que o Conselho de Ministros tivesse reforçado em 155 milhões de euros o PDR, e desta forma tivesse permitido tapar o gigantesco buraco orçamental que o anterior governo deixou.
Que buraco foi deixado no PDR?
Foram aprovadas candidaturas além da dotação orçamental em Setembro de 2015, por motivos que me parece desnecessário justificar. Tendo aparecido candidaturas a um mês das eleições, a decisão que se impunha era conter as candidaturas dentro dos limites orçamentais para cada uma das medidas que o próprio governo tinha determinado. Em vez disso, e sem procurar compensar esse excesso, o governo anterior entendeu aceitar todas as candidaturas a um mês das eleições e acabou por comprometer o Orçamento do Estado em quase 200 milhões de euros.
Embora, caso se tivesse cumprido o resultado eleitoral, fosse um problema que o governo PSD/CDS teria de resolver.
Isso era se a direita tivesse tido maioria no parlamento.
Certo. O que quero dizer é que o governo anterior esperava ser governo outra vez. E nesse caso estava a contar herdar a situação que criou.
Já fui ministro uma vez e não deixei um buraco orçamental para ninguém. E espero não deixar agora também. O que os outros foram deixando não é problema meu.
Neste caso é. Porque é ministro e porque é português. Mas a ideia não seria evitar perder fundos comunitários, já que alguns projectos estavam atrasados em termos de execução?
Acontece que o orçamento do PDR tinha uma dotação da ordem dos 4,1 mil milhões de euros, entre dinheiro nacional e comunitário. Agora aproximar-se-á dos 4,3 mil milhões, para chegar a tudo.
Qual o orçamento global previsto?
Temos sensivelmente 4 mil milhões no primeiro pilar e mais outro tanto no segundo pilar. Ou seja, a dotação global ronda os 8,5 mil milhões de euros para o período 2014/20.
Quais são as suas prioridades para este ano?
Primeiro recuperar o atraso do PDR, porque quando aqui cheguei o PDR tinha zero projectos de investimento contratados, quer nas explorações agrícolas, quer na agro-indústria ou de jovens agricultores. Uma parte muito substancial desse atraso já foi recuperado, já estão analisados mais de 80% dos projectos que entraram e já estão decididas mais de 15 mil candidaturas, a que corresponde um investimento da ordem dos 1700 milhões de euros e a uma despesa pública superior a 500 milhões. O objectivo é ter o PDR em velocidade de cruzeiro no primeiro trimestre.
"Estamos a negociar com o BEI [Banco Europeu de Investimento] 200 milhões para financiar 47500 hectares de regadio no Alqueva"
Isso é uma prioridade. Existem outras?
Outro grande objectivo é a questão do regadio, fundamental para uma agricultura competitiva em Portugal. Outra das heranças que recebi foi uma total ausência de garantia de financiamento para a conclusão do projecto do Alqueva, onde estão a fazer com condições identificadas mais cerca de 50 mil hectares de regadio, quase um terço daquilo que já está feito. Esse investimento não foi incluído na negociação do PDR, nem foi garantida qualquer fonte de financiamento para o realizar. Tendo nós aquela infra-estrutura, com aquela reserva de água, com bons terrenos agrícolas para serem utilizados num projecto que se está a revelar um sucesso, outra das grandes preocupações foi encontrar forma de financiamento para que as obras não parem. Nesse sentido, estamos a negociar com o Banco Europeu de Investimento, no âmbito do Plano Junker [315 mil milhões em três anos para relançar a economia europeia], um acordo que deverá estar concluído neste mês ou no próximo.
Qual o montante que está a negociar?
Cerca de 200 milhões de euros para instalar perto de 47500 hectares de regadio.
Porque não pediu à CGD ou a outros bancos? Dizem que não falta dinheiro, o que falta são bons projectos...
Porque as taxas de juro e os prazos oferecidos pelo BEI são muitíssimo mais vantajosos do que os da banca comercial.
O projecto do Alqueva tem mais de meio século. As obras foram iniciadas por si, em 1998, mas o projecto ainda não está concluído.
O projecto inicial previa 100 mil hectares até 2025. Fizemos 120 mil hectares até 2016. Ou seja, encurtámos nove anos e aumentámos a área prevista. O facto de querermos ampliar o projecto tem a ver com ganhos de eficiência, uma vez que houve entretanto uma evolução dos sistemas de rega que permite regar mais hectares com a mesma quantidade de água.
A EDIA, que gere o Alqueva, fecha?
Como digo, há 47 mil hectares para fazer.
As associações de produtores gostariam de ser elas a gerir os perímetros de rega...
Mas estamos a falar da execução do projecto e as associações não mostraram nenhum interesse em construir as obras que faltam, que é o que a EDIA há-de fazer. Foi aliás a empresa que se candidatou ao financiamento. A gestão dos perímetros de rega é outra matéria e estamos a equacionar a questão.
"Alguns edifícios da coudelaria em Alter do Chão vão ser postos a concurso para ali ser instalada uma unidade hoteleira de grau elevado"
É favorável a que sejam as associações a gerir os perímetros de rega ou prefere que seja a EDIA a fazê-lo?
Penso que devem ser os próprios agricultores a gerir os perímetros de rega, naturalmente com uma dimensão adequada, para não multiplicar custos. Se se atribui a várias associações de regantes aquilo que apenas uma pode fazer, isso implica estar a pagar a mais técnicos, equipamento, viaturas, duplicar custos de operação. Mas, naturalmente, a empresa gere o sistema, quer na sua componente eléctrica quer no fornecimento em alta, para a agricultura, para o abastecimento público e até para outras finalidades, como a indústria. Isso não me parece que devam ser as associações a fazer, já que, ao fim e ao cabo, seria transferir a gestão da EDIA para os agricultores, o que é uma questão que também não excluo de todo. Mas também não acredito que os privados estejam interessados em gerir uma empresa como o Alqueva.
Uma empresa que muitos privados gostariam de gerir é a Companhia das Lezírias.
A Companhia das Lezírias é uma empresa pública, tutelada pelo Ministério da Agricultura, na qual foi integrada — e na minha opinião bem — a Coudelaria de Alter, que é, aliás, uma componente que queremos valorizar. O governo anunciou que pretende potenciar o pólo turístico associado à Coudelaria de Alter. E alguns edifícios da coudelaria em Alter do Chão vão ser postos a concurso para ali ser instalada uma unidade hoteleira de grau elevado por forma a que a componente turística associada ao cavalo e ao cavalo lusitano possa ser mais bem aproveitada e criar até condições de auto-sustentação daquele espaço.
«Creio que evoluímos bastante, de forma que a investigação não seja um capricho ou um investimento de currículo dos investigadores, mas um benefício para o país. Para potenciar todos os recursos disponíveis estabelecemos parcerias entre os ministérios da Agricultura e da Ciência»
Acabou-se com a Fundação Alter Real, criada por Jaime Silva, que investiu milhões no edifícios da coudelaria.
O projecto é anterior a Jaime Silva, foram sendo feitas obras ao longo de vários anos. Quanto à Companhia das Lezírias, durante a minha passagem pelo governo noutras circunstâncias, por duas vezes me opus, com êxito, à privatização da empresa. No governo do professor Cavaco Silva tentaram duas vezes privatizar a empresa. Entendi, e continuo a entender, que se trata de uma reserva, sobretudo ambiental, na orla de Lisboa, que cabe ao Estado gerir e preservar, e naturalmente utilizá-la não só como unidade empresarial que constitua um exemplo, mas também como empresa associada à produção de conhecimento e a parcerias com o mundo universitário. Queremos potenciar ainda mais os recursos de uma propriedade agrícola situada num dos melhores solos do país e com mais de 16 mil hectares. Queremos que seja útil à agricultura e à comunidade no seu todo.
«Queremos equilibrar a nossa balança comercial agrícola até 2021, o que significa anular um défice que anda entre os 2,5 e os 3 mil milhões»
Isso leva-me a outra questão, que tem a ver com os centros de investigação agrícola. Fiz um trabalho que concluía que mais de 100 milhões iam para o lixo porque a investigação feita não serve a comunidade de produtores, as experiências realizadas não têm a ver com a realidade do mercado. Como é possível?
Neste momento o departamento de investigação do Ministério da Agricultura é o INIAV — Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, no qual estamos também a investir. É uma instituição de grande relevância e está a trabalhar em cooperação com outras; ainda recentemente preparei com o meu colega da Ciência dois despachos que visam estabelecer as relações entre as escolas superiores agrárias, por um lado, e uma rede nacional de experimentação agrária, o INIAV e algumas universidades, por outro lado, na área da investigação agrária. Isto precisamente para potenciar todos os recursos disponíveis no Ministério da Agricultura e no Ministério da Ciência. Creio que desse ponto de vista evoluímos bastante, de forma que a investigação não seja um capricho ou um investimento de currículo dos investigadores, mas um benefício para o país. Queremos a investigação ao serviço da sociedade, em que a procura de conhecimento e inovação são fundamentais para garantir a competitividade das empresas. Os projectos em curso são na maior parte em parceria. Criámos um mecanismo que está agora em fase de concurso para financiamento com verbas do PDR que implicou previamente a constituição de parcerias entre as entidades de investigação e o sector a que se destinam: são os chamados grupos operacionais.
Para onde quer que Portugal caminhe? Onde vê Portugal daqui a três anos?
Temos objectivos claramente definidos. Um deles, talvez o mais relevante, é equilibrar a nossa balança comercial agrícola até 2021, o que significa anular um défice que anda entre os 2,5 e os 3 mil milhões de euros. O ritmo das exportações e a redução das importações que se tem verificado com alguma constância na última década — em 2016 confirmámos, as exportações mantiveram o ritmo de crescimento e reduzimos 700 milhões de euros o diferencial entre exportações e importações — é um dos nossos objectivos.
Quais são os sectores em que estamos melhor e em que estamos pior?
O nosso grau de autoprovisionamento é de quase 80%. Temos situações muito diferenciadas, sectores em que somos largamente deficitários e sectores em que somos largamente excedentários. Certamente continuará a ser assim. Não temos muitas condições para ser auto-suficientes em cereais, por exemplo, em que só autoprovisionamos qualquer coisa como 20%. Mas temos excedentes de 150% no vinho ou nas frutas. O objectivo é uma economia que funciona no mercado único e virada para países terceiros e procurar dentro das nossas condições de solo e de clima a nossa melhor especialização produtiva, que nos permita exportar ao máximo e substituir o máximo de importações também. Somos excedentários em vinho, em azeite, em leite, em frutas, em hortícolas, em aves e ovos. E somos deficitários em carne de bovino, de ovino, de suíno e em cereais — aliás, o nosso maior problema, porque grande parte dos cereais importados destinam-se à alimentação animal. À escala global não acredito que se possa ser auto-suficiente em tudo, nem mesmo aqueles países que têm uma dimensão continental, como a Rússia ou os Estados Unidos.
Os custos de produção em Portugal são elevados, mais que na maioria dos países da UE. Porquê?
São mais elevados uns, como a electricidade, mais baixos outros, como os salários. Do ponto de vista global penso que há alguma harmonização.
Sobre a electricidade, uma parte da indústria, por exemplo a do tomate, queixa-se de ter de pagar taxas excessivas, já que as fábricas laboram apenas meio ano. É uma questão antiga. Vai resolvê-la?
Trata-se de um contrato entre empresas privadas. Na altura em que fui ministro havia um conjunto de apoios superior ao que existe hoje — como à electricidade verde — que foi posteriormente suprimido. É um facto que os agricultores se queixam, reconheço que têm alguma razão, porque estão a pagar uma taxa sobre a potência instalada que nalguns casos é apenas sazonalmente utilizada. Mas o contrato é estabelecido livremente entre quem compra electricidade e quem a fornece.
Não vai interferir, é o que quer dizer?
Ao poder político cabe cumprir as regras de funcionamento de mercado. Sobre essa matéria até ao momento não foi decidido nada. Que seria impor um tipo de contrato às empresas fornecedoras. Nada impede que os utilizadores desliguem esse serviço durante um período e voltem a ligá-lo depois. Na minha quinta tenho um mecanismo bi-horário.
O que produz na sua quinta?
Tenho um pequeno olival, tradicional, apenas seis hectares. Produzo azeite para mim e para algumas pessoas próximas.
A ASAE nunca o chateou?
Não. Mas penso que no que diz respeito ao agro-alimentar toda a fiscalização é pouca, nunca haverá fiscalização a mais. Tudo o que diz respeito a higiene e segurança, a forma como são acomodados os produtos, há sempre défice de fiscalização, fica sempre aquém do desejável, devido à grande atomização de estabelecimentos e variação de produtos.
«Não há agricultura nenhuma dos países mais desenvolvidos que não seja subsidiada. De outra forma não seriam competitivas. É uma batalha dentro da OMC [Organização Mundial de Comércio]»
Deixe-me perguntar antes que me esqueça: o IVA vai subir ainda em alguns bens?
Em relação à agricultura não houve nenhum agravamento de impostos relativamente àquilo que estava no Orçamento do Estado do ano anterior. Houve um agravamento relativamente a algumas bebidas açucaradas. De resto, o que teve mais impacto na agricultura foi até a redução do imposto na restauração, já que esta utiliza produtos agrícolas e há um efeito indirecto.
É a favor de uma agricultura subsidiada?
Não há agricultura nenhuma dos países mais desenvolvidos que não seja subsidiada. De outra forma não seriam competitivas. As agriculturas mais subsidiadas são as do Japão, dos Estados Unidos da América e da Europa. Ainda que no caso europeu esses apoios tenham vindo a ser reorientados do mercado para o ambiente. Ou seja, hoje a maior parte da justificação para ter acesso a benefícios comunitários tem a ver com razões ambientais, contrariamente ao que acontece na América, em que os apoios são dados através da compra de produtos ou de sistemas de rendimento. Mas a finalidade é a mesma: dar aos agricultores um apoio suplementar para poderem concorrer no mercado. Aliás, a grande batalha que há anos se desenvolve no seio da OMC [Organização Mundial do Comércio] é que uma grande parte dos países que não têm condições para pagar as suas agriculturas reivindica o desmantelamento dos apoios dos países que subsidiam as suas agriculturas, sempre com estes a argumentarem que exigem em troca que estes pratiquem então os mesmos salários, prestações sociais e outras condições que os países ditos desenvolvidos suportam e sem os quais também há uma enorme distorção de concorrência. Uma questão relativamente à qual as negociações se têm arrastado ano após ano sem qualquer perspectiva de acordo, ainda que a União Europeia já tenha assumido na OMC um conjunto de compromissos que vão além dos de qualquer outro país ou grupo de países. A UE decidiu não apoiar a produção, ou seja, salvo excepções, que são transitórias, já não paga subsídio por vaca, por ovelha, por quilo de trigo produzido. Essas ajudas directas foram muitíssimo reduzidas. Agora os agricultores são obrigados a cumprir certas regras ambientais. Mas é uma ajuda de que os outros sectores da economia não dispõem: é como um restaurante ter garantido um certo número de refeições por dia.
Também é o único sector onde se é jovem com 40 anos.
E mesmo assim persiste um sector extraordinariamente envelhecido, ainda que se vislumbre um retorno à terra. Assistimos nos últimos anos ao abandono da terra por parte dos mais desqualificados e estamos a assistir ao retorno dos mais qualificados. Hoje há muita tecnologia, muito conhecimento, muita inovação. E muitas delas introduzidas pelos jovens agricultores.
Isto leva-me à Bolsa de Terrenos Agrícolas. Que resultados tem tido?
A Bolsa de Terrenos Agrícolas foi uma iniciativa do governo anterior que o executivo actual decidiu manter, ainda que até agora se tenha revelado praticamente de nulo impacto. Trata-se de uma plataforma para comunicar venda e arrendamento de património. Vamos manter essa agência imobiliária, se assim podemos chamar-lhe, mas o governo considera insuficiente este instrumento e decidiu criar mais dois: o Banco de Terras e o Fundo de Mobilização de Terras.
O que são e quais as diferenças?
O Banco de Terras é um instrumento no qual é colocado o património fundiário do Estado ou as áreas florestais propriedade do Estado para arrendar e posteriormente vender aos agricultores que lá se instalem, particularmente os jovens. As terras do Estado são para alugar numa primeira fase e, depois de comprovada a boa gestão, para venda. O Fundo de Mobilização de Terras visa adquirir novas terras através das receitas provenientes do arrendamento ou da venda dos terrenos do Banco de Terras, porque se criássemos um Banco de Terras apenas com o património de que o Estado dispõe neste momento elas distribuíam-se e acabavam. Ao criar o Fundo de Mobilização de Terras, canalizando para ele as receitas provenientes das rendas ou das vendas das terras, estamos a criar um fundo com uma finalidade que é comprar novas terras para voltar a alimentar o banco e para o processo continuar indefinidamente.
Onde é que isso deixa a Lazer & Floresta, empresa que tem as propriedades agrícolas do Estado para venda?
Isso é outra coisa. A Lazer & Floresta é da Parpública. Como sabe uma empresa tem regras e para ir buscar alguma coisa à Parpública, apesar de ser do Estado, eu teria de a comprar, e não tenho dinheiro para isso.
"Há uma experiência bem-sucedida em Portugal e estamos a avaliar se há possibilidade de produzir biocombustível [a partir de desperdícios florestais]"
Quando estarão a funcionar o Banco de Terras e o Fundo de Mobilização de Terras?
Faz tudo parte da reforma das florestas. No fundo, elaborámos um pacote de dez diplomas que em Outubro foi aprovado na generalidade em Conselho de Ministros extraordinário e que foi depois colocado à discussão pública até ao final de Janeiro. Recebemos à volta de 600 propostas e em Fevereiro introduzimos algumas alterações. Os diplomas vão agora a Conselho de Ministros no dia 21 de Março, Dia Internacional das Florestas, cinco para aprovação definitiva e que seguem para promulgação do senhor presidente da República, e cinco para serem submetidos à Assembleia da República.
Há uns anos lançaram-se concursos para construção de centrais de produção de biomassa. O que é feito delas, também estão incluídos nesse pacote?
Esse foi um dos dez diplomas deste governo que estiveram em discussão pública. No caso, foi trabalhado pelo Ministério da Economia, dado que a criação de centrais de biomassa de pequena dimensão exige licenças atribuídas através da Secretaria de Estado da Energia, que as vai subsidiar, e compete ao Ministério da Agricultura regulamentar o uso do material lenhoso: não queremos que sejam utilizadas madeiras nobres. O objectivo é produzir energia com os desperdícios da floresta, sendo a energia eléctrica um subproduto. Mas há também uma experiência bem-sucedida em Portugal e estamos a avaliar a possibilidade de produzir biocombustível.
Mas onde estão as outras empresas, as dos concursos lançados e atribuídos anteriormente?
Não sei o que aconteceu. Mas por essa razão lançámos esta medida e as empresas serão atribuídas aos municípios, que poderão geri-las directamente ou atribuí-las a alguém, decidindo quem fará a sua gestão, precisamente para garantir que existe uma sequência. O regime de apoios também é suficientemente atractivo. Neste momento está em discussão se se deve apoiar o agricultor que tem o material lenhoso ou a unidade que adquire a biomassa. Tudo isto será objecto de regulamentação posterior.
"Pela primeira vez foi subscrito por todas as partes — pelas organizações agrícolas, incluindo CNA, CAP, Confagri, as grandes superfícies e a indústria — um acordo sobre boas práticas"
Afirmou que o seu primeiro ano foi duro. O primeiro dia começou com uma manifestação de produtores, se bem me lembro...
Sim. As crises de mercado são, como sabe, aquilo que os ministros da Agricultura mais temem. Quando cheguei as crises tinham estado um pouco escondidas debaixo do tapete e vieram à superfície mal o governo tomou posse. Foi o caso dos lacticínios e da suinicultura, que estavam com os preços em baixa há mais de um ano. A primeira manifestação de suinicultores foi no dia seguinte ao da tomada de posse do governo e sucederam-se outras. Só foi possível acalmar os ânimos com medidas extraordinárias de âmbito europeu. Felizmente, na suinicultura conseguiu-se ultrapassar a situação, muito conhecida como a trombada de porco, que é quando o mercado cai. A razão é simples: a capacidade de multiplicação dos suínos é grande, com ninhadas de 12, 13, 14 crias, que crescem rapidamente. Quando prospera, atrai produtores e rapidamente esgota, atinge picos de produção e os preços baixam. No leite, desde 1984 a UE tinha uma política de controlo de produção que permitiu durante 30 anos manter o mercado equilibrado. Desequilibrou-se no ano seguinte ao fim das quotas leiteiras, em 2015. Foram entretanto adoptadas algumas medidas para controlar a produção e o mercado tem vindo a equilibrar-se. Mas continua numa posição periclitante e tenderá a não se alterar substancialmente não forem adoptadas se medidas de fundo no plano europeu.
Existe um enorme fosso entre produtores e distribuição. O governo anterior tentou dirimir o assunto com a criação da PARCA — Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agro-alimentar. Alguma vez vai existir uma solução?
Quando cheguei ao governo fui confrontado com uma crise nesses sectores e a primeira coisa que fiz foi constituir um gabinete de crise, do ponto de vista das fileiras: produção, transformação e distribuição. Trabalhámos em conjunto na busca de entendimentos à margem da PARCA, que continuou a funcionar mas a nível mais institucional. E foi possível estabelecer alguns compromissos e o resultado a que se chegou tem a ver também com essa cultura de compromisso que se foi estabelecendo e que depois foi coroada na PARCA, num acto que acabou por não ter grande expressão mediática mas foi de enorme relevância: pela primeira vez um acordo sobre boas práticas foi subscrito por todas as partes — pelas organizações agrícolas, incluindo CNA, CAP, Confagri, pelas grandes superfícies e pela indústria.
Mas existe a lei. Para quê esse acordo? Não bastaria cumprir a legislação?
Da minha parte, sempre que tenho conhecimento de uma infracção denuncio. E é aquilo que todos podem e devem fazer.
Alguns produtores têm receio de represálias.
Admito que individualmente possa existir algum constrangimento, mas não me parece que tenha força se a denúncia for feita por uma organização de âmbito nacional, sectorial ou não. É mais difícil o agricultor A, B ou C vir a sofrer represálias. Vivemos num estado de direito, o que não quer dizer que seja perfeito.
Falou nas crises agrícolas. Também lidou com crises que tiveram a ver com o clima. A maior parte dos agricultores já tem seguros agrícolas?
Portugal é um dos poucos estados da União Europeia onde existe um sistema de seguros agrícolas financiado pelo dinheiro público.
Devia?
É uma opção assumida, dado o especial contexto em que decorre a actividade, sujeita a intempéries. Foi uma opção política, que decorreu da última PAC, e pela qual me bati. Fomos favoráveis a ela, contra a oposição de muitos estados membros a que fosse elegível o financiamento público dos seguros agrícolas, ficando ao critério de cada Estado utilizar ou não essa elegibilidade. O governo anterior decidiu que sim, e concordo. Fui um dos autores da proposta, que está em execução no PDR. Existe um sistema de seguros agrícolas em que se financia uma parte do prémio do seguro para determinados riscos que tem como objectivo atrair os agricultores e levá-los a fazer os seguros para estarem prevenidos quando ocorrem as catástrofes.
"Fizemos um diploma que vai criar uma nova figura, as sociedades de gestão florestal. Outro que vai criar os incentivos financeiros para as sociedades de gestão florestal, para atrair o capital e a gestão à floresta"
Quanto é que isto custa ao erário público?
Cerca 20 milhões de euros por ano. Normalmente em caso de tragédia há sempre um apelo a que o Estado pague. Existindo um seguro público, o Estado fica um pouco condicionado. A criação do seguro visou exactamente obter um mecanismo de resposta preventiva que defenda os agricultores, porque muitas vezes quando ocorrem as catástrofes também não há recursos financeiros para lhes fazer frente. Nesse sentido considero que é um bom instrumento. A Espanha faz como nós, foi o país que melhor desenvolveu o sistema. Claro que é co-financiado pelos contribuintes, como são co-financiados todos os apoios à agricultura em toda a Europa.
Também este assunto foi um dos pontos em discussão, no conjunto da profunda reforma da floresta portuguesa, que tem como objectivo aproveitar o enorme recurso que a floresta representa em termos de criação de riqueza, criação de emprego, valor de exportação e, por outro lado, reduzir ao mínimo os incêndios. As propostas nesse sentido visam, no essencial, gerir profissionalmente a floresta. Há incêndios porquê? Porque a floresta não é gerida. Porquê? Porque não é atractiva. Porquê? Porque o risco é muito elevado. Há aqui um círculo vicioso.
«O objectivo é no horizonte de uma década recuperar os 150 mil hectares de floresta que Portugal perdeu nos últimos 15 anos»
Como se quebra esse círculo?
Criando condições para que a floresta passe a ser gerida. Para isso é preciso que haja entidades que o façam. Criámos um diploma que vai criar uma nova figura, as sociedades de gestão florestal. Outro para criar incentivos financeiros para as sociedades de gestão florestal, para atrair o capital e a gestão à floresta. Outro para identificar património. E outros de que já falámos, o Banco de Terras e o Fundo de Mobilização de Terras. Com este conjunto de medidas queremos retirar do abandono e do desconhecido muitos milhares de hectares e entregá-los a entidades que os possam gerir com escala, mas também com perspectiva económica e de gestão. Quando isso acontece há um sistema de prevenção de incêndios associado, há um sistema de certificação associado, sem o qual hoje não se pode vender material lenhoso na Europa — e pelo facto de não ser gerida uma boa parte da nossa floresta não é certificada, o que impede a exportação de produtos florestais. O objectivo é no horizonte de uma década recuperar os 150 mil hectares de floresta que Portugal perdeu nos últimos 15 anos — foi, aliás, o único Estado da União Europeia a perder floresta neste período. E aproveitar as principais fileiras: pinho, eucalipto e montado de sobro e de azinho.
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