Ao longo de quase cinco horas de intervenção no Juízo Central Criminal de Lisboa, o antigo governante começou por descrever factos da acusação como “uma trapalhada”, mas foi avisado pela juíza para não usar essa palavra. A partir daí, Pinho repetiu por diversas vezes que não ia usar “a palavra T”, mas criticou e refutou a acusação do Ministério Público, nomeadamente a ideia de que estaria “ao serviço” do GES ou de Ricardo Salgado.

“Em quatro anos e meio reunimos três vezes. Reuni mais com qualquer industrial do calçado de terceira categoria do que com ele”, afirmou o ex-ministro da Economia, que integrou o governo liderado por José Sócrates entre 2005 e 2009.

E nem depois de ter deixado o Governo considerou que tivesse uma boa relação com o ex-banqueiro, apesar de ter voltado para o GES para trabalhar no BES África em 2010, justificando que tal aconteceu porque Ricardo Salgado não cumpriu o que tinha sido acordado no contrato que definiu as condições da sua saída, em 2004.

“[A relação?] Muito boa não poderia ser, porque recusou a minha pensão, mas também nunca tive intimidade com o Dr. Ricardo Salgado”, observou, depois de já ter assegurado durante a parte da manhã de que os pagamentos recebidos ao longo do tempo em que foi ministro diziam respeito a verbas que lhe eram devidas e que estavam previstas nesse acordo.

Questionado pela juíza Ana Paula Rosa sobre os projetos PIN (projetos de interesse nacional) e o facto de ter dado a Comporta como um exemplo do que deviam ser esses projetos, Manuel Pinho vincou que a classificação PIN não se traduzia automaticamente numa aprovação.

O ex-ministro defendeu ainda que “o MP escolheu muito mal” o projeto da Comporta para apontar como alegado favorecimento ao GES, assegurando que o Ministério da Economia não tinha poder de decisão sobre essa matéria, uma vez que tal cabia ao Ministério do Ambiente e à avaliação de impacto ambiental.

Já antes tinha defendido que Ricardo Salgado “ficou com a fama de DDT [Dono Disto Tudo], mas não era tanto DDT como isso”, ao elencar exemplos de pretensões do GES às quais o Governo do qual fez parte não atendeu.

“Tentaram voltar à Galp e tal foi recusado pelo Governo; o GES tornou-se acionista da EDP com o propósito de fazer mais-valias na compra por uma empresa estrangeira e o Governo não deixou; e o Dr. Monteiro de Barros, que era membro do GES, queria fazer uma refinaria enorme e o Governo entendeu que não se justificava”, disse, tendo também considerado “um disparate inacreditável” posteriores opções políticas de venda de empresas a capitais estrangeiros.

O julgamento, que começou hoje depois de dois adiamentos na semana passada devido à greve dos funcionários judiciais, prossegue na sexta-feira, a partir das 09:30, com a continuação das declarações de Manuel Pinho.

Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito,corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.