À chegada ao pavilhão, os convidados foram recebidos com um par de meias quentes e chocolates.
Camila Vieira, 44 anos, dançava junto aos tambores da Associação Batucada Radical que davam as boas-vindas. Também havia um ‘Mickey', uma ‘Minnie', um Pai Natal, um boneco de neve e uma rena, mas esses despertaram mais a atenção de Renato Filipe (16 meses) e Tiago Alexandre (4 anos).
Na cozinha, Ermelinda Borges, que começou a cozinhar às 10:00, comandava uma "tropa" de cem voluntários, responsáveis por servir 250 quilos de bacalhau, 400 de batatas, 40 de cenouras e 1.500 ovos cozidos, entre outros ingredientes.
As travessas começam a chegar às 64 mesas cerca das 21:00. A expectativa era grande. Havia estreantes e repetentes e até quem fosse para reencontrar velhos conhecidos da rua ou das carrinhas. É Natal no pavilhão CCDTCMP, talvez a única ceia da maioria dos convidados.
"Como é que se vive com 275 euros por mês? Eu vivo numa casa da câmara [no Bairro de Francos] e tenho cabaz [com produtos alimentares] da ANAP [Associação Nacional de Ajuda aos Pobres]. Se não fosse isso, não sei como seria", contava Camila.
Ao lado, o companheiro, Manuel António, que envergava um boné do FC Porto, pôs termo à conversa para avisar: "Hoje é dia de festa. Vimos aqui porque nos divertimos e convivemos e é o melhor jantar de Natal do mundo. Mais nada".
No palco, o Grupo de Fados de Lisboa do Orfeão Universitário do Porto cantava "É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa!". Camila não resistiu e voltou a dançar. Ainda dançou ao som da Tuna Universitária do Porto, do cantor Paulo Costa e da banda Cleto.
"Esta é capaz de ser a única refeição quente que muitas destas pessoas têm ao longo da quadra de Natal", referiu José Velho, voluntário do CCDTCMP, instituição que faz este jantar há mais de uma década, repetindo-o quando é possível na Páscoa e nas Vindimas. A conversa é interrompida porque é preciso azeite e alhos e pão nas mesas que acolhem os convidados dos Albergues do Porto.
Por sua vez, Gouveia Santos, presidente do CCDTCMP, explica que o objetivo é, além de "proporcionar uma noite diferente às pessoas, alertar para os problemas sociais graves que importa resolver e minimizar".
"Todos os cidadãos e entidades sociais têm de continuar a intervir para que isto, a pobreza, seja erradicada de vez", diz o dirigente à Lusa, minutos antes de levar ao palco o vereador da Habitação e Coesão Social da câmara do Porto, Fernando Paulo, bem como o bispo do Porto, Manuel Linda. Ambos agradeceram aos voluntários e deixaram mensagens de esperança.
"Que esperança se pode ter com uma reforma de 140 euros e um rendimento mínimo de 20 euros?". É a pergunta de Amali (nome com o qual se identifica e pelo qual prefere ser chamada), que é de Santo Tirso, mas vive num quarto alugado por 170 euros mensais em Vila Nova de Gaia.
"Trabalho seis horas por semana nas limpezas para completar o dinheiro do quarto e tenho cabaz com comida da Legião da Boa Vontade. É a primeira vez que venho a este jantar. É tão especial. Não há vergonha que nos retire a vontade de ser feliz pelo menos uma noite", conta à Lusa.
Ao lado estão os pais de Renato Filipe e Tiago Alexandre, os irmãos que se tinham entretido à chegada com os bonecos e agora desfrutam das pinturas faciais.
Telma, que está desempregada, e António, que trabalha na construção civil, já conheciam esta ceia de Natal e admitem que podiam ter deixado de vir porque, disseram, "a vida já corre melhorzinho, felizmente", mas neste pavilhão encontram a "família da rua", pelo que "é difícil faltar".
"Já não vamos às carrinhas [de entrega de comida nas ruas] há quatro anos, mas estamos aqui porque temos amigos aqui e porque os miúdos assim podem brincar e ver a realidade da vida", conta Telma.
São quase 23:00. Falta servir a aletria e o bolo-rei. Começaram a ser distribuídos os presentes das crianças, há azáfama na cozinha com Ermelinda Borges a prever que a "tropa" só desarme lá para as 02:00 ou 03:00, quando tudo estiver limpo e arrumado.
Camila continua a dançar. A letra da música que a fez saltar da mesa dizia "no conforto pobrezinho do meu lar, há fartura de carinho", um verso que o companheiro Manuel António repete à Lusa, adaptando: "Aqui há fartura e carinho, há de tudo. Hoje é dia de festa e mais nada".
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