Não se pode dizer que seja uma absoluta surpresa, mas esta noite o Reino Unido voltou a baralhar e a dar de novo. O facto curioso é que, em menos de um ano, dois primeiros-ministros do mesmo partido, Cameron em 2016 e agora May em 2017, jogaram o seu futuro político precipitando um referendo, num caso e uma eleição no outro que, simplesmente, não tinham que fazer.

Vamos aos números: as primeiras projeções das eleições britânicas realizadas esta quinta-feira apontam para que os Conservadores, partido liderado por Theresa May e que atualmente governa o Reino Unido, sejam os mais votados mas sem maioria absoluta e obrigados, se assim for, a negociar acordos parlamentares num país que se prepara para um dos atos mais emblemáticos da sua história recente e que é a consumação da saída da União Europeia, vulgarmente conhecida por Brexit. Problema: não se vislumbram acordos parlamentares viáveis, a julgar pelas primeiras declarações de intenções. O Ukip, partido paladino da saída da União Europeia liderado até ao Brexit por Nigel Farage e agora por Paulo Nuttall, não parece ser fogo amigo para Theresa May.

Os analistas ingleses referem-se mesmo a uma noite de afiar facas contra a líder dos Tories, uma vez que para o Ukip, com este resultado, May poderá ter posto em causa a sua grande bandeira que é a saída consumada da UE. Sem Ukip, os Liberais Democratas, que se alinharam com os conservadores na era de Cameron, poderiam ser outra alternativa. Isso se o Brexit não tivesse deixado fracturas difíceis de consertar, isso se os Lib Dem como são conhecidos já não tivessem inclusive defendido um segundo referendo à saída da UE.

O que nos faz virar os olhos para o outro lado. E do outro lado, também conhecido como a oposição clássica aos Tories (conservadores), temos o Labour (trabalhistas) de Jeremy Corbyn. O líder trabalhista é todo ele uma história de volte-faces surpreendentes e o desta noite pode ser só mais um. Era o candidato que poucos acreditavam que realmente pudesse ganhar a liderança do partido, e ganhou. Era o líder de oposição de quem os defensores da permanência do Reino Unido esperavam uma defesa mais clara e assumida dessa opção, e perdeu. Agora é o líder do segundo partido mais votado, com 266 lugares garantidos, segundo as primeiras projeções. Confirmando-se os resultados estimados, Corbyn poderá contar com uma “pequena” ajuda do Partido Nacional Escocês, com 34 deputados eleitos, e os Liberais Democratas com 14 — segundo as previsões — igualar os conservadores com um total de 314 lugares no parlamento.

O que nos leva de volta ao tema da geringonça, o conceito pioneiro inaugurado por António Costa em Portugal aquando das eleições de 2015. Uma geringonça à inglesa é um cenário possível? Possível sim, mas não o mais plausível dadas as forças em presença e as suas relações e expectativas. Para já, esta opção de geringonça foi já apelidada de “coligação do caos” o que, por um lado, reflete a visão dos seus detractores, e por outro traduz a conflitualidade patente das forças políticas potencialmente coligáveis. Dos três partidos, Corbyn é o vitorioso que ganha lugares, enquanto o Partido Nacional Escocês perde, segundo se estima, 22, e os Liberais reforçam. Contudo, os Liberais não parecem estar interessados em coligações ou acordos, como atesta um tweet na sua conta oficial no início da noite.

"Estamos a receber muitas chamadas por isso só para ficar claro: não há coligações. Não há acordos.", pode ler-se.

Corbyn não mudou nem fez uma campanha especialmente entusiasmante, mas depois do balde de água fria que foi para parte da população inglesa o resultado do Brexit há quase um ano, esta pode também ser uma espécie de "vingança" das gerações com os mais novos a puxarem pelo Labour contra os partidos do "eixo Brexit".

Claro que há ainda os partidos mais pequenos, como os Verdes ou Plaid Cymru (nacionalistas galeses), mas se as peças no xadrez forem conformes com as previsões não chegam para virar o tabuleiro.

Em casa, Theresa May não tem um ambiente acolhedor à sua espera. Uma das figuras mais destacadas do Partido Conservador, George Osborne, não esperou sequer aquela boa noite de sono que os desaires em política recomendam como boa conselheira para afirmar ao canal de televisão ITV que May deveria pensar seriamente na demissão. Puxando dos galões como arquitecto da coligação com os LibDem em 2010, Osborne afirmou que “se ela [Theresa May] tiver um resultado pior que há dois anos e for quase impossível formar governo, então eu duvido que sobreviva a longo prazo como líder dos conservadores”.

Verdade seja dita que May não se ajudou a si própria. Embalada com as sondagens que projetavam há algumas semanas uma possível maioria absoluta dos conservadores, a atual primeira-ministra chegou a afirmar que se perdesse seis lugares que fosse, então Jeremy Corbyn seria primeiro-ministro. Perdeu 17.