Num colóquio organizado pelo PSD, intitulado “Eutanásia/Suicídio Assistido: dúvidas éticas, médicas e jurídicas”, na Assembleia da República, a antiga juíza conselheira e vice-presidente do Tribunal Constitucional Maria Lúcia Amaral defendeu que a ordem jurídica portuguesa “não pode permitir que o Estado imponha o dever de alguém viver em qualquer circunstância, em qualquer sofrimento”.

“Essa obrigação de viver pode ser um dever que nos seja imposto individualmente pelas regras filosófico-morais, mas não tenho a menor dúvida que num Estado laico não pode ser imposto pela lei do Estado”, disse.

Referindo-se ao artigo 24.º da Constituição, segundo o qual “a vida humana é inviolável”, Maria Lúcia Amaral afirmou que esse princípio tem de ser lido de forma apenas jurídica.

“Não pode ser uma leitura de tal modo extrapolada de outros ordenamentos morais, religiosos, filosóficos que redundem nessa imposição comunitária a cada indivíduo de um dever de viver em qualquer circunstância, em qualquer estádio de sofrimento”, afirmou, justificando que é esta leitura que faz com que já não seja penalizada a tentativa de suicídio.

No entanto, advertiu, o Código Penal português pune atualmente com três anos de prisão quem matar outro, mesmo a seu pedido expresso, ou quem incitar uma pessoa a suicidar-se ou lhe prestar auxílio nessa tarefa.

Por isso, defendeu, se a decisão política for no sentido de aprovar a despenalização da morte medicamente assistida, “há exigências constitucionais claras que decorrem do dever que a lei do Estado tem de proteger os mais vulneráveis”.

Também o constitucionalista Jorge Reis Novais defendeu que uma mudança da lei no sentido da despenalização da eutanásia não contraria o artigo da Lei Fundamental sobre a inviolabilidade da vida, dizendo que essa seria uma leitura simplista, e foi mesmo mais longe.

“Só é possível o Estado impor à pessoa o dever de viver em nome de uma certa conceção de vida, de uma certa moralidade, de uma certa conceção filosófica-religiosa (…) esta imposição seria inconstitucional à luz de um Estado de direito”, disse, justificando que tal imposição, em situações de extremo sofrimento, é inconstitucional por violar “o princípio da dignidade humana”.

Para o constitucionalista, os deputados têm, por estas razões, uma grande margem de ação nesta matéria: “Deixar permanecer a situação como existe, em meu entender, constitui a manutenção de uma inconstitucionalidade”.

Em sentido contrário, o constitucionalista Tiago Duarte, e membro do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida, sublinhou que Portugal “não é um estado individual de Direito, mas um Estado social de direito”, dizendo que não vigora a lei ‘cada um sabe de si’ e que o Estado já impõe a vida contra a vontade do cidadão, em obrigações como o uso de cinto de segurança ou de capacete para os motociclistas.

Tiago Duarte sublinhou ainda que a Constituição consagra não o direito à vida mas a inviolabilidade da vida.

“Não é o direito individual de cada um, mas a vida enquanto bem jurídico geral”, disse, considerando ainda que a vida se distingue dos restantes direitos pela sua irreversibilidade, caso seja retirada.

Os três constitucionalistas admitiram a realização de um referendo sobre a eutanásia, conforme já foi sugerido pelo CDS-PP.

Para Tiago Duarte, a consulta é admissível dado que não serão direitos fundamentais a estar em causa, mas sim uma alteração à lei para deixar de punir “como crime a eutanásia e o suicídio assistido” ou, como disse Reis Novais, “o que está em causa é uma alteração à lei penal”.

A ex-juiza do Tribunal Constitucional Maria Lúcia Amaral também considerou que nada impede que esta matéria seja sujeita a uma consulta popular, mas admitiu a dificuldade de fazer uma pergunta clara que resulte num “sim” ou “não” dos portugueses.

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