Em 2021, o Tribunal da Relação do Porto absolveu a corticeira Fernando Couto do pagamento de uma indemnização pelos danos causados a Cristina Tavares, num caso de assédio laboral que remonta a 2017. Inconformada, esta recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciou em sentido contrário, devolvendo a definição do valor da compensação ao Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira que a fixou agora, em janeiro de 2023, em cinco mil euros.

A informação é confirmada através de comunicado da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM) hoje enviado às redações.

Cristina Tavares foi despedida uma primeira vez, em janeiro de 2017, alegadamente por ter exercido os seus direitos de maternidade e de assistência à família, mas o Tribunal considerou o despedimento ilegal e determinou a sua reintegração na empresa.

Dois anos depois, a empresa voltou a despedi-la acusando-a de difamação, depois de ter sido multada pela Autoridade das Condições do Trabalho (ACT), que verificou que tinham sido atribuídas à trabalhadora tarefas improdutivas, carregando e descarregando os mesmos sacos de rolhas de cortiça, durante vários meses.

Já em junho de 2019 a empresa aceitou voltar a reintegrar a trabalhadora antes do início do julgamento que visava impugnar o segundo despedimento.

Além da reintegração da trabalhadora, a empresa aceitou pagar uma indemnização de 11.250 euros por danos não patrimoniais sofridos, bem como os salários que a trabalhadora deixou de receber durante o período em que não esteve a trabalhar.

A situação de Cristina Tavares deu ainda origem a duas contraordenações da ACT, por assédio moral à operária e violação de regras de segurança e saúde no trabalho, tendo sido aplicadas coimas no valor global de cerca de 37 mil euros.

Entretanto, a trabalhadora instaurou uma ação em tribunal visando o pagamento de uma indemnização por danos sofridos pela prática de assédio laboral, mas o Tribunal da Relação do Porto absolveu a corticeira.

A trabalhadora recorreu da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que se pronunciou dizendo que a indemnização deveria ser referente ao período do segundo despedimento – 10 de Janeiro de 2019 até 1 de Julho do mesmo ano - data da reintegração da trabalhadora.

A decisão, que contraria a tomada pela Relação em julho de 2021, devolveu a definição do valor da compensação ao Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira que a fixou agora, em janeiro de 2023, em cinco mil euros.

O caso chegou a levar o Ministério Público (MP) a deduzir uma acusação contra a empresa com sede em Santa Maria da Feira, bem como cinco arguidos, designadamente os membros do conselho de administração e diretores de produção e qualidade, aos quais imputou a prática de um crime de maus-tratos.

No entanto, o Juízo de Instrução Criminal da Feira decidiu, já em 2022, não levar a julgamento a corticeira e os restantes acusados, considerando que havia uma “absoluta falta de sustentação” da acusação quanto a Fernando Couto Rocha, presidente do Conselho de Administração da empresa, por “não haver quaisquer indícios da sua participação pessoal nos factos, ou sequer na gerência efetiva da sociedade, de que o mesmo se afastou há mais de oito anos”.

Mais uma vez, em causa estava o facto de a administração da corticeira ter alegadamente criado um ambiente “hostil, intimidatório e degradante” para levar a operária Cristina Tavares a despedir-se, após ter sido obrigada pelo tribunal a reintegrá-la.

“O Tribunal considerou ainda improcedente a tese do MP de que a trabalhadora Cristina Tavares estaria numa situação ‘particularmente indefesa’, desde logo porque dispunha e fez uso dos mecanismos institucionais e não institucionais à disposição para sua defesa, refere a mesma nota”.

Ainda relativamente à corticeira Fernando Couto, segundo o comunicado, o Tribunal entendeu que a apreciação da sua responsabilidade “estava já prejudicada e abrangida por decisões anteriormente proferidas em processos de natureza não-penal”.

À data, a corticeira congratulou-se com esta decisão.

Agora, em comunicado, a FEVICCOM considera que se "fez justiça" com a decisão do pagamento de cinco mil euros à trabalhadora por assédio laboral. "Num processo que já vai longo, a trabalhadora viu, finalmente, reconhecido o seu direito a uma indemnização por danos causados pelo assédio laboral, o que foi permitido pelo recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)".

A FEVICCOM defende que "é necessário que a prática de assédio laboral seja considerada crime integrado no Código Penal, reitera que "é imperioso que se proceda à inversão do ónus da prova para todo e qualquer tipo de assédio e não apenas quando fundado em fatores de discriminação", considera "fundamental criar um sistema eficaz de protecção das testemunhas, que contribua para facilitar os meios de prova nos casos de assédio laboral" e diz ser "urgente a regulamentação das doenças profissionais derivadas do assédio laboral".