Em declarações à Lusa, António Louro, coordenador da Proteção Civil Municipal, disse que Mação fez distribuir dezenas de motobombas por todas as aldeias do concelho, "para um primeiro combate enquanto os bombeiros não chegam", e criou o sistema McFire, ferramenta informática que permite levar a informação sobre a zona de combate para o posto de comando e monitorizar o desenvolvimento do fogo em tempo real.
Com mais de uma centena de pequenos aglomerados populacionais espalhados pelos 41 mil hectares do território de Mação, essencialmente florestal, o objetivo da distribuição de motobombas é "dar alguma capacidade de autoproteção às populações das aldeias mais isoladas", tendo a autarquia promovido ainda a criação de grupos de autodefesa.
"O descontrolo de qualquer incêndio nascente representa um significativo perigo para as populações e seus bens, sendo que, em 2003, foram muitas as situações em que os incêndios florestais atingiram as áreas limítrofes e até o interior de aglomerados populacionais, tendo-se verificado, inclusivamente, situações de várias aldeias estarem a ser atingidas pelo fogo e sem a presença de viaturas de bombeiros", observou António Louro.
"Desta forma todas as aldeias ficaram dotadas de meios que poderão utilizar na sua autodefesa", destacou o mentor de projetos de prevenção, vigilância e combate a incêndios de Mação, tendo lembrado que, em situações de fogo, "a proteção dos aglomerados urbanos e das suas populações sobrepõem-se ao combate do incêndio florestal, verificando-se, mesmo assim, que os meios no local são sempre em número inferior às necessidades.
Nesse sentido, foram entregues a cerca de 80 aldeias do concelho motobombas e respetivos depósitos com capacidade para 600 litros, e ministradas instruções para o correto manuseamento e manutenção destes equipamentos.
"Em todos os aglomerados onde existem coletividades ou associações recreativas, os equipamentos estão à guarda destas instituições. Nos aglomerados mais pequenos encontram-se à guarda de cidadãos a título individual", contou aquele responsável.
Assim, frisou Louro, "e até à chegada dos bombeiros, a população tem este recurso para fazer, no mais curto intervalo de tempo, um primeiro ataque às chamas, que na maioria das situações se revela essencial para o controle e extinção das mesmas".
Quanto ao McFire, “é um sistema muito útil no apoio à decisão imediata, porque dá a exata realidade do que se passa no terreno, transmitindo uma visualização adequada das áreas de incêndio, da sua possível progressão e da exata localização do fogo, e que permite fazer a escolha do ponto adequado para ataque a um ponto de incêndio, ou a determinação do caminho para lá chegar, funcionado como uma célula de planeamento das intervenções a realizar", destacou.
Por outro, acrescentou, o sistema MacFire, através da utilização da tecnologia GPS, "dá a imediata informação sobre a localização de todos os meios terrestres envolvidos no combate, sabendo-se, a todo o momento, a exata posição de cada viatura, além de informações para reconstituição histórica e análise" da ocorrência.
"O sistema MacFire é muito útil na recolha e gestão de informação para definir a melhor estratégia para a utilização dos meios de combate disponíveis", vincou, tendo lembrado ainda a importância das ‘buldozzers’ no combate direto, estando as duas de Mação equipadas com GPS e rádio.
Segundo lembrou António Louro, "desde 2003 foi criada a AfloMação, associação dos proprietários florestais do concelho, foi construída uma rede de caminhos florestais com mais de 2200 quilómetros, e diversos grandes pontos de água onde os helicópteros possam atestar, como a lagoa do Bando, que se localiza exatamente no centro do concelho", elencou.
Além do Plano Municipal de Ordenamento Florestal, foi ainda implementado um sistema municipal de vigilância e primeira intervenção, rede de comunicação municipal via rádio, sinalética florestal, circulares de proteção aos aglomerados urbanos, rede de faixas de gestão de combustíveis e linhas elétricas, e ainda as duas ‘bulldozers’ sempre prontas a sair nas alturas críticas.
A constituição do Gabinete Técnico Florestal, postos de vigia e equipamentos de navegação por GPS em todas as viaturas da Proteção Civil e bombeiros municipais, que permitem o controlo da sua localização e situação de operacionalidade em tempo real, são outros elementos elencados por António Louro no conjunto de "ferramentas fundamentais de combate" aos incêndios.
No entanto, alertou, e "apesar de todo esta experiência de trabalho no terreno e do historial de incêndios florestais, Mação não está a salvo de ser assolado por mais uma catástrofe deste género. Mação e mais de metade do território nacional", concluiu.
Exemplo florestal em Mação elogiado em todo o mundo mas em Portugal "falta coragem política"
"Nos últimos dez anos já apresentei este projeto mais de 200 vezes em todo o mundo e já recebemos em Mação cerca de duas dezenas de ministros e secretários de Estado dos sucessivos governos. Foi uma década perdida. Todos elogiam e dizem que este é o caminho, mas o tempo passa e tudo está na mesma”, disse à Lusa o responsável pela proteção civil naquele concelho do distrito de Santarém.
Segundo o também vice-presidente da autarquia, "falta coragem política para avançar com o modelo e para testar este projeto-piloto em Mação, que pode ser de interesse nacional", num investimento na ordem de um milhão de euros, nas contas do responsável, alertando que o que aconteceu nos grandes incêndios de Pedrógão [Grande], na passada semana, “pode acontecer amanhã em Mação".
A autarquia de Mação procura apoios financeiros para implementar há mais de uma década um conceito de "gestão total" de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), com novos modelos de gestão do território agrícola e florestal, assente em minifúndio, numa lógica de agregação funcional da exploração das potencialidades produtivas, que permitirá partilhar entre todos o rendimento das áreas mais rentáveis, como o eucalipto, bem como os custos de manutenção das infraestruturas, como os aceiros.
"É a única forma de estruturar e ordenar a floresta, visando a criação de riqueza e a proteção da mesma contra os incêndios florestais", defendeu António Louro.
A ideia assenta na "agregação de territórios de minifúndio com um mínimo de mil hectares, ganhando escala e estruturando empresarialmente o conceito de gestão do território, com a abertura a fundos de investimento e com solidez jurídica, respeitando a propriedade privada, e definindo racionalmente modelos de utilização agrícola e florestal dos espaços".
Com cerca de 41.000 hectares de área, 122 lugares e aldeias onde residem cerca de sete mil e quinhentas pessoas, 80.000 pequenas propriedades e 95% de área florestal, Mação viu o seu território ser devastado por incêndios nos últimos 30 anos.
A área ardida somada da extensa mancha florestal do município ultrapassa, desde 1991, "já mais de 120% da área do concelho, um verdadeiro cenário de catástrofe", segundo António Louro.
O cadastro territorial de Mação identifica mais de 20 mil proprietários de pequenas parcelas de terreno (minifúndio), com 0,7 hectares de dimensão média.
Desta forma, frisou, não há território que resista e que seja sustentável ou possa ser gerador de riqueza, mais a mais quando os seus proprietários emigraram e as terras estão ao abandono.
"Apesar da excelência do sistema de proteção civil existente em Mação, estamos conscientes de que apenas com o reordenamento da paisagem e melhor gestão dos espaços florestais, poderemos vir, um dia, a estar mais tranquilos", assinalou.
Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, disse, por sua vez, à Lusa estar "profundamente preocupado" com a "insustentabilidade da coesão territorial nacional" e "com a falta de respostas e soluções por parte dos governantes", tendo afirmado que vai fazer uma exposição do problema ao Presidente da República, lembrando que as recentes tragédias ocorridas com o incêndio de Pedrógão são "um retrato do abandono” das terras e das aldeias.
"Em Mação, o conceito que desenvolvemos centra-se na humanização do território e no devolver da vida aos territórios rurais de modo a que sejam produtivos e ajudem a fixar pessoas. Por outro lado, as estatísticas dizem que, em 2040, cerca de 80% das pessoas viverá no litoral. Como é que isto é possível sem que haja um sobressalto nacional?", questionou.
A visão integrada de Mação, que "já foi dada a conhecer a dezenas de ministros e secretários de Estado portugueses", tem merecido a atenção de entidades internacionais e, inclusive, recebeu prémios como o "Batefuegos de Oro", em Espanha, além de outras distinções e convites de entidades ligadas ao desenvolvimento rural espanholas, da Universidade de Santiago de Compostela, da Hungria e Sérvia, entre outros.
Para António Louro, "os problemas de Mação e de grande parte do território rural português têm uma raiz funda e, infelizmente, partilhada por muitas regiões, não apenas em Portugal, mas também outras regiões rurais da Europa, e são consequência da saída abrupta, após séculos de permanência, das populações rurais", observou.
"Temos hoje um coberto florestal denso, contínuo, altamente inflamável, praticamente impenetrável, que cobre quase todo o território do concelho de Mação, uma nova paisagem que existe há poucas décadas e que resulta de grandes alterações socioeconómicas", apontou, tendo feito notar que "esta nova paisagem é extremamente propícia a incêndios de grande violência e elevada rapidez de propagação".
Para aquele responsável, "não sendo possível mudar o clima e fazer desaparecer as altas temperaturas, a baixa humidade ou o vento Leste por decreto, resta tentar reequilibrar a paisagem às condições climáticas".
Apesar de todo o trabalho realizado, o autarca refere que “ele não é, de modo algum, suficiente” para que traga segurança completa.
“Os fogos neste tipo de territórios serão sempre uma enorme preocupação. Estou convicto que, se formos capazes de colocar em funcionamento as ZIF, acompanhadas pelas sociedades de gestão de aldeia, com isso reequilibrarmos a paisagem do mundo rural e o nível de risco e a floresta poderá continuar a ser um motor económico desta região", afirmou.
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