Os hospitais começaram esta quarta-feira a ser notificados para fazer as notas de encomenda de bombas de insulina para crianças até aos dez anos com diabetes tipo 1. Ao todo serão entregues 640 bombas de perfusão. Já não serão todas distribuídas este ano, como prometido, mas não falta tudo.

Na segunda-feira, a Direcção-Geral de Saúde (DGS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) disseram ao SAPO24, numa resposta conjunta e sem esclarecer mais pormenores, que "ainda esta semana as diferentes instituições de saúde serão notificadas para fazerem as suas notas de encomenda para as bombas de insulina".

Na quarta, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) confirmou que recebeu o ofício para poder dar conhecimento ao aprovisionamento do número de bombas de que necessita para iniciar o processo de compra. Que depois terá ainda de ser aprovado pela gestão do hospital. O mesmo deverá ter já acontecido em outras unidades de saúde do país.

Luísa Barros é a responsável pelo pólo de adultos do CHUC e antecipa alguns problemas. "A celeridade destes processos depende do volume de doentes e também dos gestores dos centros. No caso do CHUC, posso dizer que costuma demorar meses", entre o pedido e a receção do material. E só no Centro há cerca de 150 adultos e 120 crianças com diabetes em tratamento.

O impensável aconteceu

Em 2016, o Ministério da Saúde, através da SPMS, em articulação técnica com a DGS e financeira com a ACSS, lançou um concurso público no valor ligeiramente superior a 807 mil euros para a adquisição de 640 bombas de insulina para novos pacientes.
O concurso foi ganho pela Medtronic e impugnado pelo concorrente que ficou em segundo lugar, a Roche. Este facto terá atrasado o processo e, consequência, as unidades de saúde não receberam as bombas.

Segundo as explicações obtidas pelo SAPO24, "após várias reuniões entre a SPMS e o concorrente ordenado em segundo lugar, houve um entendimento que teve por base o princípio da celeridade, da boa fé, do interesse público e, sobretudo, o superior interesse do cidadão, em levantar a impugnação".

O acordo entre o Ministério da Saúde e as empresas envolvidas foi conseguido recentemente. Só que o Programa Nacional para a Diabetes e a estratégia de acesso a tratamento com Dispositivos de Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina (PSCI), com o objectivo de assegurar a cobertura de toda a população em idade pediátrica até 2019, leia-se até aos 18 anos, é de 7 de novembro de 2016, ou seja, tem quase um ano.

A lei, que previa que as bombas fossem distribuídas pela Serviço Nacional de Saúde, sem encargos, a todas as crianças até aos cinco anos, foi alterada a passou a incluir crianças até aos dez, já em 2017. Mas ficou no papel.

Uma solução para crianças  que têm de ser picadas 6, 8, 12 vezes por dia

Todos os dias meninos e meninas entram e saem nos hospitais portugueses com problemas graves de insulina. Miúdos que para controlarem os níveis de glicemia têm de ser picados 6, 8, 12 vezes por dia – 42, 56, 84 por semana. Crianças que já não acreditam na palavra dos seus médicos, que já duvidam dos seus pais. Porque vivem de promessas adiadas.

A Beatriz Santos é uma dessas meninas. Tem 11 anos, frequenta o 6.º ano e é de Braga. Tinha sete anos quando lhe foi diagnosticada diabetes tipo 1. Na altura tinha só um irmão, o Afonso. Agora já tem mais dois, o Xavier, com quatro anos, e a Francisca, com 21 meses. Tudo isto aconteceu, só não chegou a sua bomba de insulina. Por isso, Beatriz desconfia. Quer acreditar, mas agora é "ver para crer".

A mãe, Gisela Santos, também não compreende. "Logo que foi diagnosticada a doença disseram-nos que a Beatriz iria para uma lista de espera. Mas nunca nos explicaram quais os critérios dessa lista de espera ou em que lugar estava. Sabíamos apenas que as crianças até aos cinco anos eram prioritárias e que desde novembro do ano passado as crianças até aos 10 anos passaram a ser prioritárias também, o que incluía a Beatriz. Mas não mudou nada. A médica da minha filha sempre estranhou que a Beatriz ainda não tivesse bomba, porque cumpre todos os requisitos. E, oficiosamente, uma das enfermeiras que trata da colocação das bombas já me disse que nem as de 2016 estão a ser colocadas. A situação é desesperante", conta.

E se a desgraça acontece?

A história contada atrás é uma entre muitas das que poderíamos ter escolhido. Basta seguir um dos vários grupos que existem nas redes sociais para perceber o sobressalto em que todos os dias vivem estas famílias.

Foi num destes grupos que o SAPO24 encontrou Sérgio Louro, um dos responsáveis pela Diab(R)etes, uma página de Facebook que reúne pessoas com diabetes, familiares e amigos de diabéticos, gente que procura conselhos e ajuda a qualquer hora do dia.

Este é outro problema. A diabetes é uma doença exigente que poucos conhecem. O tipo 1 é o mais grave e não é comportamental. "É uma doença crónica e auto-imune, não é hereditárias e não tem a ver comportamentos de risco. Pode afetar qualquer pessoa", explica Luísa Barros. Apesar disso, muitos continuam a pensar que tem a ver com maus hábitos alimentares, por exemplo. Não tem.

Ontem, a pequena Beatriz foi convidada a participar no Conselho de Professores. É que a escola que frequenta tem novos professores e, este ano, uma nova diretora de turma. Que entrou em “pânico” quando soube que teria uma aluna com diabetes. Em ata, ficou decidido que a mãe de Beatriz, Gisela, iria também dar formação a alguns funcionários da escola, pois, mesmo existindo um protocolo, entre chamar o INEM e a chegada de cuidados médicos, é necessário socorrer a aluna.

Muitas vezes são truques fáceis, mas é preciso saber agir no momento. Os pais de Beatriz já tiveram a sua dose de sustos. E ser mãe ou pai de uma criança com diabetes tipo 1 é uma profissão a tempo inteiro. Desde que foi diagnosticada a doença à filha, há quatro anos, todos os dias Gisela acorda às três horas e às seis da manhã para controlar os níveis de glicemia de Beatriz. A pequena nem sempre a acorda, mas às vezes tem de ser, quando os níveis de insulina têm de ser repostos e é preciso comer. Depois, tem de se levantar cedo para ir para a escola. E os pais têm de trabalhar. Uma vez na escola, este controlo tem de ser feito pelos adultos, professores ou funcionários. Complicado.

Com a bomba de insulina, toda o processo descrito é facilitado – a monitorização é constante e a administração de quantidade de insulina acaba por ser inferior (muitas vezes com a caneta fazem-se injeções superiores ao necessário). Além do conforto, das picadas que se evitam, da exposição desnecessária.

E os adultos, para quando?

Sérgio Louro é também diabético. Professor, a viver no Algarve, conhece bem as diferentes realidades. Há um ano estava na Assembleia da República a apresentar uma petição para o Sistema Nacional de Saúde comparticipar o Freestyle Libre, um sistema de monitorização de glicose que custa cerca de 120 euros por mês. Se não houver complicações de maior.

Gisela Santos comprou um para Beatriz. Suportar todos os custos, numa casa de seis, não é fácil. Já passou um ano e até agora o Parlamento ainda não voltou a pronunciar-se. Talvez se alguns deputados aderissem ao Diab(R)etes percebessem a dimensão do problema.

Que está longe de ser o único problema. Sérgio Louro não tem dúvidas sobre a prioridade das bombas de insulina para crianças. Mas questiona se não deveriam ser entregues também a alguns adultos em situação muito difícil.

A experiência de Luísa Barros nesta matéria é longa: 26 anos. "Temos casos muito problemáticos". Para a médica, deviam existir situações de exceção. "É claro que as bombas devem ser atribuídas a crianças até aos dez anos, talvez 12. Mas, depois, os médicos deviam poder justificar situações terapêuticas viáveis em função dos doentes que lhes chegam".

Quer isto dizer que as bombas, a partir de uma determinada idade, deviam ser atribuídas caso a caso. O que incluiria adultos, que agora estão completamente postos de lado.

Calcula-se que em Portugal existam entre 40 mil a 50 mil diabéticos tipo 1. Contudo não existem dados oficiais recentes.

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