“Eu diria que (a misoginia) foi um dos ingredientes, mas não o único, mas certamente um dos ingredientes. O meu processo de afastamento, na verdade, foi um golpe parlamentar”, declarou hoje Dilma Rousseff, durante uma conferência de imprensa na Fundação José Saramago, em Lisboa.

Dilma Rousseff foi afastada do Governo brasileiro pelo Senado a 31 de agosto de 2016, num processo bastante polémico, por irregularidades administrativas e fiscais.

De acordo com a antiga chefe de Estado e de Governo do Brasil, o seu processo de afastamento do poder “foi visivelmente manipulado”, na medida em que não houve algum crime de responsabilidade durante o seu Governo.

Do ponto de vista de Dilma Rousseff, os argumentos utilizados para o seu afastamento poderiam ser considerados como “irregularidade administrativa”, que poderiam merecer uma advertência, mas nunca o ‘impeachment’.

Indicou ainda que as mesmas medidas governativas também foram utilizadas por governos brasileiros anteriores, sem maiores consequências.

A ex-Presidente referiu que alguns “setores” da sociedade brasileira, como o empresarial e dos meios de comunicação, “aproveitaram a crise económica para criar uma crise política” e a misoginia foi “uma das formas de desqualificar” a figura da Presidente.

Essa desqualificação “consiste na construção de uma linguagem, com conteúdo específico, que cria um preconceito disfarçado”, disse Dilma Rousseff, referindo-se ao preconceito contra a mulher.

A ex-Presidente foi crítica em relação ao atual Governo de Michel Temer, que acusou de retirar direitos sociais e económicos adquiridos pelos brasileiros, sobretudo em relação ao congelamento dos gastos públicos nos setores da saúde e educação por até 20 anos.

A medida do Governo de Temer reajusta os gastos com estes dois setores de acordo com a inflação, mas não aumenta o montante a ser investido nestes dois setores.

As medidas de austeridade implementadas pelo Governo de Michel Temer “são uma continuidade do golpe parlamentar”, afirmou Dilma Rousseff, sublinhando que serve a interesses de determinados setores da sociedade mais conservadores.

“O Brasil não pode aceitar um Governo que congela gastos com a saúde e com a educação, que vende partes, de forma disfarçada, da Petrobras”, disse, referindo ainda que o executivo brasileiro “desconstruiu um pedaço da rede de proteção social que já estava criada”.

A antiga Presidente declarou que existe a possibilidade de o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhar as eleições presidenciais de 2018, que aparece à frente em sondagens com 38% das intenções de voto, e é por isso que vai bater-se.

Dilma Rousseff mostrou-se muito crítica em relação à atuação da imprensa brasileira, considerando-a “oligopólica”, que confunde regulação com falta de liberdade de imprensa.

“Eu acho que vocês (imprensa) têm responsabilidade no favorecimento que existe no Brasil”, declarou, em relação à publicação de determinados casos, que atingem mais determinados setores ou partidos do que outros.

Dilma Rousseff afirmou que é preciso, no Brasil “ampliar a democratização económica dos meios de comunicação” e uma “reforma política” ampla.

“O Brasil só voltará aos trilhos através da expansão da democracia” e não a diminuição desta, argumentou.

Dilma Rousseff está em Lisboa para proferir uma comunicação, intitulada "Neoliberalismo, Desigualdade, Democracia sob Ataque", na quarta-feira, no Teatro da Trindade, a convite da Fundação José Saramago, Casa do Brasil, INATEL, entre outros.