O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciou no dia 11 de julho a sua intenção de indicar o seu terceiro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington, capital dos Estados Unidos da América, uma possibilidade que, segundo Paulo Roberto de Almeida, tem prejudicado a imagem internacional do país.

“Só Repúblicas de bananas têm esse ‘familismo’, esse nepotismo, filhotismo, essa personalização de relações políticas importantes, como são as diplomáticas, num sistema que antigamente pertencia à aristocracia, às oligarquias, e que hoje é inaceitável para os padrões de uma diplomacia consolidada no sistema burocrático”, afirmou o ex-embaixador em entrevista à Lusa.

O diplomata não tem dúvidas ao declarar que Eduardo Bolsonaro não “tem capacidades” para atender as necessidades do cargo, apesar do chefe de Estado brasileiro confiar nas competências do filho, realçando o facto de falar várias línguas e de conhecer a família do Presidente norte-americano, Donald Trump,

“Ele não é capacitado, vamos ser muito claros. Acaba de fazer 35 anos, não tem formação adequada, conhece muito pouco, ou nada, de relações internacionais. Essa adesão às teses de Trump é algo estranho e até bizarro, porque certamente o Presidente norte-americano já colocou o Brasil naquela lista dos ‘shithole countries’, ou seja, um desprezo total por Estados que fornecem imigrantes ilegais aos EUA”, frisou o diplomata de carreira.

Paulo Roberto de Almeida exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior, tendo sido ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003.

Na sua passagem pelos Estados Unidos, Paulo Almeida seguiu de perto a situação de muitos brasileiros em situação irregular naquele país, reforçando, porém, a natureza “honesta” e “trabalhadora” da grande maioria desses cidadãos.

Em março deste ano, numa passagem pelos EUA, Eduardo Bolsonaro, que além de deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, classificou os imigrantes brasileiros em situação ilegal como uma “vergonha para o país”, uma atitude que não agradou a Paulo Almeida.

“Dizer que é uma vergonha para o Brasil ter imigrantes ilegais nos EUA não é verdade. Eles são pessoas que não tendo oportunidades no Brasil, como muitos outros latinos, africanos ou asiáticos, devido a crises económicas ou a guerras civis, buscaram com os pés uma vida melhor com as suas famílias”, garantiu o também professor universitário.

Questionado se a nomeação de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador não será uma estratégia de política externa delineada pelo Presidente, Paulo Roberto de Almeida disse que se foi essa a intenção, tratou-se de um “erro fundamental”.

“Pode ser que na conceção primária de política externa de Jair Bolsonaro fosse uma estratégia, mas é um erro fundamental.(…) Nos últimos 70 anos, na grande organização burocrática de relações internacionais do sistema da ONU, a diplomacia é conduzida pelos canais oficiais dos Ministérios das Relações Exteriores. Temos carreiras diplomáticas que compreendem todo um treino ao longo de décadas, para postos de certa importância. O filho do Presidente, certamente, não tem nenhuma capacidade para ser embaixador em quaisquer condições normais”, reforçou.

No entanto, para o diplomata, não é apenas a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador que afeta a imagem do país sul-americano. Também as adesões do Brasil a teses minoritárias o preocupam.

Nas últimas semanas, o Brasil ficou ao lado de países como o Iraque, Paquistão e Arábia Saudita, em causas vinculadas a Direitos Humanos na ONU, em relação a ideologia de género, sexualidade, ou proteção das mulheres, o que, na voz de Paulo Almeida, causa “perda de prestígio” do país, no plano internacional.

Em março deste ano, Paulo Roberto de Almeida foi demitido da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), cargo que ocupava desde 2016, naquele órgão vinculado ao ‘Itamaray’, nome como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, passando a ocupar um cargo na divisão de arquivo da mesma pasta.

Apesar de crítico dos Governos do Partido dos Trabalhadores (PT), foram as opiniões negativas tecidas ao Governo de Bolsonaro no seu blogue pessoal, nomeadamente ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, que terão levado à sua exoneração.

Pelo menos é nisso que o diplomata acredita, apesar de essa tese ter sido contrariada pelo executivo, que afirmou que a demissão “já estava decidida” antes mesmo da polémica.

À lusa, o ex-embaixador reforçou críticas a Ernesto Araújo, dizendo que o atual chefe da diplomacia brasileira foi uma “péssima escolha para o cargo”, e que acredita que o ‘chanceler’ conseguiu liderar um Ministério devido a “oportunismo”.

“Acho que foi uma péssima escolha. Não se sabia nenhuma adesão dele a teses de direita, e acho que construiu isso de forma artificial nas relações com Eduardo Bolsonaro ou Olavo de Carvalho (considerado ‘Guru’ de Bolsonaro. (…) Do ponto de vista internacional, alguém que resolver empreender uma campanha contra o globalismo, multilateralismo e comercialismo é alguém que em deficiências de raciocínio lógico em relação ao sistema internacional”, depreendeu.

“Eu não consigo compreender como é que um diplomata formado na escola do Itamaraty, nas leituras e na experiência internacional consiga aderir a teses tão bizarras quanto essas, a não ser por puro oportunismo”, concluiu Paulo Roberto de Almeida em entrevista à agência Lusa.

Diplomata brasileiro não acredita que Bolsonaro estabeleça relações com a CPLP

O diplomata do Ministério das Relações Exteriores brasileiro Paulo Roberto de Almeida disse hoje, em entrevista à agência Lusa, não acreditar que o Governo de Jair Bolsonaro estabeleça relações com a CPLP, e caso existam serão "residuais".

"Eu não creio que venha a haver iniciativas (com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP), ou se elas ocorrerem, se forem apresentadas, serão de efeito residual ou marginal. (...) Como não há nenhuma exposição detalhada de política externa do atual Governo, fica difícil saber quais as intenções deste executivo, afirmou o diplomata.

O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou em 19 de julho, que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é “uma prioridade total” para o Brasil e um exemplo internacional para os relacionamentos multilaterais.

“A CPLP é uma prioridade total para o Brasil. É uma das coisas mais especiais que nós temos porque é um fórum que ninguém tem. É um fórum que reúne países de quatro continentes em torno de uma herança cultural comum, que é algo muito profundo para nós”, afirmou, em entrevista à Lusa, o ministro Ernesto Araújo.

Porém, Paulo Roberto de Almeida crê que o novo Governo é "incapaz de formular políticas claras, gerais ou setoriais", acrescentando que, no plano das relações exteriores, não conhece nenhuma exposição concreta que esteja publicada em relação a orientações de política. "Dificuldades em se expressar" é uma das críticas apontadas a Ernestro Araújo.

"Todas as entrevistas do chanceler são sempre muito confusas. Ele (Ernesto Araújo) tem um problema claro de desequilíbrio emocional, porque não se consegue expressar. Fica em termos vagos, filosóficos, o que é ridículo. Todas as intervenções que eu vi dele, na Câmara dos Deputados ou no Senado, foi uma junção de conceitos filosóficos sem qualquer sentido para a agenda diplomática concreta", criticou.

Paulo Roberto de Almeida exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior, tendo sido ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003, e Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2003 e 2007.

Ainda acerca da CPLP, Paulo Roberto de Almeida revelou que a divisão brasileira que tratava de assuntos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Lisboa foi extinta no organograma do Itamaraty, algo que o diplomata considera "estranho".

"Tínhamos uma divisão da CPLP em Lisboa, e hoje quem trata desse assunto é uma secção que trata de Angola e de países da África meridional. Está tudo junto", realçou.

Outra postura do Governo brasileiro criticada pelo ex-embaixador brasileiro foi a mudança de abordagem em relação às relações com a China.

Paulo Roberto de Almeida relembrou que Jair Bolsonaro, enquanto candidato presidencial, passou pela Coreia do Sul e por Taiwan, onde teceu palavras duras em relação à China, afirmando que a potência asiática queria "comprar o Brasil e não comprar do Brasil".

Já Araújo, entre outras críticas, disse, em março, que o Brasil não iria “vender a alma” à China .

"Enquanto candidato a Chanceler, Ernesto Araújo falou de uma China maoista, algo que é absolutamente ridículo porque essa China já não existe há mais de 40 anos. É um país perfeitamente capitalista, ainda que sob um domínio do Estado do partido Comunista. (...) Essa hostilidade manifestada em relação à China foi rapidamente controlada, principalmente por força dos setores responsáveis pelos negócios brasileiros, como indústria e agricultura", afirmou o também professor universitário.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e, em 2018, 26,8% do total das exportações brasileiras foram para o país asiático, mais do dobro das vendas externas para o segundo colocado, os Estados Unidos.

Questionado acerca das futuras relações entre China e Brasil, o diplomata projetou perspetivas de "estabilidade".

"As relações com a China vão ser estabilizadas no mesmo patamar em que elas estiveram nos últimos dez anos, ou seja, uma desigualdade nos fluxos respetivos, uma assimetria evidente, mas uma estabilidade de negócios, que vão continuar a fluir", previu.

Contudo, o ex-embaixador brasileiro, autor do livro "Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty Brasília", diz-se "triste" e "constrangido" por reconhecer que a "diplomacia brasileira se encontra nos estado de letargia, confusão mental e numa ausência de objetivos claros, em lutas contra 'moinhos de vento'", concluiu em entrevista à agência Lusa.

*Marta Moreira, da Agência Lusa 

(Notícia atualizada às 09:37)