O abrandamento do crescimento da economia nacional, refletindo também a conjuntura externa, já era esperado há largos meses, mas as atualizações das projeções das principais instituições económicas trouxeram força a este cenário.

Na semana passada, por exemplo, o Banco de Portugal (BdP) reviu em baixa as perspetivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 1,5% em 2024.

“Os principais desafios estarão centrados na resposta à perspetiva de desaceleração da economia europeia e portuguesa”, considera o bastonário da Ordem dos Economistas, António Mendonça.

Uma opinião partilhada pelo diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira, que alerta que “a conjuntura externa está a degradar-se e é possível que haja novas deteriorações nos próximos trimestres”.

“A previsão de crescimento tem que ser realista e há que estar preparado para que possa ser ainda pior”, disse.

A pesar no enquadramento do Orçamento estão também, segundo o coordenador do NECEP – Católica-Lisbon Forecasting Lab, João Borges de Assunção, a inflação e a subida dos juros da dívida pública.

“A inflação deverá ser em média menor que este ano, pelo que o Governo não poderá contar com benefícios tão elevados com as receitas fiscais em 2024”, refere.

O economista assinala que “os juros deverão começar a subir de forma mais intensa, mas como apenas uma parte relativamente pequena da dívida total se vence durante o próximo ano, esse não é ainda um risco para o curto prazo”, ainda que acredite que há riscos “significativos” a médio prazo.

Um ponto para o qual António Mendonça também chama a atenção, recordando que este ano “teve a surpresa positiva dos efeitos da inflação sobre a redução do peso da dívida, muito em resultado do aumento da receita fiscal, resultante do aumento dos impostos indiretos”.

“Obviamente que o dinamismo geral da economia portuguesa, impulsionado fortemente pelo turismo, também contribuiu para isso. Para o próximo ano, este efeito positivo poderá reduzir-se ou mesmo eliminar-se. A quebra da procura interna, a redução das pressões sobre os preços da energia e a redução da inflação, poderão contribuir para isso”, disse.

O economista e professor Catedrático da Universidade de Coimbra José Reis destaca também que “a receita pública, beneficiada pelos chamados “dividendos da inflação” – preços mais elevados, receitas fiscais maiores -, ficará certamente pressionada pelo eventual abrandamento da inflação”.

Para Pedro Braz Teixeira e João Borges de Assunção outros dos desafios de Fernando Medina na elaboração da proposta orçamental serão as reivindicações salariais.

“Existe uma insatisfação generalizada com o estado dos serviços públicos – muito prejudicados pelos cortes no investimento público – e as greves que se antecipam só podem agravar a avaliação pelos cidadãos. A deterioração do poder de compra desde 2022, a baixa taxa de desemprego e a dificuldade de contratação de profissionais – sobretudo na educação e na saúde – poderá dar alento a lutas significativas, pelo que será um tema difícil de gerir”, considera Pedro Braz Teixeira.

João Borges de Assunção sublinha que “tudo indica que a inflação média ficará bem acima de 2% em 2024”, mas considera que “será pouco responsável quaisquer aumentos nos salários ou nas pensões acima de 2%”.

Para o economista, o tema da habitação também terá peso no desenho do próximo Orçamento, defendendo que esta área “exige reformas estruturais e consenso político e social”.

“Um bom princípio seria nomear um grupo de missão com a tarefa de elaborar um livro verde sobre o mercado da habitação. Parece-me ilusório pensar que os problemas da habitação poderão ser resolvidos no âmbito da política orçamental”, disse.

Para José Reis, “a despesa fiscal originada por benefícios injustos e pelo modo como o setor privado pressiona o Estado – veja-se a proposta da CIP sobre aumentos salariais, cujos encargos seriam em grande medida públicos – continuará a ser pressionada, num contexto em que a autonomia do Governo perante esses interesses parece escassa”.

Entre os desafios elencados pelos economistas, o fim das cativações é também apontado por Pedro Braz Teixeira.

“O Governo prometeu o fim das cativações em 2024, mas o investimento público até agosto só estava em 39% do orçamentado e no SNS ainda pior (20%). Ou seja, tudo indica que as cativações ainda estão a ser usadas de forma muito forte em 2023, pelo que será muito difícil cumprir a promessa de as eliminar abruptamente no próximo ano”, prevê.