Para nos colocar a pensar sobre ética e o que devemos aos outros, Peter Singer apresenta-nos o argumento do charco raso: “imagine que está a passar num caminho e há um charco, que é raso. Não é verão, não espera ver ninguém no charco, mas, à medida que se aproxima, percebe que há algo lá e quando vê de perto percebe que é uma criança pequena que está a afogar-se. Não vê ninguém à volta. A primeira coisa que pensa é ‘tenho de salvar a criança, antes que se afogue’. Mas, antes de se atirar para salvar a criança, ocorre-lhe o pensamento que vestiu as suas melhores roupas porque vai a um sítio importante e vão estragar-se na água lamacenta. É aqui que pensa que talvez a criança não seja da sua responsabilidade e não precisa de a salvar, nem de gastar dinheiro em roupas novas. Não teve nada a ver com isto, não empurrou a criança, porque não continuar no seu caminho? Seria errado agir desta forma?”.

Segundo Singer, todos nós, perante este dilema, habitualmente respondemos: “claro que estaria errado, não se pode comparar a vida de uma criança a roupas. Seria horrível deixar isso acontecer”.

No entanto, questiona, porque não estamos então a utilizar a mesma quantia, referente às roupas que estragaríamos, para salvar crianças que morrem diariamente por causas evitáveis relacionadas com a pobreza. Como, por exemplo, sugere apoiar a distribuição de redes de mosquitos em locais onde estes são responsáveis por um elevado número de mortes infantis.

“Se sabe deste facto e não doa a organizações que fazem este tipo de trabalho, é assim tão diferente da pessoa que passa pelo charco e deixa a criança a afogar-se?”, este é o mote que marca o tom da discussão sobre a necessidade e o dever de contribuir para ajudar aqueles que se encontram em situação de pobreza extrema. Todos somos a pessoa que passa pelo charco.

Para elucidar sobre o "movimento do altruísmo eficaz”, o filósofo explica que estes altruístas defendem que não podemos viver uma vida boa, num sentido ético, se não pensarmos que ajudar os outros é um objetivo importante de vida. Assim, ao tentar ajudar os outros, é necessário utilizar os recursos da melhor forma possível, sem desperdício, procurando ajudar o maior número de pessoas. Torna-se, por isso, necessário perceber onde o valor pode ser mais bem aplicado e não apenas doar de forma impulsiva, só porque nos mostraram uma fotografia de alguém numa situação de pobreza.

Sendo o objetivo ajudar o maior número de pessoas por dólar, explica, torna-se óbvio que para obter este resultado o valor deverá ser aplicado em países onde os rendimentos são inferiores.

“A linha de pobreza nos Estados Unidos para uma família de quatro pessoas, penso que é de cerca de 23 mil dólares por ano [o equivalente a cerca de 6 mil dólares por ano por pessoa]. Há mais de 700 milhões de pessoas que vivem com menos de dois dólares por dia, por isso, vamos dizer algo como 750 dólares por ano. Imaginemos agora que tem mil dólares que pode doar, onde é que este valor vai fazer a maior diferença?”, questiona Peter Singer, relembrando que ao doar a países de rendimentos baixos é possível fazer muito mais por muito mais pessoas, como colocar telhados impermeáveis nas casas de quem precisa ou distribuir mosquiteiras.

Sobre a melhor forma de avaliar uma instituição de caridade, Larissa MacFarquhar relembrou que muitas pessoas preferem doar em função da percentagem do seu dinheiro que vai diretamente para os projetos e da percentagem direcionada para administração e despesas gerais, mas que, no entanto, esta medida é “grosseira” e pode não ser necessariamente a melhor forma de avaliar uma instituição de caridade. Singer concordou, explicou porque “o rácio de dinheiro que vai para a administração em comparação com o que vai para projetos ou vai para países de baixo rendimento não é um bom guia”.

“Quando as pessoas usam este fator de seleção, no fundo, estão a pressionar as organizações a cortar a sua administração, o que muitas vezes as torna menos eficazes, porque depois não têm pessoal para acompanhar e gerir os projetos”, explica. O filósofo argumenta que o que importa é “o impacto no terreno, é estar a ajudar as pessoas com donativos diretos”, além de acompanhar os investimentos. “Saber se as redes mosquiteiras realmente salvam vidas, se protegem as famílias e se estão a ser usadas corretamente. Esse é o tipo de coisas que precisamos de saber e, depois, queremos ter uma ideia do benefício que estamos a fazer e com que custo”, acrescenta.

Segundo Larissa MacFarquhar, o “movimento de altruísmo eficaz”, tem sido criticado pela sua excessiva preocupação com a “eficácia” e em "medir os resultados", o que os leva a não investir em organizações cujos resultados podem ser menos mensuráveis, acabando assim por focar-se apenas em aliviar os efeitos da pobreza, em vez de "atacarem as causas sistémicas da pobreza". Apesar de concordar que se trata de uma tendência, Singer explica que é compreensível a necessidade de “provas” para assegurar que o investimento é feito, mas que há, efetivamente, organizações que fazem trabalho político e esse trabalho não pode ser medido.

A fechar, uma nota de esperança: Singer considera que cada vez mais pessoas são altruístas e conscientes sobre a importância de sermos solidários, mesmo durante a pandemia de covid-19.