“Eu penso que era necessário (a Lava Jato). Chegou a um ponto tal que era preciso uma virada e está ocorrendo. Isso é sempre doloroso, há sofrimento, há injustiças, há justiça, mas no conjunto é um processo importante, que mostrou que o Brasil tem forças para sacudir a poeira”, declarou o ex-Presidente brasileiro (1995-2002).

Fernando Henrique Cardoso (FHC) fez estas declarações aos jornalistas à margem do V Seminário Luso-Brasileiro de Direito, que se realiza em Lisboa entre hoje e quinta-feira.

A operação Lava Jato, tida como a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil, investigava inicialmente a atuação de 'doleiros' (pessoas que vendem dólares no mercado paralelo), mas, posteriormente passou a investigar também a corrupção na petrolífera estatal Petrobras, envolvendo políticos e outras empresas.

“Mesmo que percam (a fé) em alguns (políticos), os eleitores vão ter fé em outros. Depende do que as pessoas façam e digam. Temos que esperar pelos resultados da justiça. No momento, temos algumas acusações, umas parecem ser bem fundamentadas outras menos”, acrescentou.

Na semana passada, com base nos depoimentos dos executivos da Odebrecht, o juiz do STF Edson Fachin mandou abrir inquéritos para investigar 98 pessoas.

Entre elas, estão 39 deputados federais, 24 senadores, oito ministros, um ministro do Tribunal de Contas da União e três governadores.

Os acusados, que são possíveis candidatos presidenciais de 2018, como o senador Aécio Neves (PSDB – mesmo partido de FHC), serão investigados sobretudo por corrupção, branqueamento de capitais e falsidade ideológica (fraude) eleitoral.

“Tudo vai depender de que a justiça avance. O importante é chegar até ao final e haja uma decisão da justiça. O eleitorado vai acompanhar isso, com aflição, obviamente. Quem estiver comprometido tem de pagar algum preço, deve pagar”, sublinhou Cardoso.

Para FHC, a crise da democracia é geral, a crise dos partidos, a falta de confiança neles, "não sendo só no Brasil".

“No Brasil vive um momento difícil, pelo qual continuamos a passar. Há um problema moral, há desconfiança, muita corrupção. Entretanto, as instituições estão a funcionar, os tribunais, então temos condição de sair (desta crise)”, indicou Cardoso.

“Há também a questão económica. Este ano a safra é boa, vai haver mais recursos, há uma injeção de capitais para investimentos em infraestruturas, temos que engatar a nossa indústria com fluxos de produção contemporânea, mais criatividade. Leva algum tempo, mas o Brasil tem muitos recursos e penso que vamos sair desta” afirmou Cardoso.

Para o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário do Brasil, Osmar Terra, “a Lava Jato está a cumprir um papel muito importante de sanear a política brasileira, a questão ética e a moral".

“Está a proporcionar uma virada de página, um novo ciclo, uma nova forma de se fazer política. É imprescindível. Os governos da Dilma e do Lula têm vários ministros presos no âmbito da Lava Jato”, disse Terra.

“O Governo Temer tem ministros investigados, que possivelmente vai se iniciar um processo ou não. Tudo isso é importante para que se moralize a política, de uma forma mais profunda na vida pública e que se comece um novo ciclo. A população precisa acreditar em quem a está governando, por isso é muito importante o que está acontecendo”, sublinhou ainda.

Para o antigo magistrado do STF Eros Grau, o Supremo deveria agir com mais discrição nas questões da operação Lava Jato.

“O juiz deve fazer as coisas com a maior serenidade. É um erro televisionarem as sessões (da Lava Jato), corre-se o risco do juiz virar um ator”, sublinhou.

“O que deve ser feito, e parece que está a ser (pela Lava Jato), é moralizar. Mas um Estado, não pode ser um Estado de juízes. Um Estado democrático é aquele que tem um Executivo, Um Legislativo e um Judiciário, que atuam de modo harmónico e independente. Não podemos privilegiar nenhuma das partes do Estado democrático”, indicou Grau.