Mais de 80% de Portugal continental encontrava-se em setembro em seca severa, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, caracterizando-o de mês “extremamente quente”. Neste período, o total de precipitação acumulado foi de 621,8 milímetros (70% do normal), sendo o 9.º valor mais baixo desde 1931.

“Já há uns anos que não há chuvas como havia. Antigamente chegava a haver oitos dias de mau tempo, com vendavais, que eram os tempos do mar. Após os temporais aparecia peixe de todas as qualidades e toda a gente pescava. Agora não. O clima atual tem muita influência negativamente”, conta Adelino Santos, 70 anos, que pesca no Sado há cerca de seis décadas.

O pescador afirma que as altas temperaturas e a ausência de chuva têm levado ao desenvolvimento de algas no rio, que impedem o lançamento das redes de pesca. Além disso, diz, tem-se agravado o problema do assoreamento do Sado, que, em zonas onde já teve 10 a 12 metros de água, tem atualmente dois, três metros de profundidade, impossibilitando a navegação.

“Lembra-me que dantes a malta só apanhava o que queria e aquilo que queria. Agora não é bem assim. A malta tem de recorrer ao que houver e eu só ando cá porque a reforma não dá para estar a olhar para o lado”, lamenta Adelino Santos.

A comunidade piscatória, com cerca de 230 embarcações, dedica-se à pesca no rio Sado, no mar ou em ambos.

Os barcos que zarparam durante a noite para a faina vão chegando na manhã seguinte ao porto de pesca de Setúbal, uns atrás dos outros. O peixe - linguados, robalos, fataças, douradas, raias, fanecas, entre outros - é dividido e transportado em caixas de plástico para o interior da lota para ser pesado. Durante a tarde é feito o leilão.

“Como tem chovido pouco, há pouco peixe. Chovendo muito é bom para o mar, é bom para a terra e traz muita coisa que está em terra para o mar. E isso também é alimento para o peixe. Se não chover, que é o que está a acontecer, não dá peixe nenhum”, lamenta Alberto Lopes.

Com 57 anos, o pescador de mar desde os 14 explica, referindo-se ao peixe que se encontra no estuário do Sado, em zonas mais secas, que quando chove muito é “a própria água" que leva esse peixe para o mar, o que não tem acontecido nos últimos meses, devido à seca. Assim, diz, os peixes “acabam por não ter alimento” para se desenvolverem.

Enquanto os barcos chegam ao cais - alguns com música a bordo -, descarregam e dão lugar a outras embarcações. As gaivotas, às dezenas, aproveitam o banquete e comem o peixe que cai ou é deitado à água turva, povoada de tainhas. Numa das laterais do porto, há pescadores em terra a remendar as redes para as próximas fainas.

Miguel Sena, 39 anos, chega de mais uma ida ao mar. Pescador desde que acompanhava os avós, também considera que a ausência de chuva tem efeitos negativos na pesca.

“A chuva é o meio que existe para obrigar o peixe a sair do estuário [do rio Sado] e a ir para águas oceânicas. O peixe acaba por não sair daqui e mantém-se nesta água, que é menos limpa do que a água oceânica. A chuva acaba por ajudar a fazer essa mesma limpeza e o peixe também faz esse ciclo: sai para o oceano e regressa muitas vezes para a desova. E esse ciclo assim não funciona porque o peixe acaba por se manter aqui dentro”, explica.

O pescador relata que nos últimos meses tem notado menos quantidade e qualidade no peixe apanhado, apesar de reconhecer que o verão não é a época do ano onde há mais capturas.

“Quando o inverno vem e começam as chuvas, o mau tempo, o mar começa a agitar, é quando fazemos maiores capturas. Agora nesta altura é mais complicado. Mas já devia ter vindo um vendaval, como costumámos dizer, para mexer o mar. É preciso. Isso não está acontecer e sente-se nas pescas: na quantidade e na qualidade do peixe”, assegura Miguel Sena.

Opinião diferente tem Paulo Cardoso, 45 anos, pescador desde os 14 anos e que, até à data, “não nota diferenças” no momento de recolher as redes e fazer as contas ao peixe apanhado.

“A quantidade é igual. As pescas são ciclos. Este ano são melhores, para o ano será pior, para o outro ano poderá ser melhor outra vez. E os antigos já se queixavam de grandes crises de falta de peixe e depois volta a aparecer outra vez”, sublinha Paulo Cardoso.

Depois de mais um dia de faina, é quase meio-dia, hora de almoço para os pescadores. Daqui a umas horas regressam ao mar.

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