Os resultados fazem parte do projeto 'Equal', promovido pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) e pelo Centro Interdisciplinar de Estudos do Género do ISCSP – Universidade de Lisboa, que analisou 752 sentenças proferidas ao abrigo do Regime do Maior Acompanhado, entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2023, nas comarcas de Lisboa, Évora e Viana do Castelo.

O estudo, para o qual foram entrevistados 31 profissionais e famílias de pessoas com deficiência, explica que “com a nova lei, as pessoas maiores de 18 anos que se encontram impossibilitadas de exercer os seus direitos podem beneficiar de medidas de acompanhamento personalizadas para cada situação”.

No entanto, da análise feita, foi possível perceber que em 82% dos casos o juiz optou pela “medida mais restritiva de acompanhamento”, atribuindo poderes de representação geral aos acompanhantes da pessoa com deficiência, o que contraria as recomendações do Comité das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Uma realidade que muda ligeiramente quando analisado o período entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, em que descem para 78% as sentenças de representação geral e sobem para 21% as sentenças que decretam representação especial, “uma medida de acompanhamento menos restritiva em termos de direitos”.

Com a nova legislação, “a restrição de direitos pessoais deve ser excecional”, no entanto, o estudo verificou que isso aconteceu apenas em 10% das sentenças analisadas.

Entre as 752 sentenças, 84% definiam que as pessoas com deficiência não podiam fazer testamento, 72% não podiam exercer responsabilidades parentais, o que inclui perfilhar, adotar ou exercer direitos reprodutivos, 60% não podiam casar, 53% não podiam deslocar-se ou fixar domicílio, 29% não podiam escolher profissão e 13% estavam impedidos de votar.

Os resultados revelam que a implementação deste novo regime “é um processo complexo”, que “abre novas oportunidades para o exercício de direitos”, mas também “enfrenta múltiplas tensões e dificuldades”, seja por fatores económicos, políticos ou sociais.

“Desde logo a insuficiência de recursos nos tribunais e a pressão do tempo e do volume de processos parecem colidir com os requisitos de uma legislação que é ‘necessariamente mais lenta’ pela atenção que se exige para determinar medidas de apoio ajustadas a cada caso”, lê-se no relatório.

Por outro lado, alerta para a “persistência nos Tribunais (como na sociedade portuguesa, em geral) de uma visão da deficiência ainda demasiado assistencialista e baseada no modelo médico, que enfatiza incapacidades, em detrimento da promoção e apoio ao direito à autodeterminação”.

Defende, por isso, que é preciso continuar a promover ações de formação de magistrados, peritos, técnicos e famílias sobre o novo paradigma, com vista a “promover o apoio à decisão, em detrimento da representação (em que o acompanhante decide e o acompanhado fica impedido de exercer direitos) ”.

Entende igualmente que é preciso capacitar as pessoas com deficiência intelectual e psicossocial, “preparando-as e apoiando-as no exercício do seu direito à autodeterminação”.

Por último, recomenda a revisão da legislação "para que sejam clarificados alguns conceitos, como o âmbito e o conteúdo dos regimes de acompanhamento”.