No concelho de Góis, distrito de Coimbra, o reformado Manuel e a mulher, Lurdes, apascentam um dos últimos rebanhos de cabras das redondezas, a escassos quilómetros dos Poços da Neve, onde noutros tempos era carregado o gelo consumido na corte de Lisboa, especialmente na produção de sobremesas.

Por volta do meio-dia, na Aigra Nova, os animais saltam de fraga em fraga e escolhem o melhor alimento em liberdade, sem medo do frio que fustiga os vales e encostas, em janeiro.

“Embora com frio”, o rebanho movimenta-se à vontade e “vai para sítios abrigados”.

“Nem sabemos de onde é o vento e não temos frio”, afirma à agência Lusa o pastor Manuel Claro.

Na sua opinião, as cabras “andam melhor, muito mais luzidias, muito mais confortáveis com este tempo do que com chuva ou neve”.

“Com o pasto molhado, nem pegam tão bem. E assim andam à vontade”, declara, entre tojos, urzes e carquejas completamente enxutos, apesar do frio dos últimos dias.

Num dia soalheiro, quase primaveril, o ar da montanha está frio, entre o Trevim, o ponto mais alto da Serra da Lousã, com 1.204 metros, no concelho da Lousã, e a Aigra Nova e a Velha, no município de Góis.

Lurdes chama cada caprino pelo nome que lhe pôs. De cajado em punho, logo abaixo, Manuel espera que o gado se encaminhe para a aldeia, onde está a sede da Lousitânea - Liga de Amigos da Serra da Lousã.

Não há vento nem chuva, o que espevita dezenas de cabras e um chibo, num lugar que há alguns anos passou a integrar a rede turística Aldeias do Xisto.

Indiferentes à presença dos visitantes, exibem um pelo que brilha ao sol. Devoram com sofreguidão gramíneas rasteiras, rebentos tenros de arbustos e árvores.

No entanto, quando há frio com vento e chuva, “vê-se que estão arrepiadas e encolhidas, fogem para debaixo do mato e das árvores ou então fogem para o curral”, afirma Manuel Claro.

Nesta época, “há um pasto assim mais ou menos, mas os veados vêm primeiro” do que as cabras.

“Elas nem querem ir para ali porque lhes cheira” aos veados, que percorrem as serranias durante a noite, em busca dos melhores alimentos, explica o dono do rebanho.

Nos dias de temporal, os animais ficam no estábulo. O casal cultiva milho, nos meses quentes, cuja palha guarda “para os dias maus” do inverno.

Na manjedoira, as cabras comem ainda algum desse cereal, com que a família Claro produz a própria broa. “Num dia de chuva, não saem”, sublinha o pastor.

“Conseguimos suportar o frio aqui na serra. É tudo uma questão de adaptação”, segundo Rita Ribeiro, técnica da Lousitânea.

Os afazeres da associação “fazem com que não se consigam estar muito tempo parados”, refere, confirmando que os dias de temporal “são mais difíceis de suportar” do que o frio associado a “vento forte e chuva intensa”, na Serra da Lousã.

“As pessoas estão mais que habituadas a viver aqui e a ultrapassar as dificuldades”, salienta.

Nos dias limpos, o sol chega à Aigra Nova muito cedo. “Mas não é por estar frio ou por estar chuva que os habitantes deixam de sair com o seu rebanho”, declara Rita Ribeiro.

O mesmo acontece com os burros Golias e Gaitano, que integram o Núcleo Asinino das Aldeias do Xisto, da responsabilidade da Lousitânea.

“Isto para eles acaba por ser um clima bastante razoável, desde que não haja chuva e vento forte”, esclarece, enquanto os jumentos pastam na berma do caminho.

Os animais vieram de Miranda do Douro, no âmbito de uma parceria com a Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino.

“São burros mirandeses, estavam habituados a temperaturas baixas”, acentua Rita Ribeiro.

Na região, no inverno, verificam-se temperaturas ligeiramente superiores às do passado.

No século XIX, ainda se realizava a recolha de gelo nos poços do Santo António da Neve, no concelho da Castanheira de Pera, para depois ser consumido como neves ou sorvetes, na corte lisboeta e no café Martinho da Arcada.

Tendo as temperaturas subido nos últimos 150 anos, tal atividade seria hoje inviável, segundo o investigador Manuel Louzã Henriques. Também na Serra da Lousã, o inverno já não é o que era.