"É preciso que haja uma responsabilização por parte dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) para uma formação que faça a diferença no tratamento e na redução da prevalência das lesões que já existem, bem como na sua prevenção", indicou.
Paulo Alves, docente do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica do Porto (UCS), falava à Lusa no âmbito da sessão “Feridas: um problema/desafio nos cuidados de saúde”, inserida na iniciativa “Quintas com Saúde”, que decorre hoje naquela instituição de ensino superior.
De acordo com o especialista, a ferida complexa não é muito abordada nos programas de licenciatura, sendo poucas as horas dedicadas a esse estudo, quer a nível da medicina quer ao nível de enfermagem, não existindo, no último caso, unidades curriculares voltadas só para o tratamento de feridas, nomeadamente das crónicas.
Segundo referiu, já em 2008, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerava as feridas e toda a sua problemática como a "nova epidemia escondida", afetando milhões de pessoas em todo o mundo.
Embora o impacto das feridas não seja totalmente conhecido, devido à escassez de evidência científica que mostre os números associados à sua incidência e prevalência e os custos dos tratamentos, um estudo desenvolvido pelo docente, em 2015, mostrava que um em cada três doentes que recorreram aos serviços de saúde, entre 2013 e 2014, tinha uma ferida, o que equivale a 33% da população analisada.
O estudo, que envolveu 10.8840 utentes que foram atendidos, durante esse período, nos cuidados de saúde primários (CSP) e diferenciados (CSD), revelou que desses, 5.274 apresentavam feridas, estimando-se que existem 3,3 portadores de ferida por cada mil habitantes, em Portugal.
Para além disso, foi identificada uma taxa de infeção nos tecidos profundos em cerca de 18% dos casos, sendo o tempo médio de existência de uma ferida de 189 dias, o que se torna significativamente superior na ferida crónica em relação à aguda (412 e 32 dias, respetivamente).
Outras das conclusões indica que os portadores de ferida crónica têm, na sua maioria, entre 65 e 79 anos, não são ativos e possuem fatores de risco como a hipertensão (44,5%), a diabetes (25,1%) e a insuficiência venosa periférica (24,7%), o que dificulta a cicatrização.
Paulo Alves indicou ainda que o sistema de saúde nacional tem como indicador final a cicatrização, no entanto, no caso de doentes com ferida maligna, não se espera que esta cicatrize, mas sim que seja possível controlar os sintomas (dor e odor, por exemplo), para que estes tenham alguma qualidade de vida, ajudando-os ao nível físico mas também emocional.
"O tratamento de feridas assenta numa complexa abordagem do indivíduo que está incapacitado e necessita de ser tratado, sendo mais do que uma simples execução do penso ou curativo", concluiu.
Uma distribuição eficaz dos recursos, de forma a chegar a um maior número de pacientes, e a avaliação da relação entre o custo e a eficácia de novas tecnologias na área do tratamento de feridas são, para o especialista, outros dos desafios para os profissionais de saúde desta área.
Durante a sessão de hoje na UCS, que conta com a participação do investigador e coordenador da iniciativa, João Amado, pretende-se ainda avaliar a importância de uma equipa multidisciplinar que analise a situação económico-financeira, de ansiedade e ‘stress’ e as necessidades nutricionais dos utentes.
O Centro de Investigação em Saúde (CIIS) da UCS possui um laboratório especializado na área das feridas, o 'Wounds research Lab', que desenvolve estudos e investigações, incluindo ensaios clínicos, validação de novos produtos, tratamentos, deteção precoce de infeção e criação de dispositivos na prevenção e tratamento.
Comentários