À beira da raia, sob o sol envergonhado do que devia ser junho, ouve-se um galo. Segue-lhe um coro de idênticos animais, entre pintos para a engorda, patos franceses, protótipos de perus e, claro, galinhas. Esta não é a entrada principal do mercado de Estremoz, que todas as semanas se monta no centro da cidade alentejana, mas é precisamente pela curraleira que vamos entrar.

A um lado e ao outro, pequenas gaiolas levam dentro mais que o que deviam. Uma pequena galinha castanha, encaixada debaixo de duas outras, queixa-se da bicada que leva nas costas. Com a cabeça espetada para fora das grades, vai reclamando as dores. Ninguém lhe liga.

No reboliço do mercado, entre lavradores, comerciantes e compradores; entre turistas, forasteiros e jornalistas, vai-se negociando. “Não me arranja fêmeas?”, pergunta um homem ao dono das galinhas. “A semana passada levei seis e nem uma fêmea tinha”, acrescenta. “E quantas queria?”, pergunta o outro. “É que se não fico sem fêmeas”.

A conversa continua. Quando aqui ainda se vendiam cabeças de gado, dizia-se que, desde que era vendido pela primeira vez, às seis da manhã, até chegar ao meio dia, já os animais tinham trocado de dono sete vezes, numa sucessão negocial, de regateio e trocas.

Hoje, de quatro patas só coelhos e uns cães que passeiam, presos à trela que seguram os donos. A vigiá-los, sentada à sombra, está Maria do Céu Gonçalves. Vem para aqui desde que era "uma gaiata pequena". Vinha com a mãe vender perus. "Ela tinha muitos perus de campo; era aos cem e aos duzentos". Agora, vende os ovos que lhe sobram do consumo.

Não é tanto por necessidade, mas por tradição que aqui vem com e ovos ou flores, que, quando calha, também traz.

"Venho trazer aqui uns ovinhos e vou comprar outras coisinhas, hortaliças e assim — mas é aqui neste mercado, que é mesmo do campo", atira Maria do Céu, como que a desenhar com as mãos uma linha, um cá e um lá. Se virmos a avenida (cortada ao trânsito todos os sábados das 8 às 15 horas, conforme indica a sinalização) como um limiar de supermercado, a ponta da direita, onde fica Maria do Céu e as companheiras, é esse tal mercado de campo.

Mais ao fundo, à esquerda, ficam as grandes cuvetes e os grandes vasos. Linhas padrão de plantas e sementes, prontas a deitar na terra alentejana e a vingar no deserto regado. E vingam, seja à força de estufas, ou, "mesmo que não sejam de estufas, levam produtos para desenvolverem rápido... Aqui [do lado de Maria] não, aqui é mais ao natural", continua a produtora de pequenas dúzias de ovos, embrulhadas em papel de jornal.

"Os ovos do campo são sempre muito melhores que os do aviário. As galinhas andam fora, comem erva, comem pedrinhas, comem essas coisas todas — nada de farinhas. Os do aviário... as galinhas são encerradinhas, é só comer de farinha, não veem sol nem lua."

"As pessoas novas comem tudo, não lhe faz diferença", conta Maria do Céu. Por isso, os clientes são as pessoas mais antigas.

Uma delas é Felizardo Cabeça. Vem ao mercado sempre que pode. Entre o hipermercado ou esta feira, vir aqui "talvez seja mais por tradição", pondera Felizardo. "O produto praticamente será igual, quase igual, mas é tradição virmos aqui desde sempre. Os hipermercados estão cá há meia dúzia de anos, e isto está aqui não sei há quantos anos".

Maria do Céu discorda. No mercado tradicional as coisas são melhores, porque mais naturais. "Isto está muito mais desenvolvido. Antigamente havia muito coelho, muita galinha. Agora já não, é raro aparecer. Antigamente havia só coisas boas e agora são boas demais."

Na terra que tem, Maria do Céu tinha "uma grande tira de morangos, pequeninos, mas tão bons que eram". "E estes? Grandes! Enxovalhados! Mas estão cheios de químicos e de porcarias", teoriza. "Até mesmo na própria melancia", segreda, "dão uma injeção para elas se porem doces". "Antigamente, só aparecia lá para agosto ou setembro. Agora? Ó tempo que há melancia e melão". "As coisas não são nada naturais, nada, nada, nada…”, atira.

É à procura dessa genuinidade que Irene desce de Marvão para Estremoz. Escocesa, Veio para o Alentejo depois de muitos anos a viver em Inglaterra. Há vinte anos, decidiu com o marido arranjar alguma coisa no fora do Reino Unido. Vieram uma semana a Castelo de Vide e apaixonaram-se. Viram dezassete casas numa semana até encontrarem uma ruína para reconstruir. E cá ficaram. Tem um negócio de turismo rural e Marvão.

Vêm a Estremoz porque o mercado é "amoroso", explica. "As coisas que aqui encontramos são fantásticas", diz. O plano é, assim que se reformar, reverter o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e mudar-se para cá.

"Tudo aqui é muito mais fresco, provamos em casa e tem um sabor diferente, sente-se que acabou de ser tirado da terra". "Esta atmosfera é boa, tudo muito relaxado, toda a gente está descontraída. É que as filas nos supermercados portugueses conseguem ser horríveis!", esclarece.

No rossio de Estremoz, as filas são apenas as cujo passo marcam as vagarosas bengaladas das idades. Aos bancos de jardim juntam-se velhos a ver quem passa e a ver o que se passa. As cabeças rodam devagar à passagem dos poucos carros.

Não há o gemer das rodas dos carrinhos de compras, mas há o chocalhar dos sacos e o bater dos copos nas esplanadas que ponteiam o recinto. Ao fim da manhã, a estrutura vai desaparecendo. O centro comercial erguido horas antes desmancha-se, entre o desarmar dos postos, o enrolar das cordas e o dobrar dos toldos.

As carrinhas fecham os taipais e as velharias que ninguém levou retornam ao sítio de onde vieram. Amanhã, domingo, há feira em Borba. Há os que vão lá. E há os que voltam, no próximo sábado, a este mesmo mercado.