"Acredito que a próxima semana vai ser terrível”, disse Miller, de 51 anos, em entrevista à AFP. A empresária britânica fazia referência à decisão do Supremo Tribunal sobre o Brexit, que deverá ser conhecida esta terça-feira.
Os 11 juízes do Supremo Tribunal vão pronunciar-se sobre uma decisão de um tribunal de Londres que determinou que o governo não pode ativar o artigo 50 do Tratado de Lisboa — para iniciar o divórcio do Reino Unido da União Europeia — sem consultar previamente o parlamento.
Gina Miller, gestora de fundos de investimento foi a principal queixosa neste processo.
Para muitos, Miller é uma heroína. Mas há quem considere que está a tentar boicotar a vontade popular manifestada no referendo de 23 de junho de 2016, e que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia.
Quando apresentou a ação em tribunal para impedir que May e o seu governo acionassem o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, alguns dias após o plebiscito, a empresária esperava ser alvo de críticas, mas não antecipou a dimensão do que iria enfrentar. "Eu não esperava ter de mudar a minha vida privada", confidenciou à AFP a mãe de três filhos.
O seu passado foi revisto pelos tabloides, precisou de contratar um guarda-costas, deixou de usar transportes públicos e diz que passa os fins de semana recolhida em casa com a família. A maioria dos insultos que recebe são racistas, sendo que muitos insinuam que Miller, nascida na então colónia britânica de Guiana, nem sequer é britânica.
"Coisas que eram consideradas inaceitáveis agora são aceitáveis", lamentou. “Chamam-me de primata. Não sabia que vivíamos num lugar como este. Acho que se eu fosse um homem branco, teria sido mais fácil”, acrescentou.
Sem arrependimentos
Miller garante que não se arrepende de nada e não esconde a sua oposição ao Brexit - como diretora de um fundo de investimento teme o seu impacto económico -, mas está consciente do que perdeu ao afrontar o governo com esta ação em tribunal.
Em causa estão agora os limites do poder executivo. A primeira-ministra Theresa May acredita que tem o direito de invocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa sem consultar o parlamento. O juiz do tribunal de Londres não concordou e, agora, cabe ao Supremo Tribunal avaliar o caso.
"Se perdermos [a ação], vamos retroceder 400 anos e não acredito que os juízes vão fazer isso", considerou Miller. "Se um governo agisse desta maneira, criaria um precedente. Conseguem imaginar? Qualquer primeiro-ministro poderia tomar decisões no futuro num escritório com quatro ou cinco ministros [sem consultar o parlamento]“.
"Acho que minha ação forçou [o executivo] a mostrar as suas cartas", disse Miller, em referência ao discurso sobre o Brexit de Theresa May, na semana passada, onde definiu as principais linhas orientadoras desta separação.
A primeira-ministra, que sucedeu a David Cameron após a vitória do Brexit no referendo de 23 de junho, afirmou que pretende uma “parceria nova e equilibrada” com a UE, para que o país saia “mais forte, mais justo, maus unido e mais aberto ao exterior que antes”. Theresa May confirmou que o Brexit vai implicar que o Reino Unido abandone o mercado único europeu, caso contrário ficaria “meio dentro, meio fora” da UE e estaria impossibilitado de negociar acordos comerciais bilaterais. O Brexit, disse, tem de significar o controlo do número de europeus que chegam ao Reino Unido, mas assegurou que os direitos dos que já residem no país vão ser garantidos, sem contudo dar pormenores. Reiterando a intenção de acionar o artigo 50.º em março, afirmou que espera concluir as negociações de saída no prazo de dois anos, aplicando o acordo, que disse vai ser submetido ao parlamento, de forma faseada. Advertiu por outro lado os parceiros europeus contra qualquer tentação de “punir” o Reino Unido, o que configuraria “um ato calamitoso que prejudicaria a própria” UE.
'Em frente, Gina!'
Miller cresceu numa família politicamente ativa - o seu pai, Doodnaught Singh, era procurador-geral da Guiana - e já protagonizou uma campanha para que os investimentos financeiros fossem mais transparentes. Miller considera que é seu dever falar quando os outros se calam.
"Tudo o que está relacionado com o Brexit é tão emocional que as pessoas têm medo de falar, e isso não é bom", explicou. Apesar da pressão, as mensagens de apoio que tem recebido reforçam a sua determinação. "Um menino de 10 anos fez um desenho de mim com um emblema de super-herói a dizer: 'Em frente, Gina!'. Isso dá-me força. Porque não sou invencível", concluiu.
Prova de fogo para May esta terça-feira
A primeira-ministra britânica, Theresa May, conhecerá esta terça-feira a sentença do Supremo Tribunal que irá ditar se o parlamento tem ou não a palavra final no que concerne a ativação do Artigo 50.
A máxima instância judicial britânica decidirá se May pode usar os seus poderes executivos para abrir as negociações formais de saída da União Europeia (UE) ou se precisa de permissão do Congresso, como já foi decidido pela Câmara dos Lordes.
É expectável que o Supremo Tribunal ratifique a decisão do tribunal de Londres, pelo que os ministros de May já preparam a legislação necessária para minimizar os danos. Não se espera que o parlamento - onde os pró-europeus são maioria - impeça a ativação do artigo 50 porque isso seria visto como um desrespeito à vontade popular expressa no referendo de 23 de junho de 2016, mas os problemas podem surgir no futuro.
Além disso, o Supremo poderá complicar mais o processo, se decidir que os governos regionais da Escócia, de Gales e da Irlanda do Norte precisam aprovar os planos de May.
O líder dos Trabalhistas, Jeremy Corbyn, limitou-se a afirmar, este domingo, que o seu partido iria "apresentar emendas para que se garanta o acesso ao mercado único e à proteção dos direitos" dos trabalhadores.
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