Os protestos seguiram-se à morte de um adolescente de 17 anos, Nahel, abatido a tiro pela polícia em 27 de junho em Nanterre, arredores de Paris, num controlo de trânsito do qual fugiu por não ter habilitações para conduzir.

Seguiram-se noites de tumultos em várias cidades francesas, em que edifícios, carros, instalações públicas e esquadras foram incendiadas, levando à detenção de centenas de pessoas, a maior parte das quais jovens, e dezenas de polícias e manifestantes feridos.

A marcha de hoje, realizada anualmente, estava porém relacionada com a morte de Adama Traoré, jovem negro que morreu pouco depois de ser detido pelos ‘gendarmes’ [guardas militarizados] em julho de 2016, apesar da proibição de manifestações imposta pelas autoridades por “riscos de perturbação da ordem pública”.

Em Paris, segundo a agência France-Presse, mais de mil pessoas reuniram-se à tarde em memória do jovem e a sua irmã, Assa Traoré que se tornou numa figura na luta contra a violência policial, falou num banco na praça da República perante vários eleitos do partido de oposição França Insubmissa (esquerda radical) e cercada por uma grande força policial.

“Nós marchamos pela juventude, para denunciar a violência policial. Querem esconder os nossos mortos. Permitem marchas de neonazis, mas não temos permissão para marchar”, disse Assa Traoré, numa referência a um desfile de centenas de ativistas de ultradireita em maio em Paris que causou polémica por ter sido autorizado pelas autoridades.

“A França não pode dar lições de moral. A sua polícia é racista, a sua polícia é violenta”, afirmou também Assa Traoré, que tinha anunciado a sua presença na Praça da República na tarde de hoje, mas sem chamar diretamente os seus apoiantes para se juntarem a ela, por se tratar de uma manifestação ilegal.

O Governo “decidiu colocar lenha na fogueira” e “não respeitar a morte” do seu irmão, afirmou, desvalorizando o argumento usado pela polícia de Paris – falta de agentes, mobilizados para conter os motins, para garantir a segurança da marcha e proibir a manifestação.

Logo após o seu discurso, as forças de segurança pediram que a concentração se dispersasse e alguns empurrões aconteceram, enquanto os manifestantes entoavam “Justiça para Nahel”, testemunharam os jornalistas no local.

Os manifestantes abandonaram depois o local pacificamente.

A autarquia parisiense justificou a proibição da manifestação com o “contexto tenso” e as “cinco noites consecutivas” de violência urbana na região de Paris e na capital, após a morte de Nahel.

A violência urbana que se seguiu, a pior desde 2005, levantou o debate sobre os problemas sociais da sociedade francesa, desde as dificuldades dos bairros sensíveis às relações tensas entre os jovens e a polícia.

Trinta outras manifestações contra a violência policial foram registadas na França, de Paris a Marselha (sul) e de Nantes (oeste) a Estrasburgo (leste). O desfile planeado em Lille (norte) foi proibido.

Em Estrasburgo, juntaram-se cerca de 400 pessoas, verificou a AFP. No total, cerca de uma centena de associações, sindicatos e partidos políticos alinhados à esquerda convocaram “marchas cívicas” para expressar o seu “luto e raiva” e denunciar políticas consideradas discriminatórias contra os bairros sociais.

Estas organizações exigem em particular “uma reforma profunda da polícia, das suas técnicas de intervenção e do seu armamento”.

O porta-voz do Governo, Olivier Véran, criticou na sexta-feira as convocações daquelas organizações, cuja “única proposta” é, argumentou, “convocar para se manifestar (…) no sábado nas grandes cidades que ainda não recuperaram dos tumultos”. Apontou particularmente para a responsabilidade dos políticos eleitos, incluindo os da França Insubmissa, liderada pelo ex-candidato presidencial Jean-Luc Mélenchon, que em 2022 ficou em terceiro lugar com 21,95% dos votos.

A França contestou hoje as observações excessivas e infundadas feitas por um comité de peritos da Organização das Nações Unidas (ONU), que sexta-feira criticou a forma como a policia lidou com os tumultos que abalaram o país.

O Comité para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU acusou a polícia francesa de “uso de força excessivo” e apelou a Paris para legislar contra a discriminação racial.

Em resposta, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês afirmou hoje que “qualquer medida de caracterização étnica por parte dos agentes da autoridade é proibida em França”, assegurando que “a luta contra os abusos dos chamados ‘controlos faciais’ tem sido intensificada”.

Desde 27 de junho, mais de 3.700 pessoas foram detidas devido aos distúrbios, incluindo cerca de 1.160 menores de idade, segundo dados do Ministério da Justiça, que deu conta de processos já apreciados que levaram cerca de 400 à prisão.