“Não há prazo, mas o que se passou é a instrumentalização do prazo para um protelar, para um adiar, uma decisão que já se sabia antecipada. Nos últimos meses, desde novembro até janeiro, nós assistimos a uma instrumentalização indevida de prazos constitucionais”, sustentou, em declarações à agência Lusa, numa referência também à demissão do primeiro-ministro, António Costa.

Para Paulo Otero, desde o momento em que foi apresentada a demissão e até que seja publicado o decreto que formaliza a exoneração, a Madeira tem “um governo demissionário e não um governo de gestão”.

“É um governo com a mesma capacidade jurídica de atuação, mas com uma capacidade política diminuída e que, por isso, se deve refletir também na atuação jurídica. Não é um governo em plenitude de funções, porque é um governo que sabemos antecipadamente que vai ter termo a curto prazo”, esclareceu.

O presidente do Governo da Madeira (PSD/CDS-PP) formalizou na segunda-feira junto do representante da República o seu pedido de demissão, mas Ireneu Barreto remeteu para mais tarde a produção de efeitos, eventualmente para depois da aprovação do Orçamento Regional deste ano, ainda sem data confirmada para ser discutido e votado no hemiciclo.

Sobre este documento, o constitucionalista alegou que este “não é um valor absoluto” por dois motivos.

“A primeira é porque não faz sentido que um governo demissionário apresente e subscreva ou continue a subscrever um orçamento que já não vai ser executado por ele. Em segundo lugar, o orçamento do ano anterior mantém-se em vigência”, afirmou.

O professor de Direito da Universidade de Lisboa lembrou que o representante da República tem o poder de indicar um novo nome para liderar o Governo Regional.

“Do Presidente da República não depende a nomeação de um novo presidente do Governo Regional. Não tem esse poder, apenas tem o poder de dissolução da Assembleia Legislativa. O poder que na República pertence ao Presidente, face ao Governo da República, nas regiões autónomas é exercido pelo representante da República”, justificou.

Em declarações à agência Lusa, Paulo Otero evidenciou que o representante da República pode esperar que o partido ou a coligação maioritária apresente um nome ou então tomar a iniciativa de escolher alguém que procurará formar um governo e ter uma maioria na Assembleia Legislativa Regional.

O Conselho Regional do PSD/Madeira deverá aprovar hoje o nome do sucessor de Miguel Albuquerque à frente do Governo Regional, após a sua renúncia na sequência do processo que investiga suspeitas de corrupção, no qual foi constituído arguido.

O órgão máximo do partido entre congressos marcou uma reunião para hoje, no Funchal, com declarações à comunicação social previstas para as 19:00.

Miguel Albuquerque (PSD) apresentou a demissão do cargo de presidente do Governo Regional por exigência do PAN, que impôs esta condição para manter o acordo de incidência parlamentar que garante maioria absoluta à coligação.

A crise política no arquipélago foi desencadeada por uma operação policial em 24 de janeiro.

O chefe do executivo foi constituído arguido e foram também detidos o então presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado (PSD), que entretanto renunciou ao cargo, o líder do grupo de construção AFA, Avelino Farinha, e o principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia, Custódio Correia.

“Constituição tem sido sistematicamente violada com a cobertura do Presidente da República” na Madeira

O constitucionalista Jorge Reis Novais defendeu hoje que a Constituição da República tem sido sistematicamente violada na Madeira, com a cobertura do Presidente da República (PR), sendo inventadas regras que não existem e invocados poderes que não têm.

“Nesta crise na Madeira, a Constituição não tem sido respeitada de forma nenhuma. A Constituição tem sido violada sistematicamente neste processo, com a cobertura do Presidente da República”, evidenciou.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa falava à agência Lusa na sequência da crise política que se instalou na Madeira após a demissão do presidente do Governo Regional.

Miguel Albuquerque formalizou junto do representante da República, Ireneu Barreto. o seu pedido de demissão na segunda-feira, depois de ter sido constituído arguido no âmbito de uma investigação a suspeitas de corrupção na Madeira.

O representante da República aceitou a demissão, mas decidiu que a mesma não produz efeitos imediatos.

"Estou a ponderar a melhor altura para que produza efeitos. Pode ser que seja ainda esta semana, pode ser que seja só depois do Orçamento aprovado. Neste momento, a data está em aberto", disse na altura.

Em declarações à Lusa, o constitucionalista Jorge Reis considerou que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, bem como o representante da República, Ireneu Barreto, e o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, “inventaram um regime legal que não existe na Constituição, nem no Estatuto da Região da Madeira”.

“O Presidente da República já tinha feito algo parecido aquando da crise na República e o Governo apresentou o pedido de demissão. Na Madeira isso ainda é mais flagrante, inventando a cada momento regras que não existem”, referiu.

Segundo Jorge Reis Novais, quando Miguel Albuquerque se demite, “basta comunicá-lo ao representante da República e fica imediatamente demitido”.

“Não tendo feito isto, o representante da República invocou poderes que não tem. Diz que não demitiu o presidente do Governo Regional e ele não tem esse poder, só tem o de nomear, pois quem tem o poder de demitir o presidente ou o governo regional é a Assembleia Regional ou o pedido de demissão apresentado pelo presidente do Governo Regional”, argumentou.

O especialista não tem dúvidas que o presidente do Governo Regional, bem como o seu governo, estão demitidos desde o dia em que foi apresentada publicamente a demissão.

“Tudo o que façam fora disso é violando a Constituição e o Estatuto da Região Autónoma. Nisso estão envolvidos tanto os órgãos regionais como o Presidente da República, o que é lamentável porque o nosso Presidente da República transformou a Constituição numa coisa como se fosse o Natal: quando um homem quiser e como quiser! A Constituição diz uma coisa, mas depois não serve e faz outra”, sustentou.

De acordo com o professor de direito, deve haver um decreto publicado em Diário da República, onde se comprove que existiu e quando um pedido de demissão ou uma exoneração, caso contrário “é uma fraude à Constituição”.

“Isso é necessário para haver eficácia e a data desses documentos não pode falsear aquilo que aconteceu. Se o presidente do Governo Regional apresentou o pedido de demissão no dia 29, imaginemos, essa é a data que tem que constar, a partir do qual o Governo ficou demitido”, alegou.

Jorge Reis Novais aludiu também “ao absurdo” de darem o “argumento falso” em relação à aprovação do orçamento, garantindo que “a proposta de lei para o orçamento da Madeira não caduca com a demissão do Governo”.

“Compete à Assembleia Regional saber se aprova ou não aprova. Esteja o Governo demitido ou não, a proposta não caducou, assim como as outras propostas de lei apresentadas pelo governo regional”, indicou.

Para o especialista, “tudo isso é uma mistificação” e a crise está a ser resolvida na Madeira como “se não existisse Constituição e estatuto da Região Autónoma da Madeira, e como se o Presidente da República e o representante da República não fossem obrigados a cumprir a Constituição”.

“Nas conversas com o representante da República, o Presidente da República já teve que comunicar ao representante da República se dissolve ou não, porque é completamente diferente o representante da República nomear um governo para três meses ou para continuar indefinidamente. O tipo de exigências que se faz do ponto de vista da composição são completamente diferentes”, disse ainda.

No seu entender, o representante da República precisa de saber qual é a posição do Presidente da República para aferir se é adequada ou não a nomeação de um novo presidente do Governo Regional e em que circunstâncias.