Não sei qual a importância que os britânicos atribuem, nos dias de hoje, à procura de soluções para os pecados que o ex-ministro grego das Finanças insiste em denunciar em mais um livro. "Uma batalha titânica pela integridade e identidade europeias, contra o crescente autoritarismo e corrupção, que promovem a desigualdade" – é esta a sinopse que a 'Amazon' traça do conteúdo do livro da "pop star" da esquerda europeia. Mas, num país onde se travam razões sobre as vantagens e desvantagens de pertencer à União Europeia, é talvez sintomático o interesse que um heterodoxo como Varoufakis desperta no púbico.

Na mesma semana, o Reino Unido vai estar ocupado com a celebração do 90º aniversário da mais icónica das suas cidadãs - e cidadãos. Elisabeth of Windsor, conhecida entre nós por rainha Isabel II de Inglaterra, bateu no ano passado o recorde de permanência no trono britânico, que pertencia à sua trisavó Vitória. De um pedestal que reconhece apenas como um "dever" e não como uma prerrogativa, que aliás ganhou por mero acaso das contingências histórias, Isabel tem preferido sempre ir de encontro aos cidadãos anónimos, mostrar-se sem ser demasiado conhecida.

Margaret Thatcher, a primeira-ministra conservadora britânica por quem, diz-se, a rainha não morria de amores, acusou-a um dia de votar no Partido Social-Democrata então nascente, após uma divisão dos Trabalhistas que levaram Roy Jenkins e David Owen a criar a nova formação política. Como em todas as - poucas – tentativas de ligar a soberana a alguma facção ou ideologia dos seus súbditos, o Palácio de Buckingham apressou-se a negar a preferência. Mas os biógrafos da casa real – uns autorizados, outros nem por isso – são unânimes em considerar que a rainha sempre pendeu, em toda a sua vida privada, para uma espécie de centro-esquerda europeu. Não é por acaso que se diz que o seu primeiro-ministro favorito - dos doze que já empossou – foi Harold Wilson, do "Labour".

Em Portugal, quando se quer falar das peculiaridades da actual Constituição, no que diz respeito aos poderes do Chefe de Estado, costuma dizer-se que ele não é a Rainha de Inglaterra, numa alusão à importância executiva que o monarca britânico tem vindo a perder no último século e meio. Salvo erro, a ideia tornou-se pública pela palavra de Mário Soares, que fazia uma interpretação extensiva das suas funções enquanto Presidente da República, tanto quanto a Constituição revista em 1982 lho permitia.

Mas se é verdade que Isabel II tem os seus poderes restringidos pela lei – a monarquia constitucional liberal rege a Inglaterra e as suas possessões -, a sua influência no seu longo reinado não é despicienda. A mais recente intervenção da rainha na política terá sido por ocasião do referendo com intenções independentistas da Escócia. Isabel II terá deixado escapar, numa declaração que os especialistas apelidaram de que "mais pública não poderia ter sido", a frase que não traduzo: "Well, I hope people will think very carefully about the future".

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Nesses dias de chumbo da política britânica, autores e jornalistas bem próximos do primeiro-ministro, David Cameron, revelaram que ele, normalmente frio e maquiavélico em relação à política quotidiana, terá passado um mau bocado, demonstrando assinalável nível de stress; diz quem dele está próximo, que a sua irritação com a indecisão escocesa levou a mulher a quase não o reconhecer, perdendo cabelo nesse anseio conjugal.

O Palácio de Buckingham, como sempre tem feito através da história recente, publicou um comunicado a negar o envolvimento da rainha na questão da independência da Escócia. Fê-lo como deve ser, ou seja, depois de todos os jornais já terem publicado as declarações de Isabel II… Diz quem sabe que a rainha terá dado uma ajuda preciosa ao "não" à independência da parte norte da Grã-Bretanha. Uma guerra que, aliás, algumas das suas antepassadas, com relevo para Maria Stuart e Isabel I, não desdenhariam.

Se as revistas cor-de-rosa e os "yellow papers" não se cansam de escrutinar a vida mundana, amorosa ou – até - escandalosa da família real britânica, a verdade é que Isabel II tem escapado quase sempre à opinião negativa dos vendedores de papel impresso. E da única vez que ficou na mó-de-baixo, em 63 anos de reinado, apressou-se a acertar o passo – ou não fosse ela uma militante convicta das virtudes militares. Logo após a morte de Diana Spencer, na altura já separada do seu primogénito e presuntivo herdeiro, a rainha terá sido, segundo a opinião pública, demasiado fria e formal, não se prontificando a participar nas homenagens póstumas à "princesa do povo".

Em poucas horas percebeu o erro, e juntou-se aos seus, como sempre fez, aliás, desde que na II Guerra, com 18 anos, se pôs ao volante das ambulâncias e dos camiões do Serviço Auxiliar Territorial (ATS). Nos rodapés da história, diz-se que terá sido, até hoje, a única rainha a saber mudar um pneu de um carro ou a mudar-lhe o óleo.

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A monarquia caiu-lhe nos braços por força de uma abdicação nunca totalmente explicada, mas especulada mais do que muito. A ascendência germânica da família real britânica, por força do casamento da puritana Vitória com Albert de Saxe-Coburgo Gotha, terá levado o presuntivo rei Eduardo VIII, tio de Isabel, a proclamar mais em privado que em público as suas preferências pelo lado alemão entre as duas guerras mundiais. Oficialmente, foi por se casar com uma senhora divorciada que deixou o trono londrino; mas há muitos que dizem que não. E a cadeira real sobrou para o pai de Isabel, irmão mais novo de Eduardo, que governou como pôde o Império Britânico.

Cedo, no entanto, Isabel demonstrou ter ideias políticas, tanto quanto os apertados trâmites da lei lho permitiam. O primeiro-ministro Anthony Eden que o diga, quando foi forçado a demitir-se do cargo após o fracasso da tomada do Canal do Suez, aventura que contou com a oposição frontal da rainha. Ou Ian Smith, quando declarou a independência unilateral e minoritária da Rodésia "branca", sendo por tal afastado da Commonwealth pela rainha. Ou Margaret Thatcher, que Isabel considerava "insensível" aos pobres e "teimosa", e que não contou com o aval real quando se negou a alinhar nas sanções internacionais contra o "apartheid" sul-africano. Ou Ronald Reagan, que foi censurado fortemente pela invasão de Grenada.

Ou, de outro modo, Nelson Mandela, que viu Isabel II apoiá-lo logo no início do seu mandato como presidente da África do Sul; são poucas, em toda uma vida, as fotos mais sorridentes e demonstradoras de admiração como aquelas que Isabel II deixou que lhe tirassem quando se encontrou com o primeiro presidente negro da antiga possessão britânica.

Regrada mais que puritana, decente mais que moralista, Isabel II casou por amor com um tipo autoritário e pouco culto, que no entanto tem cumprido a preceito as funções de consorte. O apoio que lhe tem dado, publicamente expresso por Isabel em discurso por altura do seu jubileu como rainha, fica a léguas da preponderância que Albert terá tido na primeira parte da vida de Vitória, outra rainha icónica da Grã-Bretanha.

Pela pena de Andrew Marr, o "Sunday Times" da presente semana traça um perfil da soberana um pouco antípoda da caricatura de vestes garridas e "cara de Miss Piggy" – que ela assume quando está irritada – que geralmente lhe é atribuída. Num tempo em que a fama vai e vem, em que o público espera surpresa e divertimento, ela representa a perenidade sem perder o humor britânico que lhe é característico. Quem não se lembra da rábula com James Bond (Daniel Craig, na ocasião) que protagonizou aquando da abertura dos Jogos Olímpicos de Verão de 2012, em Londres?

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Quem a conhece, diz que não vai abdicar em favor do filho de 67 anos; talvez a educação de Carlos – que é já um dos mais velhos herdeiros de coroa da história das monarquias -, deixada aos cuidados de um tio-avô marialva e de um pai mais que rústico, seja a maior falha desta mulher que, aos 13 anos, sonhava ser campeã de natação. Sóbria – troca o gin das falecidas mamã e irmã por um "Earl Grey" com leite e sem açúcar - a nossa mais velha aliada foi o que foi: uma mulher do tempo da guerra, patriota e piedosa, que gosta de cumprir um dever. Assim os joelhos, sua única falha de uma saúde de ferro, lho permitam uma outra vez.

E o futuro? Nas "pools" da Grã-Bretanha, o neto William já vai à frente, como favorito para a sucessão, do filho Carlos, um tipo decente mas estranho, que deambula entre o jogo de pólo, a arquitectura alternativa, a homeopatia e as preocupações ambientais. Depois da morte de Diana, uma verdadeira "insider" na família real britânica, resta Kate Midletton para dar um ar de graça a uma monarquia renovada. Com uma diferença em relação à defunta sogra – é que o neto da rainha escolheu-a entre todas as múltiplas candidatas, e ela ao princípio nem achou grande piada ao rapaz. O pai, Carlos, terá sido aconselhado pela sua amante de sempre, e actual mulher, Camilla, a desposar a virgem Diana, que ele levou para casa sem estar muito convencido da trama. O povo britânico sabe destas coisas...

No Natal ou quando ela quiser, Lilibeth, do alto dos seus 90 anos, costuma dar bonecos aos bisnetos, que lhe chamam "gan-gan" em privado. Um dia destes, aposto, dá-lhes um cavalo, filho ou neto de um daqueles 22 com que já ganhou as corridas de Ascot.