Bolas de massa atravessam a linha de montagem e um aroma doce enche o ar numa fábrica de pão que personifica a determinação da Ucrânia e a sua tentativa de recuperação 100 dias após o início da invasão da Rússia.

Localizada perto da capital Kiev, a fábrica Tsar-Khlib seguiu com a produção mesmo diante do avanço das tropas russas e manteve os moradores da cidade alimentados, apesar de um ataque com mísseis a uma instalação vizinha.

Tsar-Khlib enfrentou desafios extremos, incluindo o facto de muitos dos seus trabalhadores terem ficado presos em território controlado pelas forças russas e a maioria dos clientes ter fugido por segurança.

"Mas logo percebemos que tínhamos de continuar a produzir porque algumas pessoas estavam a ficar", disse o diretor de produção Anton Paliy, de 43 anos, citado pela agência France-Presse.

A dada altura, a fábrica chegou a estar a menos de oito quilómetros da linha de frente, até à retirada das tropas russas da área no final de março.

Operando com apenas uma fração dos seus 800 funcionários, a fábrica passou a produzir 16 toneladas de pão fresco por dia, em comparação com o valor normal de 100 toneladas.

Quando as sirenes de ataque aéreo soavam, os trabalhadores corriam para a cave. Quando voltavam, encontravam pilhas de pão fresco desarrumadas do lado de fora do forno.

Segundo Paliy, o som das máquinas abafava os ruídos da guerra ao fundo e tornava a situação um pouco mais suportável "psicologicamente".

“Fizemos o nosso trabalho”

Localizada a apenas algumas centenas de metros de distância, a moderna fábrica Shanta não teve tanta sorte. A instalação foi alvo de mísseis russos a 16 de março, que destruíram metade do edifício.

Olyaksandr Tarenenko, diretor da Khlibni Investizii, empresa proprietária das duas instalações, disse que o ataque foi um "crime de guerra", pois as forças russas atacaram uma infraestrutura civil.

Um míssil derrubado pelas forças de defesa aérea da Ucrânia ainda pode ser visto do lado de fora do edifício.

A reconstrução pode ser demorada e cara e, enquanto isso, os 140 trabalhadores da fábrica estão desempregados.

Mas em Tsar-Khlib, a atividade está a aumentar à medida que os residentes de Kiev retornam à cidade. A procura "está a crescer a cada semana", contou Tarenenko.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia da Ucrânia irá encolher 35% este ano, mas partes do país estão a recuperar lentamente, apesar do conflito ainda em curso no sul e no leste.

Em Kiev e arredores, "a procura dos consumidores está a aumentar, as ligações estão a ser restauradas", afirmou à AFP o ministro das Finanças, Sergii Marchenko. Segundo Marchenko, o próprio regresso das embaixadas estrangeiras envia um sinal ao público de que a capital está aberta para negócios e os moradores estão a voltar para "relançar as suas atividades económicas".

Até mesmo na segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, cujas proximidades ainda estão a ser bombardeadas pelas forças russas, há sinais de alguma recuperação.

O popular Café Crystal, num parque central, reabriu portas no final de abril depois de dois meses fechado, embora o cardápio esteja limitado e a equipa, que era de 30 a 40 pessoas antes da guerra, tenha sido reduzida para sete ou oito trabalhadores.

"Temos de manter os empregos. A cidade está gradualmente a recuperar. As pessoas querem sair e tomar um café. Depois de ficarem em abrigos antiaéreos, querem viver um pouco", disse Alyona Kostrova, a gerente.

Em Tsar-Khlib, a produção subiu para 50 toneladas por dia e Paliy disse que pelo menos sentiu algum conforto em "sentir-se útil nesses tempos difíceis".

"Não é que eu queira uma medalha, mas fizemos o nosso trabalho, ajudamos as pessoas", afirmou. "E vamos continuar a fazê-lo."