Jovens portugueses vs. 32 países: o que aconteceu no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos?

Num dia especialmente marcado pelos problemas dos jovens, já que um estudo avançado pelo Jornal de Notícias (JN) provou que a maioria recebe menos de mil euros líquidos e trabalha 36 horas por semana, também seis jovens tentaram processar Portugal e outros 31 países por inação no combate às alterações climáticas. Uma luta que acabou rejeitada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).

Na leitura da decisão esta manhã, em Estrasburgo (França), o TEDH decidiu que o processo é inadmissível em 'toda a linha', particularmente no que diz respeito à jurisdição extraterritorial dos países mencionados.

O TEDH considerou que não era possível imputar a uns países fenómenos climáticos adversos ocorridos em outros Estados, considerando que uma deliberação nesse sentido, ainda que exclusiva a processos relacionados com as alterações climáticas, ia abrir um precedente com implicações inimagináveis, já que colocava em causa a soberania e as limitações geográficas de cada país.

Os requerentes deste processo eram André, Catarina, Cláudia, Mariana, Martim e Sofia, nascidos entre 1999 e 2012, que invocaram "circunstâncias excecionais" para apoiar a argumentação de que o tribunal tinha de incluir a "jurisdição extraterritorial" de outros Estados.

Porém, os 17 juízes, incluindo a portuguesa Ana Maria Guerra Martins, reconheceram que os países visados têm "controlo sobre as atividades públicas e privadas assentes nos seus territórios" que contribuem para a produção de gases com efeito estufa e que há compromissos de vários Estados, incluindo Portugal, para a redução de emissões, nomeadamente o Acordo de Paris (assinado em 2015 e que prevê a redução de emissões).

Ainda assim, consideraram que não poderiam servir de "base para a criação de uma interpretação jurídica sobre um terreno novo de jurisdição extraterritorial ou como justificação para expandir as atuais".

O tribunal deliberou também que os requerentes não esgotaram todas as vias legais que tinham em Portugal antes de recorrerem a esta instância europeia.

Sublinha-se ainda que dos três processos sobre alterações climáticas sobre os quais o TEDH deliberou hoje só um foi parcialmente acolhido, o de uma associação de mulheres suíças idosas contra o próprio país.

O que pretendiam os jovens portugueses?

Os requerentes arguíram que um processo de violação dos direitos humanos por consequência das alterações climáticas não tinham cabimento para avaliação por uma instância em Portugal, mas o TEDH refutou o argumento, justificando que houve falta de prova apresentada em tribunais nacionais para ser objeto de análise pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

O tribunal interpretou que processos referentes ao ambiente e às alterações climáticas já estão presentes na moldura judicial portuguesa e são "uma realidade no sistema legal nacional", razão pela qual o processo devia ter esgotado todas as instâncias nacionais possíveis, antes de ser remetido para um tribunal europeu.

"O tribunal anotou que o sistema legal português providencia tanto os mecanismos para ultrapassar a falta de representação [dos requerentes] e medidas para ultrapassar a morosidade dos procedimentos", por isso o TEDH "foi incapaz de considerar que havia razões especiais para excetuar os requerentes de um processo exaustivo nacional de acordo com as regras aplicáveis e os procedimentos disponíveis".

Pela mesma razão, consideram haver falta de dados para examinar o estatuto de vítima pedido pelos requerentes.

O que conseguiram?

Na realidade, não conseguiram grande coisa, porém o Tribunal Europeu de Direitos Humanos fez um reconhecimento histórico: as alterações climáticas são um problema que os países "têm o dever" de abordar e encontrar medidas para mitigá-las.

Na saída do tribunal, uma das jovens, Catarina, afirmou: "Não derrubámos o muro, mas fizemos uma grande fenda". E destacou também que sentiu "muito orgulho por todo o trabalho que foi desenvolvido" até ao dia de hoje.

"Foi muito trabalho, não apenas nosso, de todos os cientistas, de todos os advogados, é preciso reforçar isso, e sentimos que não foi perdido. Isto não acaba aqui, é apenas o começo e o futuro realmente a prova de que isto era necessário", completou.

Também Martim, que encabeçou o processo, admitiu alguma frustração com a decisão, mas disse que este é um momento é de reflexão.

"É um pouco difícil não me sentir desapontado, mas também estou contente, acho que o resultado foi bastante bom. A explicação era muito técnica e um pouco difícil para uma pessoa como eu perceber. Obviamente que saio chateado, mas o importante é perceber que isto era para nós todos", disse.

Numa reação a esta decisão, também a nova ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, afirma que “esta pronúncia não diminui” a ambição e a responsabilidade do país para com a ação climática.

“Tem sido feito um esforço legislativo importante, a nível europeu e a nível nacional, nesta área. Portugal tem objetivos ambiciosos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, ambicionando atingir a neutralidade carbónica até 2045, cinco antes das metas definidas pela UE”, refere a governante, citada em comunicado.

O Governo adianta que o tema da ação climática constitui uma prioridade, apresentando no seu programa “um conjunto alargado de medidas que irão contribuir para a descarbonização, ao mesmo tempo que cria riqueza e desenvolve uma economia de futuro”.

Entre essas medidas estão a realização de Conselhos de Ministros temáticos sobre a Ação Climática, a concretização do disposto na Lei de Bases do Clima, a operacionalização do Conselho de Ação Climática e a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030).

A transposição e aplicação das diretivas previstas no Pacto Ecológico Europeu e novas medidas para adaptação às alterações climáticas, por exemplo, no Litoral, incluindo uma nova geração de planos, são outras medidas previstas.

“A União Europeia é a região do mundo que lidera o combate às alterações climáticas, tendo uma estratégia forte para a redução das emissões de gases com efeito de estufa na indústria, nos transportes e nos edifícios, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, bem como estratégias definidas para a economia circular e para a proteção da biodiversidade”, refere o comunicado.

A UE aumentou ainda a meta para a redução das emissões para 55% (em vez dos anteriores 40%) até 2030, rumo à neutralidade carbónica, a ser atingida em 2050.

A estratégia europeia contempla ainda um Mercado de Comércio de Emissões e um Mecanismo de Ajustamento Carbónico Transfronteiriço (MACF).

O ministério salienta que “Portugal está alinhado com as metas europeias, mas tem de reforçar o desempenho na redução das emissões do setor dos transportes, que aumentaram nos últimos anos devido a uma estratégia pouco eficaz na área da mobilidade”.

*Com Lusa

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