“Criámos uma nação em que todo o mundo tem de estar associado a algum partido para se sentir protegido para poder falar e ter liberdade de expressão”, mas é preciso “acabar com isso”, afirma o ativista, em entrevista à agência Lusa, em Lisboa, onde está para apresentar o seu livro “Sou eu mais livre, então. Diário de um preso político angolano”.

Em Angola, “o cidadão desistiu porque foi treinado que não podia pensar”, porque “se ele pensar vão-lhe acontecer coisas más, vai perder o emprego, vai ser perseguido e vai começar a receber telefonemas e mensagens ameaçadoras”, afirma o ativista, que considera esses receios naturais.

“A maior parte de nós escolheu trilhar este caminho consciente dos problemas que ia encontrar"

Luaty Beirão defende que a participação pública dos cidadãos não deve estar dependente de partidos. “A sociedade civil, o cidadão individualmente, tem de ter o seu espaço”, mas isso não acontece em Angola.

“As pessoas veem o que acontece com os outros e não vão provocar, não se metem nisso. E foram treinados, foram desincentivados de pensar e de agir”, resume o ativista, que rejeita ser considerado um mártir político pela democracia no país.

“A maior parte de nós escolheu trilhar este caminho consciente dos problemas que ia encontrar. Desde 2011 que estamos mentalizados que metermo-nos com esta gente pode significar pior que a prisão”, explica.

“Não me vejo como um mártir, vejo-me como uma vítima da repressão. A forma como nós somos tratados por exigir direitos fundamentais é que nos está a dar essa imagem”, diz o ativista.

A greve de fome e a exposição mediática que alcançou colocaram Luaty Beirão como o mais relevante do grupo de detidos. O luso-angolano mostra-se consciente que o seu nome “faz mais notícia” porque foi criado no meio das pessoas ligadas ao Governo.

“Eu cresci no seio das pessoas que mandam no país, cresci com eles, os filhos deles foram meus amigos. Eu dei-me com essa gente toda”, diz, admitindo que o facto de ter uma tez de pele clara e ligações a Portugal também ajudou a dar visibilidade ao seu caso. “Há a nacionalidade e o fator cor”, admite Luaty Beirão.

Detenção de ativistas foi um “tiro no pé” do regime

“Nós apercebemo-nos, assim que fomos detidos e que aquilo era para durar algum tempo, que o regime no fundo estava a dar mais um tiro no pé”, disse Luaty Beirão, em entrevista à Lusa.

“No fundo é estranho que eles próprios não se apercebam disso, ou se se apercebem, o orgulho deles é maior que a capacidade de raciocínio”, resume o ativista, que se mostrou surpreendido com a visibilidade do caso.

“Sempre fui muito desconfiado em relação à política como ciência e aos políticos que fazem da política profissão”

Segundo o ativista, no momento da detenção, em junho de 2015, o grupo apercebeu-se que o caso “haveria de fazer algumas ondas”, mas nunca pensaram “que fossem ‘tsunamis’”, afirma, salientando que essa visibilidade foi útil para aquilo que defendem: “nós vivemos num pais onde existe uma máscara, existe uma fachada de democracia, que está formalizada com a Constituição e as leis ordinárias, mas na prática não se vive”.

A detenção e condenação dos ativistas permitiu “dar provas e evidências” disso mesmo, diz Luaty Beirão, que considera a ação dos ativistas um “pequeno passo” para ajudar à liberdade no país.

“Queremos que os direitos sejam usufruídos e a partir do momento em que isso começar a acontecer, as mecânicas vão mudar e as coisas irão ajustando-se aos poucos”, diz, rejeitando que a cidadania esteja circunscrita à ação pelos partidos políticos.

“Sempre fui muito desconfiado em relação à política como ciência e aos políticos que fazem da política profissão”, justifica o luso-angolano.

Em Lisboa, onde está a promover o seu livro “Sou eu mais livre, então. Diário de um preso político angolano”, Luaty Beirão mostra-se empenhado na luta contra o regime angolano.

O livro é um relato “sincero” do que viveu durante 13 dias de prisão, exatamente como foi escrito na origem, com desenhos, letras de música, listas de pedidos aos guardas ou outros pensamentos mais avulsos.

“Quando estava a escrever o diário não estava a pensar que isto ia ser um livro, transcrevi o que estava no caderno tal e qual”, mas foi “critério da editora” [Tinta da China] manter o original, explica.

Escritor e músico, Luaty Beirão ainda não fez uma música que evoque a experiência da prisão. “Tenho coisas pensadas, mas não fiz nada”, diz.

“Todo o nosso processo foi ao arrepio da lei”

O ativista luso-angolano Luaty Beirão foi ouvido por um grupo de trabalho da ONU sobre a detenção de ativistas em Angola, um processo que o próprio considera hoje ter sido “ao arrepio da lei”.

De passagem por Lisboa, onde está a promover o seu livro, Luaty Beirão veio de Genebra, onde expôs o processo judicial de 17 ativistas políticos, que durou mais de um ano.

“Todo o nosso processo foi ao arrepio da lei”, afirma o ativista, em entrevista à Lusa, que se mostrou sensibilizado com a repercussão do caso na comunidade internacional. “Não estava à espera que chegasse tão longe”, diz.

Ouvido no grupo de trabalho sobre detenções arbitrárias das Nações Unidas, Luaty Beirão explicou o processo em que foram detidos os ativistas e as acusações iniciais de atos preparatórios para um atentado ao Presidente, José Eduardo dos Santos, e outros governantes.

Os elementos do grupo de trabalho “estiveram a trabalhar” no caso dos ativistas e “queriam ouvir a voz de uma das vítimas”, explica Luaty Beirão, em entrevista à Lusa.

A maior parte dos 17 jovens ativistas foram detidos a 20 de junho de 2015 numa operação da polícia em Luanda e acabaram condenados a penas de prisão efetiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores.

Começaram de imediato a cumprir pena, apesar dos recursos interpostos no mesmo dia pela defesa.

Luaty Beirão foi condenado neste processo a uma pena total de cinco anos e meio de cadeia, enquanto o professor universitário Domingos da Cruz, autor do livro que o grupo utilizava nas suas reuniões semanais para discutir política, viu o tribunal aplicar-lhe uma condenação de oito anos e meio, por também ser o suposto líder "da associação de malfeitores".

Agora, Luaty Beirão espera que este caso jurídico faça o seu “caminho” e ajude a sensibilizar as organizações internacionais para os problemas de Angola no que respeita à liberdade de expressão.