O pior ainda está para vir. Luís Mira Amaral, responsável pela implementação inicial da rede de gás natural em Portugal, diz que o próximo Inverno vai ser crítico; cortes no fornecimento, aumento do consumo e preços mais elevados. "Quem está a ganhar neste negócio é o governo, através de uma receita fiscal que aumentou espetacularmente", diz.

O governo prepara-se para para exigir às empresas do sector energético uma percentagem sobre os lucros extraordinários que estas estão a receber face ao aumento dos preços.

Ironicamente ou não, este ano a receita fiscal vai aumentar 10 mil milhões de euros em relação a 2021, mais 7 mil milhões do que o previsto no Orçamento do Estado para 2022. Deste montante, o governo já disse que vai devolver 2,4 mil milhões de euros - sobretudo às famílias, e cerca de mil milhões em pensões que teria sempre de pagar.

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Os restantes 4,6 mil milhões? "Se não houvesse problemas de finanças públicas, poderia devolver tudo aos contribuintes, diretamente ou através da redução de impostos. Como temos uma enorme dívida pública, talvez fosse prudente que uma parte do dinheiro arrecadado fosse utilizada para abater divida pública", considera Mira Amaral.

Se vai ser assim ou não, não sabemos. E esta, lembra o ex-ministro da Indústria e Energia, "é uma questão política, de ideologia, que a economia não resolve". 

Para bem de todos, certo é que o Orçamento do Estado que vai começar agora a ser discutido (e que será entregue na Assembleia da República a 10 de Outubro), "tem de atender duas classes: os mais pobres, a população portuguesa mais carenciada, e as empresas mais intensivas no consumo de energia, que são quem dá emprego às famílias e não podem fechar. Tenho muito medo e sérias dúvidas que algumas destas empresas consigam aguentar", diz o professor universitário.

Sobre o que Mira Amaral não tem dúvidas é que "se as empresas caem, são as famílias que se lixam". "Aquela tese de "primeiro as famílias, esqueçamos as empresas" é errar na economia de mercado. É uma tese que a esquerda utiliza mas, como de costume, vê mal o problema, porque as empresas é que aguentam o emprego", insiste.

Por isso, voltando à taxa extraordinária sobre lucros deixa uma pergunta: "Quando as empresas têm lucros extraordinários o governo taxa. E quando têm prejuízos, o governo ajuda-as? Estas empresas pagam IRC".

E deixa dois apontamentos: Por um lado, "a maior parte dos lucros da Galp e da EDP não estão a ser feitos em Portugal, portanto, o governo vai taxar lucros que não são gerados no país". Por outro lado, "as empresas já pagam uma contribuição extraordinária, que vem do governo de Passos Coelho. Por isso se percebe que o Dr. Costa e o ministro das Finanças tenham sido muito reservados nisto, mas como a senhora Ursula von der Leyen disse que vai haver esta medida especial da União Europeia, o Dr. Costa, habilidosamente, apanha a boleia".

De resto, acredita que, "se não tivessem a ameaça fundamentalista da UE com a descabonização", o que as empresas que vão ter lucros extraordinários deviam fazer era investir em mais produções de petróleo e gás natural", até para evitar o que está a acontecer. Mas as empresas "não investem no negócio porque já sabem que vêm lá os fundamentalistas de Bruxelas", acrescenta.

Para Mira Amaral o problema da energia vem de trás. "A Europa andava no doce casulo, julgando que sozinha limpava o CO2 do mundo. E estabeleceu um programa agressivo, o "Green Deal" [Pacto Ecológico Europeu]".

"Respeito a consciência ecológica e ambiental, mas não acho boa ideia um continente como a Europa, que devia ser uma potência económica, ser governado pelos Verdes, como está a acontecer. O "Green Deal" é uma proposta com um toque irrealista do ponto de vista económico e industrial, porque a Europa emite 8% do dióxido de carbono mundial. Se os outros blocos, Estados Unidos, China, Índia não cooperarem, é quixotesco", acredita o economista. 

Por tudo isto, para Mira Amaral a chamada transição energética é antes uma "disrupção energética". "O fundamentalismo ecológico fez com que  abruptamente, de um momento para o outro, quiséssemos substituir as velhas energias e pensar num mundo novo apenas com energias renováveis". Será possível conciliar as duas coisas, ambiente e necessidade de consumo? A resposta ensaiada neste podcast.