“O que importa neste momento é nós agradecermos a quem nos permite este exercício cívico fundamental que é conhecer, compreender Mário Soares e compreender a riqueza do político, a riqueza da sua escrita e a riqueza do homem”, afirmou o Presidente, considerando que “é fundamental”.

Marcelo Rebelo de Sousa falava na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, onde participou na cerimónia de lançamento do volume zero da coleção intitulada “Obras de Mário Soares”, que irá publicar, ao longo dos próximos anos, a obra escrita do antigo chefe de Estado português.

“A democracia exige uma memória uma pouco mais longa e o esforço que se traduz nesta coleção é este: alongar a memória dos portugueses, compreenderem que é possível haver mais política para além da política que alguns fazem, é possível haver mais escrita para além da escrita que alguns escrevem e é possível dar testemunhos de humanidade, de valores para além os testemunhos da vivência pontual de cada dia, de cada momento, de cada instante”, defendeu.

E apontou que a dimensão deste “revisitar de Mário Soares” através desta coleção é dar “de novo capacidade de sonhar”.

“Quando alguns nos querem dizer que a democracia está cansada, e em parte está cansada, que a democracia precisa de se renovar, e em parte precisa sempre, sempre de se renovar, que é preciso caminhar para outros sonhos, temos aqui o contributo de Mário Soares vivo - sempre vivo, falta-nos a sua gargalhada, não era apenas sorriso, teria sido um pouco mais do que isso - aqui hoje para nos estimular a sonhar”, salientou Marcelo Rebelo de Sousa.

Ao afirmar que é necessário “sonhar mais e mais fundo”, o Presidente defendeu que “Mário Soares deu-nos esse exemplo e é pelo sonho que devemos ir”.

No seu discurso, o chefe de Estado considerou igualmente que Mário Soares “foi escritor sem ter sido escritor”.

E explicou o seu ponto de vista, afirmando que o socialista “foi escritor daquela arte ‘engagé’” porque “usou a escrita ligada à sua luta política” e “provavelmente no momento em que começou a escrever, começou a lutar e quando começou a lutar, começou a escrever”.

“E nesse sentido foi escritor, mas eu nunca acreditei que viesse a ser mais tarde escritor no outro sentido da literatura. Tinha matéria para muitos contos, muitas novelas, muitos romances, muitas crónicas, mas não era o seu mundo”, defendeu.

Afirmando que “a outra escrita supõe outro tempo e esse ele nunca teve porque lutou até ao fim, nunca desistiu de lutar", o Presidente da República apontou que Mário Soares "não teve tempos mortos para essa outra escrita”.

“Foi assim um escritor ‘sui generis’, escreveu e for escritor sem ser escritor”, caracterizou Marcelo Rebelo de Sousa.

O chefe de Estado citou ainda o também ex-Presidente da República Jorge Sampaio para dizer que Mário Soares foi um “colosso da democracia portuguesa, incomparável”.

“Foi colosso porque teve uma vida variada, mais completa, mais intensa que todos os demais, porque viveu durante décadas a luta pela democracia e liberdade, contra a ditadura, como só alguns viveram, mas depois viveu para além disso a revolução como só alguns viveram, e para além disso a construção da democracia como só alguns viveram”, sustentou.

Marcelo destacou ainda que Soares "vivia política no sentido mais nobre do termo, a projeção de ideias e o serviço da comunidade", e era um homem não apenas "erudito, era muito culto", além de "primoroso na sua escrita".

Foi hoje lançada a coleção "Obras de Mário Soares", coordenada pelo escritor José Manuel dos Santos, e que tem como volume zero a primeira tese de licenciatura do ex-presidente e primeiro-ministro português, intitulada “As ideias políticas e sociais de Teófilo Braga com notas de leitura de António Sérgio e cartas sobre a obra”.

A coleção "Obras de Mário Soares" tem uma comissão científica da qual fazem parte vários historiadores e académicos, casos de António Reis, Bernardo Futscher Pereira, David Castaño, Fernando Rosas, Irene Flunser Pimentel, José Manuel dos Santos, José Pacheco Pereira, Maria Fernanda Rollo, Maria Inácia Rezola, Mário Mesquita e Nuno Severiano Teixeira.