"Uma semana e um dia depois da rejeição do Orçamento para 2022 encontro-me em condições de vos comunicar que decidi dissolver a Assembleia da República e convocar eleições para o dia 30 de janeiro de 2022", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, numa comunicação ao país, a partir do Palácio de Belém, em Lisboa.

“Pela primeira vez em 45 anos de Assembleia da República, o Orçamento do Estado não foi aprovado”, começou por recordar o Presidente da República, ressalvando que "a rejeição não ocorreu num qualquer momento, com um qualquer orçamento de um qualquer modo".

"Este é um momento decisivo em todo o mundo para a saída duradoura da maior pandemia dos últimos 100 anos e da crise económica e social que provocou", continuou, frisando que estamos perante "um momento irrepetível" no que toca à utilização dos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência para a recuperação do país.

“Este era um Orçamento especialmente importante, num momento especialmente importante”, atirou, lembrando que foi explicito nos avisos de que "a rejeição do Orçamento levaria a eleições antecipadas" e que não haveria espaço para "terceiras vias" e que alertou mais do que uma vez que não toleraria um arrastar da indefinição.

Numa alfinetada aos partidos na Assembleia da República, Marcelo recordou que, há 25 anos, quando era líder partidário do PSD, viabilizou "três orçamentos" com os quais "em larga medida discordava" pois considerou, à época, que eram "momentos especialmente importantes para Portugal".

Quanto ao modo como o OE2022 caiu, o Presidente da República relembrou que "a rejeição deixou sozinho o partido do Governo", "dividiu por completo a base de apoio do Governo mantida desde 2015" e "ocorreu logo na primeira votação", não chegando sequer a debate na especialidade.

Marcelo apontou também que as razões para o chumbo não se deveram a diferenças "menores ou superficiais", mas sim "de fundo e substância", o que as tornou "inultrapassáveis e que pesaram mais do que a especial importância do momento vivido".

"Nada de menos compreensível para o cidadão comum, que esperava que o Orçamento passasse, que entendia que já bastava uma crise na saúde, na economia e na sociedade" e que, por isso, "dispensava que houvesse ainda mais uma crise política a somar a todas elas".

"Em momentos como estes, existem sempre soluções em democracia, sem dramatizações", ressalvou Marcelo, por um lado indicando que os portugueses "dispensavam mais uma eleição, poucos meses depois de outra" mas que a eles pertence a última palavra.

"Todos dispensávamos mais uma eleição poucos meses depois de outra, mas é o caminho que temos pela frente para refazer a certeza, a segurança, a estabilidade, ultrapassando esta rejeição do Orçamento", defendeu.

Segundo o chefe de Estado, as eleições são "o único caminho que permite aos portugueses reencontrarem-se neste momento com os seus representantes nacionais, decidirem o que querem para os próximos anos, que são anos determinantes, em efeitos da pandemia, em volume de fundos, para reconstruir a economia e a sociedade".

"E escolherem aquelas e aqueles que irão o mais rapidamente possível votar o Orçamento que faz falta a Portugal", acrescentou.

Sobre a escolha da data das eleições, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que "campanha eleitoral bem como debates audiovisuais que a devem anteceder" no Natal ou por altura do Ano Novo "são, a todos os títulos, indesejáveis, e podem ser meio caminho mandado para um aumento da abstenção".

"O sensato é apontar para debates e campanha, a começar em 2022, mas não em cima do dia de ano novo, e ainda assim termos eleições em janeiro – como eu disse desde o primeiro momento –, compatibilizando a desejável rapidez com a devia atenção a um período sensível na vida das pessoas", acrescentou.

O Presidente da República referiu que, nos termos da Constituição, ouviu os partidos com representação parlamentar, o Conselho de Estado, que deu parecer favorável, por maioria, à dissolução do parlamento, e analisou a situação económica, social e financeira antes de fazer esta comunicação ao país.

No final da sua mensagem, dirigiu-se aos portugueses, declarando: "Confio em vós, no vosso patriotismo, no vosso espírito democrático, na vossa experiência, no vosso bom senso. Como sempre, nos instantes decisivos, são os portugueses, e só eles, a melhor garantia do futuro de Portugal".

De acordo com a Constituição, as eleições legislativas antecipadas têm de se realizar nos 60 dias seguintes à dissolução do parlamento – que só poderá ser decretada, portanto, a partir de 1 de dezembro.

De recordar que, antes de tomar esta decisão, Marcelo esteve reunido na quarta-feira com o Conselho de Estado, que "deu parecer favorável à proposta de sua excelência o Presidente da República de dissolução da Assembleia da República", segundo o comunicado divulgado no final da reunião.

Dos partidos representados no Conselho de Estado, apenas PCP e BE tinham manifestado publicamente discordância em relação à opção de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade.

Marcelo Rebelo de Sousa considerou "fundamental ouvir o Conselho de Estado e ouvir as razões dos conselheiros" sobre a dissolução, declarando que "não é um mero 'pro forma'".

O chefe de Estado adiantou que iria "falar ao país ao começo da noite" de hoje, sobre "a questão dissolução, sim ou não; se sim, qual é a data das eleições".

Quanto à data das eleições, quando avisou pela primeira vez para um cenário de dissolução, em 13 de outubro, o Presidente da República estimou que se realizariam em janeiro.

Há dois dias, Marcelo Rebelo de Sousa disse que iria escolher "a data mais razoável", que "corresponda à melhor solução para o esclarecimento dos portugueses", sem ter em conta processos eleitorais partidários.

O artigo 133.º da Constituição estabelece que compete ao Presidente da República  "dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado".

O artigo de 172.º determina que "a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência" – condições que não se verificam neste momento.

De acordo com o artigo 186.º da Constituição, os governos ficam limitados "à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos" em duas circunstâncias: "antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão" – opção que o primeiro-ministro, António Costa, afastou.

Confrontado com a disponibilidade do primeiro-ministro, António Costa, para se manter em funções, mesmo sem Orçamento aprovado, Marcelo Rebelo de Sousa considerou bom "o Governo continuar em funções e não se demitir" até haver eleições, porque "se se demitisse agravava a situação crítica".

O Presidente da República ouviu os nove partidos com assento parlamentar no sábado. PCP e PEV consideraram que não era necessário haver dissolução do parlamento, o BE também manifestou opinião contrária a essa opção, e o PAN já tinha defendido anteriormente que havia outras possibilidades.

Quanto a datas para as legislativas antecipadas, PSD e CDS-PP indicaram preferência por 9 ou 16 de janeiro, PS, PCP, PEV e Chega 16 de janeiro, BE defendeu eleições a partir dessa data, PAN entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira de fevereiro e Iniciativa Liberal não antes de 30 de janeiro.

O Orçamento do Estado para 2022 foi chumbado na generalidade na quarta-feira passada, com votos contra de PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. A proposta do Governo minoritário do PS teve votos a favor apenas da bancada socialista e abstenções do PAN e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

Duas semanas antes, em 13 de outubro, após PCP e BE acenarem com o voto contra o Orçamento, o Presidente da República avisou que um chumbo da proposta do Governo conduziria "muito provavelmente" à dissolução do parlamento e a eleições legislativas antecipadas.

"Não poderia haver eleições no fim do ano, entre o fim do Natal e o começo do ano e, portanto, ficariam para janeiro", afirmou nessa altura.

Nos dias seguintes, Marcelo Rebelo de Sousa deixou claro que, a confirmar-se o chumbo do Orçamento, avançaria de imediato com o processo de dissolução, embora reiterando ao mesmo tempo a esperança num entendimento "até ao último segundo" antes da votação.