No Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, onde decorre a fase de instrução do processo relativo à morte, em setembro de 2016, dos recrutas Hugo Abreu e Dylan Silva, durante o 127.º curso de Comandos, o capitão Miguel Domingues disse que, desde 2011, ano em que assumiu a chefia da equipa sanitária, pediu ao Exército, "verbalmente e por escrito", que fornecesse mais material e equipamento de socorro, e permitisse o reforço dos meios humanos.

“Pedi via hierárquica, ao comandante da Unidade (Regimento de Comandos), coronel Dores Moreira. Pedi e fui pedindo ao longo dos anos, e em 2015 foi quando houve um pedido de maior número de material”, explicou o oficial, acrescentando que o mesmo nunca lhe foi facultado, nomeadamente material de suporte avançado de vida, um hospital de campanha em vez de uma tenda, ou até mesmo uma balança, que não havia.

Contudo, esses documentos de pedido de material não constam dos autos porque, segundo explicou hoje a procuradora do Ministério Público (MP), Cândida Vilar, o “Exército nunca os enviou”, sublinhando que o anterior comandante do Regimento de Comandos, coronel Dores Moreira, “nunca colaborou” com a investigação: “Talvez o atual comandante forneça”, salientou Cândida Vilar.

O advogado do arguido acrescentou, por seu lado, que os diversos pedidos feitos por escrito pelo seu constituinte ao Exército “serão apresentados no momento certo”, dando a entender que foram mais do que quatro os requerimentos entregues a este ramo das Forças Armadas pelo seu constituinte a solicitar mais material.

O capitão Miguel Domingues salientou que as condições dadas pelo Exército, no que ao apoio sanitário dizia respeito, “eram as possíveis” e “não as ideais”.

A instrução é uma fase processual facultativa que visa a comprovação ou o arquivamento por um juiz da acusação da acusação do Ministério Público (MP), cabendo ao juiz decidir se leva ou não os arguidos a julgamento.

Em junho do ano passado, o MP acusou 19 militares no processo relativo à morte de dois recrutas dos Comandos e internamento de outros, considerando que os arguidos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos".

"Os princípios e valores pelos quais se regem os arguidos revelam desrespeito pela vida, dignidade e liberdade da pessoa humana, tratando os ofendidos como pessoas descartáveis", indica a acusação assinada pela procuradora Cândida Vilar.

A acusação refere que, ao sujeitarem os ofendidos a essa "penosidade física e psicológica" durante a recruta efetuada em setembro de 2016, todos os arguidos sabiam que "excediam os limites" permitidos pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares da Forças Armadas e "colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos, o que aconteceu logo no primeiro dia de formação.

Da lista dos 19 acusados por abuso de autoridade por ofensa à integridade física no processo desencadeado pela morte dos recrutas Hugo Abreu e Dylan Silva e pelo internamento de outros constam oito oficiais do Exército, oito sargentos e três praças, todos do Regimento de Comandos.

Entre os acusados está o tenente-coronel Mário Maia, diretor da primeira prova (Prova Zero) do 127.º curso de Comandos, o capitão Rui Monteiro, Comandante da Companhia de Formação do mesmo curso, Miguel Domingues, capitão e médico responsável pela equipa sanitária, e o sargento enfermeiro João Coelho.

Dois recrutas morreram e vários outros receberam assistência hospitalar durante o treino do 127.º Curso de Comandos, na região de Alcochete, distrito de Setúbal, a 04 de setembro de 2016.