A ANA – Aeroportos de Portugal, adquirida pelo grupo francês Vinci, prevê no seu plano de expansão do aeroporto de Lisboa o encerramento da pista 17/35 para aí instalar um `hub´ (plataforma giratória de voos) e aumentar a capacidade de parqueamento de aviões, confirmaram à Lusa os pilotos e fontes ligadas ao processo.
“O Governo já está absolutamente ciente de que a pista 01/19 do Montijo, fechando a 17/35 [do aeroporto de Lisboa], não é uma alternativa para voos de longo curso, pois é muito pequena, não tem ajudas rádio que permitam aterragens por instrumentos e o pavimento, eventualmente, não tem resistência para suportar aviões de grande porte”, afirmou à agência Lusa o presidente da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA).
Miguel Silveira disse que pelo menos 25% dos ventos anuais, que causam ‘windshear’ (rápida variação na direção e/ou na velocidade do vento) e turbulência severa na final da aterragem na pista 03/21 (a outra pista da capital), fazem com que a 17/35, por razões de segurança, seja a mais indicada para aterrar.
“Entre três e quatro meses do ano, por razões de segurança, devido a fenómenos atmosféricos moderados a severos, a pista 17/35 é a melhor para aterrar e não a 03/21, pista que se usa normalmente”, frisou o presidente da APPLA.
Caso se concretize a desativação da pista 17/35 do aeroporto de Lisboa, durante três a quatro meses do ano, os aviões de longo curso não poderão aterrar no Montijo e terão de divergir para um aeroporto alternativo, sendo os mais próximos Porto ou Faro.
Miguel Silveira frisou que a atual pista do Montijo, em termos de tamanho e resistência, poderá receber apenas aviões de pequeno e médio curso, até ao Airbus A-321 ou o Boeing-737.
“Todo o tráfego de longo curso, ou tudo o que seja A-330, A-340, Boeing-777, 767 ou 757, em nada disto o Montijo é uma alternativa, durante aqueles meses, caso fechem a pista 17/35 de Lisboa”, alertou.
O presidente da APPLA defendeu que a pista 01/19 do Montijo “está longe de ter as características” da 17/35 de Lisboa.
Caso não se encontre uma solução, que pode passar pela construção de uma nova pista no Montijo ou obras profundas na já existente, a APPLA entende que será necessário desenvolver um trabalho profundo com os pilotos.
“Caso contrário, têm de se tomar medidas, com aumento de custo para as empresas e a alteração do perfil operacional por parte dos pilotos, no que diz respeito ao aeroporto de Lisboa, para que quando não conseguirem aterrar em Lisboa, estejam preparados para seguirem para o aeroporto alternativo, que poderá ser Porto ou Faro”, salientou.
O representante dos pilotos transmitiu estas preocupações ao secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme d´Oliveira Martins, durante uma reunião, na sexta-feira.
Miguel Silveira referiu ter recebido a garantia de que este processo será feito “ao longo de bastante tempo” e que “a APPLA será um parceiro a ouvir a todo o momento”.
Na reunião, num clima “muito positivo”, segundo a associação, o secretário de Estado das Infraestruturas indicou que o memorando de entendimento entre o Governo e a ANA, a ser assinado na quarta-feira, é “extremamente generalista” e não especifica a desativação da pista 17/35 de Lisboa.
“O encerramento da pista 17/35 não está explícito, mas sabemos que está implícito. Há a necessidade do crescimento do aeroporto de Lisboa, mas o crescimento de qualquer aeroporto só se deve dar até ao limite razoável para assegurar as condições de segurança de voo”, vincou.
A agência Lusa contactou a ANA, mas não obteve resposta.
A 23 de setembro de 2015, a ANA revelou estar a estudar a hipótese de desenvolvimento de um aeroporto no Montijo e a planear o desenho operacional futuro do aeroporto de Lisboa, no qual se inclui a possibilidade do encerramento da pista 17/35.
Aeroporto do Montijo com “forte impacto” mas sem especulação imobiliária
A Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) não teme a especulação sobre os preços dos imóveis devido à construção de um aeroporto no Montijo, apesar do impacto no imobiliário, no emprego e na atividade económica local.
“Qualquer infraestrutura aeroportuária terá sempre impacto no setor imobiliário: é necessário construir novas instalações, é necessário que no ambiente que se gera à volta do aeroporto haja novas instalações, novos equipamentos e novas situações de habitação e de comércio”, afirmou à Lusa o presidente da assembleia-geral da APEMIP, João Pessoa e Costa, acrescentando que os aeroportos são hoje “grandes centros comerciais”.
Confrontado com a eventual especulação imobiliária no Montijo e arredores, como aconteceu com Alcochete aquando do anúncio da construção nesse concelho de um aeroporto de raiz – o que acabou por nunca acontecer -, o responsável afastou preocupações: “Não temo. Penso que o mercado imobiliário está muito profissional. Há sempre momentos de algum pico [de preços], mas depois passam rapidamente”, afirmou.
“Os clientes nacionais e os clientes estrangeiros apercebem-se de que a cidade de Lisboa oferece sobretudo estabilidade, segurança, e, portanto, em termos de preços também penso que é isso que vão acompanhar e não vão sair deste quadro”, acrescentou.
A APEMIP não dispõe ainda de valores relativos à procura e à venda de imóveis no Montijo, na sequência do anúncio do Governo de que a base aérea n.º 6 é a solução que aparenta maior viabilidade para acolher um aeroporto civil.
João Pessoa e Costa explica que ainda “é prematuro” dispor desses números, lembrando que a decisão final quanto à localização do futuro aeroporto civil ainda não foi tomada, apesar de haver uma certeza.
“Sabe-se que o novo aeroporto se situará na Área Metropolitana da Lisboa e, portanto, o impacto que essa nova infraestrutura terá na atividade económica é sempre relevante e atendível”, reiterou o presidente da assembleia-geral da APEMIP, constituída em 2004.
Alguns agentes imobiliários têm admitido à comunicação social um aumento de 10% no preço das casas.
João Pessoa e Costa espera que a nova infraestrutura venha a servir, principalmente, a cidade de Lisboa e o turismo.
“De facto, os números do crescimento do turismo são importantes. O efeito multiplicador que têm o turismo e o setor imobiliário sobre outras atividades é absolutamente relevante e tudo isso são aspetos que são de saudar por esta decisão”, concluiu.
Na quarta-feira é assinado um memorando de entendimento entre o Governo e a ANA – Aeroportos de Portugal para o aprofundamento de estudos acerca da construção de um aeroporto no Montijo, no distrito de Setúbal.
Na semana passada, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que o Governo acordou com a ANA a necessidade de aprofundar o estudo relativamente à solução que aparenta viabilidade, que é a do Montijo.
“Mas é uma viabilidade que está condicionada ainda a dados que só poderemos ter no final do ano, designadamente sobre o impacto de ser uma zona de migração de pássaros", frisou então António Costa.
Câmara do Montijo em "plena sintonia" sobre o aeroporto mas lembra obras essenciais
O presidente da Câmara do Montijo afirma que a assinatura do memorando para aprofundar o estudo do novo aeroporto na base aérea n.º 6 é um “passo fundamental” na aposta nesta localização, mas lembra que são necessárias infraestruturas de apoio.
"Tem sido um processo difícil e que tem tido avanços e recuos. Agora temos a situação mais maturada, temos estudos que comprovam que esta localização permite sustentar a capacidade aeroportuária de Lisboa pelos próximos 50 anos, e estamos em condições de dar o primeiro passo, que é dizer que a localização a ser estudada com maior profundidade é a base aérea n.º 6, no Montijo”, no distrito de Setúbal, disse à Lusa Nuno Canta (PS).
"Estamos em plena sintonia com o Governo e também com o primeiro-ministro. É necessário a partir de agora, após a localização definida, aprofundar uma quantidade de estudos, de biodiversidade, arqueologia […], para que a solução e os seus impactos no território, na biodiversidade, sejam conhecidos e mitigados, afirmou.
Nuno Canta referiu que, nas várias reuniões que realizou para discutir o novo aeroporto no concelho, entregou um caderno de encargos com obras indispensáveis, com destaque para os acessos.
"Sem as infraestruturas de apoio o aeroporto na base aérea n.º 6 não funciona nas devidas condições. É uma questão que interessa a quem instala o aeroporto e à cidade”, defendeu.
Em causa estão, por exemplo, a Circular Externa do Montijo, para fazer a ligação de quem vem do Sul e até de Espanha, e um novo acesso à Ponte Vasco da Gama.
“São questões que a Câmara do Montijo sempre colocou desde o início. Não é uma estátua, são infraestruturas essenciais", defendeu.
O autarca explicou que recusou assinar um memorando com o anterior Governo por não estarem acauteladas as obras necessárias.
Esse primeiro documento, indicou, “não tinha nada sobre estas questões” e pedia aos presidentes de Câmara do Montijo e de Lisboa que o assinassem.
Nuno Canta salientou que o novo aeroporto pode ser um "primeiro grande passo" para construir uma "cidade de duas margens em redor do rio Tejo".
"Este é um primeiro investimento, criador de riqueza e de emprego, mas não chega, os municípios desta margem sul têm que desenvolver políticas ativas de captação de turistas, de ordenamento do território e de melhoria da qualidade da paisagem", concluiu.
O acordo de entendimento é assinado depois de o aeroporto de Lisboa ter ultrapassado os 22 milhões de passageiros em 2016, um ano de recordes de tráfego em todos os aeroportos portugueses.
O primeiro-ministro afirmou na semana passada que uma decisão definitiva sobre a localização do futuro aeroporto no Montijo está condicionada à conclusão de um relatório sobre o impacto da migração de aves naquela zona, nomeadamente para a segurança migratória.
Na segunda-feira, a Associação dos Municípios da Região de Setúbal (cujos associados são na maiorias concelhos liderados por comunistas) manifestou-se contra a construção do aeroporto na base aérea, indicando como alternativa o Campo de Tiro de Alcochete.
Em dezembro o ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, admitiu que o novo aeroporto pudesse avançar em 2019, mas várias entidades, como a transportadora TAP, têm defendido o seu funcionamento já no próximo ano.
A construção da nova infraestrutura tem motivado a discussão em torno de uma possível terceira travessia sobre o Tejo.
Associação comercial espera que aeroporto no Montijo ajude a ultrapassar grave crise
A Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal considera que um novo aeroporto no Montijo pode ajudar a ultrapassar uma das “maiores crises da história”, enquanto os ambientalistas alertam para a necessidade de estudos rigorosos.
O presidente da Associação de Comércio, Indústria, Serviços e Turismo do Distrito de Setúbal, Francisco Carriço, defende que, se se confirmar, esta construção implicará "enormes benefícios": "Montijo e Alcochete vão ser os dois concelhos na linha da frente, pela proximidade e por terem um número de camas pequeno. Prevê-se o triplicar do número de camas, a hotelaria vai crescer", disse, em declarações à Lusa.
Segundo o responsável, o turismo, o comércio e os serviços, bem como a gastronomia e as pescas, irão conhecer um desenvolvimento significativo.
"Vai ser uma mudança de paradigma e uma mudança radical na grave crise que estamos a viver na zona. Pode ser um volte-face total da situação gravíssima que se vive em toda a região", defendeu.
No entender da associação, todos os municípios da região devem envolver-se e apostar na promoção, ao nível da que é feita na Madeira.
"Tem que se fazer uma promoção muito forte, como acontece na Madeira. A região e todos os concelhos não podem passar despercebidos neste novo aeroporto. Esta região tem sofrido muito, vamos ver se o aeroporto é uma alavanca grande para este volte-face", salientou.
Já Carla Graça, da associação ambientalista ZERO, defendeu a necessidade de todos os estudos serem "transparentes e rigorosos".
"Em princípio, é uma boa opção um aeroporto complementar em relação a um aeroporto de raiz, mas primeiro temos que saber se é necessário este complemento, pois pode haver folga nas ‘slots’ [direitos de aterrar ou descolar] da Portela e, depois, a optar-se por esta localização, existem questões que nos preocupam", salientou.
Carla Graça lembrou que a base aérea do Montijo está numa zona de proteção especial na orla da reserva natural do estuário do Tejo, constituindo uma das dez zonas húmidas mais importantes da Europa.
"Atravessam e nidificação aqui milhares de aves e existem até riscos para as próprias aeronaves. Depois, temos a questão da qualidade do ar e ruído, pois existem zonas que podem ser afetadas, como a Baixa da Banheira, caso se confirme o corredor de descolagem", justificou.
Se a infraestrutura avançar, sublinha a ZERO, são necessárias medidas de contenção.
"Tem que haver medidas de contenção como, por exemplo, em relação ao desenvolvimento que vai permitir. O aeroporto pode ser bom, porque existem poucas dormidas na região, mas tudo tem que ser feito com bom senso, porque a pressão imobiliária é uma preocupação", frisou.
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