Demonstrações de ciúmes, controlar os amigos, decidir a roupa ou a vida do parceiro, os seguidores nas redes sociais, empurrar, puxar cabelos, dar estalos, entre outros. Todas são formas de violência no namoro, embora alguns as confundam com amor, como explica ao SAPO24 Rita Martinho, Gestora do Gabinete de Apoio à Vítima do Alto Alentejo Oeste.

Este é um problema tão real que o ano passado a GNR registou 1.497 crimes de violência no namoro em todas as faixas etárias em 2023, mais 76 do que no ano anterior. E o Estudo Nacional sobre Violência no Namoro 2023 "demonstra que 67,5% não perceciona como violência no namoro, pelo menos, um dos seguintes comportamentos: controlo, violência psicológica, violência sexual, perseguição, violência através das redes sociais e violência física".

Se é vítima de violência doméstica ou conhece alguém que seja, as seguintes linhas de apoio podem ajudar

APAV | Associação Portuguesa de Apoio à Vítima

tel. 116 006 (telefonema gratuito, das 08h00 às 2h00)

Guarda Nacional Republicana (GNR)

A Plataforma SMS Segurança foi desenvolvida para dar resposta quer a pessoas surdas ou portadoras de deficiência auditiva como para situações de urgência em que o tradicional canal de voz não seja o mais adequado:  tel. 961 010 200

Centro de Saúde ou Hospital da zona de Residência (Portal da Saúde)

SNS 24 (808 24 24 24), disponível todos os dias, 24 horas por dia

Número Nacional de Socorro (112)

Linha Nacional de Emergência Social (tel. 144, disponível todos os dias, 24 horas por dia)

Linha da Segurança Social (tel. 300 502 502)

Rita Martinho confirma de forma empírica aquilo que os dados e os estudos mostram "a percepção que temos tido, e a informação que a escola nos passa, é que efetivamente há cada vez mais situações de violência no namoro. Por mais informados que os jovens estejam, e por mais acesso à informação que tenham, há um aumento da violência entre os jovens".

Explica que, embora não se possa generalizar, há muitas vezes um contexto familiar a ter em conta. "Da minha experiência, passa muito pela educação, dinâmicas familiares, as experiências em que estes jovens estão envolvidos." Assegura que importa estar atento "porque os jovens não começam a ter comportamentos violentos de um momento para o outro. E podem vir das dinâmicas que muitas vezes aprendem em casa, num contexto familiar. Não só entre mãe e pai, mas num contexto familiar em que estão inseridos." Explica, "muitas vezes nessas dinâmicas recorre-se muito à violência como resposta para os problemas, para os desafios, para os conflitos, para os obstáculos que existem no contexto familiar. Para muitas famílias a violência - não só física, como verbal - é a resposta ao problema." Rita Martinho partilha que muitas vezes "o que acontece é que esses comportamentos começam a ser repetidos num contexto extrafamiliar, num contexto de namoro como sendo um padrão a ser repetido".

No Estudo Nacional sobre Violência no Namoro 2023 esta realidade está bem patente. E 21,7% das raparigas e 41,3%, dos rapazes não reconhece o comportamento “insultar durante uma discussão/zanga” como violento. Às conclusões, acresce que "existe também diferença de género na legitimação da violência sexual. Do total de raparigas, 21,4% legitimam o “pressionar para beijar à frente das/os amigas/os’’, já no grupo dos rapazes esta percentagem dos que não reconhecem este comportamento como violência ascende a 40,9%".

Numa altura em que os jovens são bombardeados com acesso à informação e que têm muito mais escolaridade que no passado, este tipo de fenómenos parecem cada vez mais inexplicáveis. A experiência de Rita Martinho fá-la acreditar que as pessoas estão mais frágeis. "O facto de estarmos mais frágeis emocionalmente torna-nos mais susceptíveis a aceitar determinados tipos de comportamentos por parte dos outros, que se calhar não aceitaríamos noutro contexto da nossa vida." Exemplifica com a questão dos ciúmes, quando um jovem partilha que o namorado por ver o telemóvel ou as mensagens está a mostrar amor e preocupação, "uma pessoa que esteja de fora percebe logo que esta situação não é saudável. É uma situação de abuso de confiança, de invasão de privacidade. Mas alguém que precisa desta atenção, deste carinho, deste eventual amor, pode interpretar isto como sendo uma coisa positiva e não um alerta, um red flag". E volta a relevar, "passa muito por perceber o contexto dos jovens".

No que ao acesso à informação diz respeito, assegura que "os jovens têm muita mais informação, mas muitas vezes não conseguem encaixar esta informação de forma saudável dentro deles, o que faz com que acabem por aceitar outro tipo de comportamentos como sendo naturais". Contudo, assume, "há muito mais informação, há muito mais ações de formação nas escolas. Mas ainda assim estamos a assistir a muito mais ações de violência no namoro com uma complexidade e uma gravidade muito maior".

Há vários tipos de violência a que é necessário estar atento, e normalmente os abusos não começam com uma chapada. "Numa fase inicial há muito uma lógica de chantagem emocional, a violência psicológia e emocional". Para que seja possível estar-se atento a sinais, a técnica da APAV alerta para as frases: "Se não fizeres isto vou procurar outro, sabes que só faço isto porque te amo".

Outro dos sinais que muitas vezes é mais invisível é a violência social, mais uma vez Rita Martinho deixa frases para que possam servir como campaínhas que ativam os sinais de alerta: "Não te podes dar com determinada pessoa, não podes ser amiga de rapazes, não podes ser amigo de raparigas, não podes sair. Não podes seguir estas pessoas nas redes sociais. Não publiques essa fotografia".

E, claro, sem esquecer aquelas que são as mais identificáveis, a violência física que se pode manifestar em empurrões, puxões de cabelos, estalos, etc. E a violência sexual, Rita Martinho refere a coação e a ideia de que estando numa relação há um dever e uma obrigação de haver relação sexual".

No estudo citado, 48,5% das pessoas inquiridas do género feminino, e 39,8% do género masculino e 70,7% de pessoas que se identificam com outras identidades reportaram já ter vivenciado indicadores de violência psicológica. Além disso, 46,4% das pessoas inquiridas do género feminino, 41,3% das pessoas do género masculino e 74,1% das pessoas que se identificam com outras identidades reportaram já ter experiênciado algum dos indicadores de controlo.

Para os pais e encarregados de educação, a preocupação é, claro, uma consequência deste fenómeno. Mas há sinais a que se pode estar atento,"perceber se o filho começa a ter comportamentos diferentes do habitual, se está mais isolado, se deixa de estar com os amigos. Quase como se o namorado se tornasse o centro da vida, não deve ser assim", comenta Rita Martinho. E continua no role de sinais, o "rendimento escolar baixar um pouco, nódoas negras, lesões, sinais físicos - embora muitas vezes a violência seja exercida em sítios que não são visíveis: braços, coxas, torço, pescoço." Muitas vezes as vítimas começam a manifestar, também, sintomas de depressão e de ansiedade: isolam-se, ficam mais tristes, tornam-se irascivéis, choram, perde o apetite, e há a perda de interesse em atividades que gostavam e praticavam anteriormente.

Se perceber o que se passa na vida privada de um adolescente é difícil, reagir depois de se saber não se torna mais fácil. Se os pais perceberem, ou se o filho partilhar com eles, Rita Martinho diz que é importante não haver "reações de drama, intempestivas". É, sim, importante conversar. "Se o jovem partilha e a reação é intempestiva, a reação vai ser recuar. Então é importante, dentro do possível, os pais terem alguma tranquilidade à medida que vão recebendo esta informação." A paciência é crucial nesse momento "porque, muitas vezes, os jovens podem não querer contar logo no primeiro momento o que é que se está a passar. Mas os pais têm que ser pacientes, mostrar que estão disponíveis para ajudar naquilo que for possível, e que o interesse deles é ajudar seja o que for que esta a acontecer." Rita Martinho acrescenta que é importante "referir que há situações que não nos fazem bem e que se deve dizer basta". Mostrando aos jovens que "muitas vezes é preciso pedir ajuda a pessoas adultas. Há a ideia de que sozinhos têm que resolver tudo. E às vezes não conseguem, e é normal".

Em resumo, importa evitar reações exageradas, "para não assustar e afastar o jovem". E depois "atuar pedindo ajuda", chamar a GNR, a PSP, chamar o apoio à vítima, a psicóloga da escola. Falar com quem o jovem se sinta à vontade. Também para ajudar e dar este apoio, não deixar o jovem sozinho."

O suporte é tão fundamental nesse momento que pode estar em causa a forma como lida com relações o resto da vida. "É importante que quando alguém passa por uma situação dessas, se peça ajuda técnica. Porque é importante a nível psicológico trabalharem-se algumas questões. Não só da autoestima, como do autoconceito da vítima." Isto é, "perceber o que é que levou esta pessoa a aceitar determinado tipo de comportamentos, aprender a definição de limites. O que é que se pode aceitar e o que é que não se pode aceitar? Perceber o que são comportamentos de namoro saudáveis e o que são abusivos." Para Rita Martinho, muitas vezes o apoio psicológico "pode ajudar as pessoas a ter um espaço que lhes permita fazer uma pausa e autoanálise para não condicionar tudo o resto que vem a seguir. Para não se voltar a ser vitima de violência no namoro, ou até violência doméstica mais para a frente." Resumindo, "para não condicionar tudo o resto que vem a seguir. Para evitar que isso ganhe uma dimensão superior, é importante ter um apoio".

Para os jovens "aprender a ter a capacidade de dizer que não é muito importante para traçar aquilo que se aceita e aquilo que não se aceita". Rita Martinho pede que façam uma autoanálise e tentem perceber se dentro da relação conseguem ser eles próprios. "Se não têm que estar a ser alguém para fazer a outra pessoa feliz? Se conseguem ser genuínos?" No contacto com os jovens diz que o primeiro sinal de alerta que gosta de lançar é "se deixares de ser tu próprio para ser alguém que a outra pessoa quer é logo mau sinal". Numa fase seguinte, é ainda importante "perceber se o jovem sente que esta a ser invadido, quer na sua privacidade, quer no seu corpo, quer na sua capacidade de agir e tomar decisões. Ser influenciado a fazer o que o outro quer, o que o outro exige. E fazer o balanço: sou mais infeliz ou mais feliz com outra pessoa?".

Reconhece que é um exercício difícil, "mas há também alertas de amigos. Existem muitos motivos que levam as pessoas a manter-se em relações abusivas. mas também parte da pessoa ter esta consciência. porque Infelizmente só quando alguma coisa corre pior é que percebem". No fundo, deve questionar porque é que está numa relação, "acomodou-se? Resignou-se à situação? É realmente aquela pessoa que o jovem quer? Com quem se sente bem? Nós podemos e devemos ser felizes no namoro e não numa situação de violência no namoro".