Apesar do RED ter sido criado em 2017, só há dois anos começou a competir no EuRoC (European Rocketry Challenge), uma competição europeia de foguetes (Rockets) que junta várias universidades da Europa, e acontece todos os anos em Constância, no distrito de Santarém.

Este ano, à semelhança do ano passado, o RED apresentou um novo projeto, a que chamou missão ‘Camões’, e querem ganhar a próxima competição, em 2023, na categoria de 3000 metros de altitude, que vai acontecer entre os dias 10 e 16 de outubro.

Este é o sétimo foguete da equipa de estudantes do Instituto Superior Técnico, que num projeto que integra vários cursos e alunos de todos os anos, desenvolvem a melhor solução para que os seus foguetes atinjam o espaço. 

Em entrevista ao SAPO24, o vice-coordenador do projeto, Pedro Alves, estudante do quarto ano de Engenharia Aeroespacial, com 22 anos, conta a história do projeto e da equipa que o compõe, as diferenças desta nova missão face às anteriores, bem como as vantagens enquanto aluno de fazer parte de uma iniciativa deste tipo. 

Além destes temas, e tendo em conta que se trata de um projeto impulsionado pelos alunos de Engenharia Aeroespacial, a conversa centrou-se também na importância deste curso em Portugal e o que os alunos podem fazer com ele por cá no futuro.

Há vários anos que a licenciatura em Engenharia Aeroespacial apresenta a média de acesso ao Ensino Superior mais alta, nas diferentes instituições onde existe, sendo que este ano se destacou a média da Universidade do Minho, que se situou nos 18,86 valores, o curso com a média mais alta em Portugal. Logo de seguida, de acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) aparece a Engenharia Aeroespacial do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, com uma média de 18,68, sendo o segundo curso com média mais elevada no país, antes das diversas Medicinas e outras Engenharias.

Como surgiu o projeto RED e a ideia de criar foguetes?

O RED é um projeto sediado no Instituto Superior Técnico, dentro do Núcleo de Estudantes de Engenharia Aeroespacial, e basicamente foi uma ideia de dois alunos deste curso que sentiram que faltava um projeto mais dedicado à parte do espaço num curso como este.

Sabendo esses alunos que havia uma competição nos Estados Unidos da América (EUA) de foguetes, pareceu-lhes lógico que aqui também pudéssemos fazer este tipo de coisa.

Nesta altura, já havia equipas em outras cidades europeias, e portanto em Portugal não podia ser diferente.

O RED foi então criado em 2017 e desde essa altura foram-se construído foguetes (rockets) até aos dias de hoje, cada vez com maior complexidade.

No ano de criação fez-se um foguete pequenino, o ‘Pilot’, cujo objetivo era começar. O foguete tinha apenas cerca de 30 centímetros. Depois disso todos os anos fez-se um foguete novo a que chamámos a missão ‘Aurora’. Estes eram foguetes mais complexos, com um motor feito por nós, que já tinha uma eletrónica mais avançada, sistema de recuperação com paraquedas, e essa foi a grande base do nosso início e da consolidação do conhecimento nesta área.

Esta missão consistiu num trabalho de três anos com três rockets diferentes. Quando construímos o rocket ‘Aurora 3.0’, em 2021, foi também o primeiro ano em que participámos numa competição Europeia, o EuRoC, criada pela Agência Espacial Portuguesa. Nesse mesmo ano, acabámos por criar também o rocket ‘Blimunda’, batizado conforme a protagonista do 'Memorial do Convento'.

Nesta missão da ‘Blimunda’, fomos a primeira equipa portuguesa a participar no EuRoC. Participámos na categoria de 3 quilómetros de altitude com propulsão sólida, feita por nós, e no meio disto tudo não conseguimos recuperar o rocket e acabámos por ficar em penúltimo lugar na competição.

Apesar disso, foi bom conviver com os colegas de outras universidades, conhecer o que eles estavam a fazer, e passámos a ter mais rigor nos nossos procedimentos no futuro.

 Rocket Blimunda no EuRoC 2021
Rocket Blimunda no EuRoC 2021 créditos: Portugal Space

Nesse ano, tínhamos feito o ‘Blimunda’ em tempo recorde, porque tinha sido também o ano em que tínhamos feito o ‘Aurora 3.0’, mas decidimos que queríamos participar no EuRoC novamente, e ficámos o ano de 2022 a preparar a missão ‘Baltasar’.

Então, em outubro do ano passado, quando foi a competição, acabámos por ficar em primeiro lugar na nossa categoria, que era os 3 mil metros de altitude com propulsão sólida, e ficámos em segundo lugar da tabela geral, sendo vice-campeões europeus.

Este ano, decidimos investir o nosso tempo em criar a missão ‘Camões', que é o nosso sétimo foguete, que vai participar na mesma categoria do ‘Baltasar’, mas o nosso objetivo é corrigir alguns problemas que identificámos no design e tentar ter o rocket  mais robusto de sempre.

O que teve de diferente este projeto ‘Camões’?

O 'Camões' foi a oportunidade da equipa se reorganizar e pensar melhor os tempos do projeto e tentar estudar todas as fases de manufatura e do estudo, para termos mais organização e união na equipa.

Não queremos também dar um passo maior do que a perna, porque ficámos em segundo lugar, mas ainda existe um lugar para subir e este ano é esse o nosso objetivo.

É importante realçar que temos também dois projetos paralelos a este, que são a construção de um motor mais avançado para ser eventualmente incorporado noutro foguete e também um sistema de aterragem novo também para o futuro.

Como temos estes dois projetos, este não vai ser um rocket muito inovador, mas vai acertar as falhas dos projetos antigos.

Esta missão tem como objetivo ganhar o EuRoC 2023, com algumas soluções novas que fomos aprendendo ao longo do tempo. É um foguete mais robusto, mais versátil e mais sustentável, com peças desenhadas com vista à reutilização fácil.

Em termos de design, este módulo é composto por vários cilindros desmontáveis. O cilindro de baixo tem o motor, depois em cima vem o módulo da eletrónica, e segue-se um módulo para transportar carga útil como experiências científicas. Depois disso, vem o módulo de recuperação com os paraquedas e no final a ogiva, ou o fim do rocket que leva mais uma parte de recuperação.

Temos feito sempre esta arquitetura, mas este ano modificámos, por exemplo, alguns componentes na parte do motor para melhorar a estabilidade. Agora, a estabilidade é garantida com uma estrutura removível em formato de asas que, ao contrário da versão anterior, não são coladas mas sim montadas na estrutura, sendo apenas necessário substituir no caso de uma ficar danificada.

Em foguetes anteriores, teríamos de construir o módulo novamente, o que tem custos, e agora já não.

Além disso, fizemos uma redução da eletrónica e conseguimos fazer um foguete mais leve e melhor, ficando a mesma tecnologia num espaço melhor.

É também um foguete com mais câmaras. O ‘Baltasar’ tinha apenas uma, mas o ‘Camões’ tem várias câmaras acopladas a estruturas metálicas para funcionar melhor.

No que diz respeito à recuperação, temos dois paraquedas: um que abre quando chega ao topo e outro mais em baixo. Isto é obrigatório na competição, mas a inovação é os paraquedas serem feitos por nós, costurados, e mesmo o sistema de recuperação que era comprado, agora também é feito por nós.

No espaço de transporte de experiências científicas, no ‘Baltasar’ levámos duas, uma delas o vencedor de um concurso em Portugal de construção de satélites com latas de refrigerante por alunos do secundário, e para a outra abrimos um open call e quem quisesse fez o voo connosco. Este ano, insistimos ainda mais neste ponto e aumentámos a nossa capacidade de transporte, e vamos levar três experiências que vão ser na mesma dois satélites e mais uma outra experiência em open call. O objetivo é ter o máximo de ciência a acontecer no espaço.

Porquê ‘Camões’?

Nós temos a tradição de ir por ordem alfabética, ou seja, ‘Aurora’ foi a primeira missão. Depois, ‘Blimunda’ e ‘Baltasar’, já que os dois têm B, porque a missão ‘Baltasar’ aconteceu quase para fazer o que ‘Blimunda’ não conseguiu e fazem parte do mesmo livro.

E o ‘Camões’ representa uma nova fase, já com a letra C, e fomos mantendo esta tradição de nomes relacionados com a literatura portuguesa, que é algo que vamos continuar a fazer.

Atualmente, temos inclusivamente um outro projeto, também do nosso núcleo, que é basicamente ir a escolas secundárias e ligar a ciência à literatura. Tal como nos rockets, já o fizemos com o ‘Memorial do Convento’ e agora fazemos essa ligação com 'Os Lusíadas’.

Qual o tamanho de um foguete destes?

O ‘Camões’ chega quase aos três metros de altura e tem cerca de 30 quilogramas no total, já com o combustível.

O combustível é conhecido como rocket candy, e consiste numa mistura de sorbitol com nitrato de potássio. Este combustível é consumido logo no início do voo, e depois o foguete voa com 24,08 quilogramas.

O transporte é feito de carro, cada módulo não tem mais do que um metro e a montagem é feita durante uma semana no local da competição, que neste caso é em Constância, Santarém.

Como é desenvolver todas estas atividades durante um curso?

Muito do tempo que dedicamos acaba por ser devido à paixão que temos ao projeto e à vontade de nos superar, mas temos sempre o cuidado de equilibrar o curso e o projeto. Se um dos membros não conseguir estar tão presente, a pessoa dedica-se mais aos estudos e menos ao projeto.

Somos muitos e tentamos ter sempre alguém disponível, mas é uma atividade dinâmica que temos de estar sempre a avaliar e ninguém fica com o curso por fazer por causa do RED.

Neste momento somos cerca de 100, e a equipa está cada vez maior com vários cursos do Técnico, para haver multidisciplinaridade. Assim, as fases dos exames são um pouco diferentes e já não existe tanta falta de disponibilidade.

O interesse pelo projeto tem sido bastante grande e é cada vez mais fácil encontrar novos membros, sendo que atualmente temos cerca de 10 cursos diferentes representados no projeto, como Matemática, Química, entre outros. Temos connosco o melhor de cada curso.

Os alunos começam em que ano?

Os alunos podem entrar logo no primeiro ano e ficar até ao quinto ano. Normalmente, fazemos duas fases de recrutamento em duas alturas do ano e os alunos interessados podem concorrer ao projeto.

Naturalmente, os alunos do primeiro ano têm menos conhecimentos mas é muito bom que entrem, tendo em conta a perspetiva de continuidade no projeto durante todo o curso.

Cada equipa tem uma prioridade e, normalmente, nós tentamos encontrar a pessoa específica para cada equipa, mas não é de todo impeditivo a um aluno do primeiro ano entrar. Temos até alunos do primeiro ano muito motivados, com grande paixão pelo espaço e isso é o mais importante.

Temos alunos que conhecem o projeto quando ainda estão no secundário, e quando entram no curso de Aeroespacial ou em qualquer curso do Técnico querem logo entrar, e isso é muito gratificante para eles e para o projeto.

Quais as vantagens para o curso?

O curso é na sua maioria teórico, e com projetos como estes temos a oportunidade de experimentar uma componente prática em falta. Em nenhuma cadeira se constrói um foguete e, portanto, esta é a vertente prática do conhecimento adquirido.

Em termos de orçamento, como é que conseguem ter fundos para o projeto?

Grande parte do orçamento é conseguido através de parcerias com empresas, e temos uma equipa de Gestão e Marketing só dedicada a conseguir estas mesmas parcerias.

Neste momento temos já diferentes patrocinadores, de diversas áreas, que acabam por nos apoiar com ajuda financeiramente ou, em maior número, com peças.

Existe algum professor para orientar ou é algo exclusivo de alunos?

Diretamente temos professores que se associam com áreas específicas quando temos dúvidas, e depois temos um professor mentor que é o professor mais próximo e mais ligado a nós.

No entanto, no laboratório somos só alunos e quando é necessário vamos falar com os professores.

Está agora a aproximar-se a competição europeia em outubro. Quais as expectativas?

Esta é a terceira edição em que o RED participa, mas a competição já existe há 4 edições.

Todas as equipas têm evoluído muito e temos sempre um espírito amigável e de partilha das dificuldades que vamos sentindo. É muito interessante num ano falarmos das dificuldades que temos e no ano seguinte contarmos uns aos outros como as solucionámos.

Neste momento, existe uma grande expectativa, existem sempre muitas soluções interessantes que ficamos a saber que outras equipas escolheram e a qualidade é bastante notória.

Este ano conseguimos estar muito tempo a desenvolver o projeto e tivemos o objetivo de minimizar a fase de design e aumentar a fase de testagem. Já tivemos algum tempo para testar e vamos continuar a fazê-lo. Mas esta área é complicada e o objetivo é prever todos os cenários possíveis para que consigamos agir em conformidade e solucionar os problemas.

Como é que se consegue lançar este tipo de engenhos?

Não é fácil em termos de autorizações. É necessário todo um raio de segurança e uma altitude de 3 mil metros. Por isso, temos vindo a trabalhar com as autoridades responsáveis para que isso aconteça e vamos ver se com o passar do tempo conseguimos testar com um lançamento.

O que nós fazemos é testes aos subsistemas isoladamente na esperança de conseguirmos fazer um teste maior.

Mais sobre o curso, há muitos anos que Engenharia Aeroespacial é um dos cursos com a média mais alta desejado por muitos que não conseguem entrar. O que é que um Engenheiro Aeroespacial faz em Portugal?

A indústria de Aeroespacial em Portugal não é das maiores, mas tem vindo a crescer nos últimos anos, o que acabou por se refletir no aumento de vagas no curso e na abertura deste curso em outras universidades.

Esta abertura de cursos também coloca alguma pressão na indústria para crescer e receber todos estes novos engenheiros. Em termos de perspetivas, em Portugal temos a área da aviação, na qual ainda existem algumas empresas com saída. Porém, se o caminho que quisermos escolher for o espaço, o percurso por cá tem de estar mais ligado aos satélites e telecomunicações e não tanto com lançar rockets, embora já existam empresas que façam isto.

Ou seja, quem fica em Portugal terá de escolher estas áreas. Por outro lado, o mercado acaba por ser bastante aberto do ponto de vista internacional e muitos colegas optam por ir para o estrangeiro, onde existem mais oportunidades hoje em dia, já que num mundo global são mais fáceis de arranjar.

A nossa dificuldade é que o setor aeroespacial mexe por vezes com o setor da defesa, e no estrangeiro é mais difícil aceitarem pessoas vindas de fora para trabalhar, mas costuma ser uma opção.