O deputado relator apresentou hoje a versão preliminar do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

“Este relatório é marcado, numa primeira fase, por uma análise daquilo que foi a atuação do supervisor ao longo do período prévio à resolução do BES”, começou por explicar, considerando que o denominado relatório Costa Pinto “foi uma peça essencial dos trabalhos desta comissão”.

Segundo o socialista Fernando Anastácio, o relatório Costa Pinto, “conjuntamente com os depoimentos” que decorreram nas 56 audições da comissão de inquérito, identificaram “um conjunto de circunstâncias e de momentos” que permitem retirar uma conclusão.

“Que a supervisão falhou em toda a linha é quase um consenso, permitam-me dizer isto assim. Ficou claríssimo, pelo menos na minha leitura, aos olhos de todos nós, que houve uma falha permanente e sistemática da supervisão”, apontou.

Na perspetiva do deputado relator, a supervisão chegou “sempre tarde aos problemas, sem prejuízo que os identificava”.

“Tivemos aqui uma supervisão - não quero usar a expressão, mas - muito epistolar, com muita carta e pouca ação. Os serviços do Banco de Portugal identificaram um conjunto de problemas ao longo dos anos e reportaram-nos à administração e administração nada fez”, criticou.

Fernando Anastácio apontou ainda “umas primeiras conclusões” que tem a ver com o porquê de o Banco de Portugal ter pedido o relatório Costa Pinto “para se autoavaliar, para se avaliar a si próprio e depois nada fazer com este instrumento”.

“E a conclusão óbvia é que o relatório, em si, era uma pedra no sapato muito forte na para a administração do Banco de Portugal e, portanto, o tratamento que houve foi, pura e simplesmente, justificado numa leitura de confidencialidade, mas sem nada fazer com o relatório que se pediu para avaliar aquilo que não tinha feito bem”, criticou.

No total, ao longo de pouco mais de três meses decorreram no parlamento 56 audições da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, num total de 174 horas durante as quais os deputados questionaram e ouviram as explicações dos depoentes.

Foram precisos mais de 10 mil minutos – exatamente 10.447 – para concluir as audições, que começaram no dia 10 de março, com João Costa Pinto, o antigo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal e coordenador da comissão que elaborou o 'relatório Costa Pinto', que analisou a conduta do supervisor na resolução do Banco Espírito Santo (BES).

“Desastre completo” na relação do Banco de Portugal com o BESA

Fernando Anastácio qualificou ainda como um “desastre completo” a relação do Banco de Portugal (BdP) com o BESA, criticando a passagem de responsabilidades para a supervisão angolana.

O deputado relator apresentou hoje a versão preliminar do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Com muitas críticas à supervisão “ineficaz, pouco atuante, identificando os problemas, sem capacidade de os resolver” no período até à resolução do BES, o deputado do PS fez questão de dar o exemplo concreto do BES Angola.

“Queria deixar um ponto que, pela sua importância, não posso deixar de referir que é a relação com o BES Angola, é um desastre completo, é um dos problemas do colapso do BES, há uma relação de subserviência... não é de subserviência, é de passagem de responsabilidades para a supervisão angolana”, criticou.

Para Fernando Anastácio, “a forma como foi tratado aquele protocolo, ainda mais passando poderes ainda antes do protocolo estar feito, colocou o Banco de Portugal numa posição extremamente difícil relativamente ao exercício da sua atividade de supervisão”.

“Um outro exemplo concreto é a leitura restritiva e minimalista que o Banco de Portugal tinha daquilo que devia ser a sua ação prudencial, particularmente na sua relação com a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] e quando faz aquele protocolo, onde se demite, por exemplo, de analisar e tomar posição relativamente à consolidação do papel comercial das entidades nos próprios balcões dos bancos”, condenou.

Houve "deficiente comunicação" sobre impacto da capitalização

O deputado relator da comissão de inquérito ao Novo Banco, considerou também, na apresentação do relatório, que houve uma "deficiente comunicação" acerca dos impactos da capitalização do banco, destacando o insuficiente capital inicial.

Referindo-se à "comunicação e perceção pública" do impacto da capitalização do Novo Banco, "tanto na resolução como subsequentemente", o deputado relator disse não ter dúvidas "de que houve uma deficiente comunicação sobre essa matéria".

"Mesmo não entrando naquele debate, que não é consensual, se é dinheiro público, se não é dinheiro público, se é para reembolsar ou não no longo prazo, não houve obviamente a perceção, pelos cidadãos – porque a comunicação não o permitiu – do tipo de esforços que podiam ser, mesmo que de uma forma intercalar, chamados a sustentar com esta intervenção", disse o deputado.

Em 31 de março de 2017, numa comunicação ao país acerca da venda do Novo Banco à Lone Star, o primeiro-ministro, António Costa, disse que a venda do banco cumpria "as três condições colocadas pelo Governo" em janeiro daquele ano, sendo uma delas de que o processo não teria "impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes".

Antes, Fernando Anastácio já tinha dito que "ficou claro" que houve uma "perceção de uma capitalização insuficiente" do Novo Banco.

"Podemos ter perceções diferentes, de diferentes matizes sobre ela, mas que ela era uma capitalização deficiente não há qualquer dúvida sobre essa matéria, muito forçada", disse o deputado relator.

Na apresentação do relatório, Fernando Anastácio demarcou-se do debate em torno da diferença de 400 ou 500 milhões de euros no montante de capitalização inicial do banco, concluindo que "o problema, a dimensão, é depois muito maior".

Quanto ao momento de capitalização inicial, o deputado relator apontou aos "protagonistas dessa responsabilidade", referindo que se tratava de uma "responsabilidade legal do banco", mas também de "diferentes atores" como o Governo, o Banco de Portugal (BdP) e a Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia (DGComp).

"O Novo Banco viveu com um problema de capitalização insuficiente", concluiu o relator.

"Há uma postura da administração que não é de salutar e merece a crítica"

O deputado relator da comissão de inquérito ao Novo Banco, Fernando Anastácio (PS), deixou hoje críticas à administração liderada por António Ramalho, destacando a "desconfiança da sociedade portuguesa" face ao seu acionista, a Lone Star.

"O facto de não termos conseguido aqui a colaboração dos responsáveis principais do Novo Banco, para nos dizerem quem toma as decisões da Lone Star, acho que é uma questão essencial que marca esta relação", disse hoje Fernando Anastácio na apresentação da versão preliminar relatório que elaborou.

O deputado do PS considerou que "há uma certa desconfiança na sociedade portuguesa relativamente à Lone Star", que a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução "era uma oportunidade" para "deixar claro quem é que define a estratégia, quem é que está comprometido com o Novo Banco, como é que as decisões são tomadas".

"Não houve essa capacidade. Isso, na minha perspetiva, cria um grau de desconfiança na opinião pública relativamente ao Novo Banco. Isso devia ter sido desfeito e não houve a capacidade, não houve a vontade, não sei, de o desfazer", considerou o deputado socialista.

Fernando Anastácio deixou ainda um reparo "a Byron Haynes [administrador do Novo Banco] e a António Ramalho [presidente executivo], em concreto, e obviamente ao gestor da Nani Holdings [representante da Lone Star em Portugal]", Evgeny Kazarez.

Sobre Kazarez, "ninguém conseguiu perceber bem qual era o papel dele aqui: se escrevia cartas, se criava cartas, se assinava cartas... não é uma questão transparente", aditou o deputado relator.

"Nem sempre, em muitos casos, o interesse do acionista Lone Star é o mesmo interesse do acionista Fundo de Resolução", realçou, apontando ainda a situações que "são suscetíveis de ser interpretadas como um claro conflito de interesses".

"O facto de Byron Haynes ser presidente de um banco, até julho, de um ano, banco esse da propriedade de um fundo internacional que é o Cerberus, e passado dois meses ser ‘chairman’ do Novo Banco, e a seguir ser vendida uma filial e um pacote de ativos à Cerberus é nitidamente uma situação que coloca no domínio de podermos estar em situações que não são claras", detalhou.

Fernando Anastácio considerou mesmo que "há toda uma postura da administração do Novo Banco que não é de salutar e merece a crítica".

"A administração do Novo Banco diz que é muito escrutinada, com certeza que sim, mas já agora também deve retirar conclusões do escrutínio", concluiu.

(Artigo atualizado às 23:00)